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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

"Peccatum pro naturam"

Vídeo Promocional \\ CIDADE DO DOURO, CIDADE DO MUNDO from Douro Alliance on Vimeo.

"Peccatum contra naturam"


A Terra é um belo calhau que não se cansa de girar em torno do Sol. Não conheço outros planetas, vivi sempre neste, embora gostasse de conhecer outras paragens, outros silêncios, outros sóis e outros universos. Para quê? Tenho a certeza de que lá fora as coisas são diferentes, tão diferentes que nem consigo imaginar quais. Nem consigo antever as sensações decorrentes dessas realidades. Sentir a diferença é um doce alimento para uma alma.
A ciência ilustra-nos a todo o momento com deliciosos mistérios embrulhados em cores e brilhos impensáveis, resfolgando enigmáticos corpos celestes que se entretêm a jogar às escondidas nas profundezas do abismo. Um abismo libertador. 
A Terra está cada vez mais pequena e mais poluída, sobretudo de ideias estranhas e comportamentos não aceitáveis. Será que há ideias a mais neste planeta, a ponto de provocarem aquecimento mental irreversível? Ideias a mais? Mas as ideias não são a expressão máxima da criatividade humana? São, de facto. O pior é que as velhas ideias perduram e renascem com tal força que o desequilíbrio social humano se torna no prato forte da existência. Não são as novas ideias que mais me perturbam, mas sim as velhas que durante muito tempo sequestraram a liberdade e a dignidade das pessoas.
Surpreende-me o fenómeno dos movimentos evangélicos que pululam como cogumelos por esse mundo fora, sobretudo em África, onde estão no auge. Arrebanham como carneiros mansos multidões de pessoas para as “cerimónias de arrependimento”, como está a acontecer, por exemplo, no Quénia. Neste país, um profeta, biofísico de formação, é um guru que tem nas mãos tudo e todos, até o próprio primeiro-ministro. Fico siderado quando leio que o “barbudo”, biofísico de formação, afirma ser capaz de curar a sida e que prognosticou no passado tragédias sanguinolentas como se fosse muito difícil prever acontecimentos deste jaez naquele continente, mas o caso da sida preocupa-me. O profeta barbudo, porque um profeta tem de ter barbas, compridas de preferência, as quais são diretamente proporcionais à capacidade adivinhadora, desenvolve uma campanha violenta contra a homossexualidade, afirmando que esta é imposta pelo ocidente e que “as relações entre elementos do mesmo sexo não são intrínsecas à cultura africana”. A este propósito, o primeiro-ministro queniano determinou em novembro de 2010 a prisão de casais homossexuais, porque é uma prática antinatural. Aqui está um conceito evangélico que não se confina apenas a este ramo cristão, os seus irmãos, católicos, também têm a mesma opinião.
Considero interessante o argumento de “antinatural”. Convém esclarecer que esta prática já foi detetada em mais de 1500 espécies, estando bem documentada em pelo menos 500. Claro que há espécies onde nunca foi observado este comportamento, mas também não fazem sexo, isto para não falar nos hermafroditas.
Esta coisa da religião andar sempre a meter-se com a sexualidade deveria acabar de vez. Eu sei que é um osso atravessado na garganta do pessoal do ofício. Porquê? Porque pode desequilibrar a sua ordem, limitar o seu poder e originar perda de influência. Não é só o sexo que está em causa, mas tudo o que mexa no princípio e fim da vida é uma inquietação capaz de provocar muitos engulhos.
Enfim, a Terra é um calhau muito interessante. Estamos sempre a dar topeiradas em coisas velhas, e observamos uma permanente renovação de falta de respeito pelas diferenças. Elas existem, logo, deixem-nas em paz, porque sentir a diferença é um doce lenitivo para qualquer alma que se busca a si própria ou outra, seja ela quem for. Mas este pessoal, que tanto invoca as virtudes da alma, desde que castradas, não pensa o mesmo das apetitosas notas verdes ou ouro das ofertas a um deus que nunca inventou o dinheiro. Nem deve saber o que é isso. Sempre é melhor pensar nas belezas das desconhecidas “diferenças” que habitam no silêncio dos abismos do universo, onde quer que isso fique ou signifique...

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Genealogia

Gosto de ver o programa sobre as origens de algumas personalidades que, semanalmente, passa na TV. Ontem, foi a vez do jornalista José Rodrigues dos Santos, que ficou muito sensibilizado e lisonjeado quando "soube" que era descendente de D. Afonso Henriques, Maomé e Carlos Magno.
Ora abóbora, mas quem não é? Somos todos descendentes dessas pessoas, assim como de Confúncio, de Neferti e do mais ordinário troglodita do paleolítico. Não sei se vale a pena ir tão longe, porque acabamos por nos entrelaçar uns nos outros. Enfim, serve para divertir, o que já não é mau. Uma coisa é certa, considero uma patetice o querer demonstrar que alguém é portador de sangue "azul".
Para entender melhor este assunto, basta ler esta excecional e esclarecedora informação.

O formidável exemplo dos Emigrantes Portugueses...

1. Foi notícia no final da semana passada, rapidamente apagada dos “headline” dos media, como é evidente, uma vez que se tratava de um facto muito positivo para o País: as remessas dos Emigrantes Portugueses registaram em 2012 um aumento de 20,5% em relação ao ano anterior, atingindo € 2.224 milhões (tinham sido € 1.723 milhões, € 1.859 milhões e € 1.845 milhões em 2009, 2010 e 2011, respectivamente).
2. Este facto dá que pensar, pois mostra-nos que a classe mais desprotegida da sociedade portuguesa, a que foi mais atingida pela crise financeira e económica, que perdeu ou não conseguiu encontrar trabalho no País (alguns deles literalmente escorraçados), que foi obrigada a procurar trabalho (não emprego...) noutras paragens, tantas vezes em circunstâncias extremamente penosas, de quem o Tribunal Constitucional tampouco se recordou quando resolveu jurisprudenciar sobre tratamentos de equidade e de proporcionalidade na sociedade portuguesa...
3. ...essa classe continua a apostar no País, ao ponto de, como se verifica, estar ajudando, de forma expressiva, a refazer o equilíbrio das contas com o exterior, pondo termo a um longuíssimo período de sucessivos e enormes deficits e de acumulação de endividamento externo, que conduziram ao sufoco total em Abril de 2011...
4. Este comportamento dos Emigrantes Portugueses oferece-nos um chocante contraste com o que se passa dentro do País, em que continuamos a assistir à predominância dos jogos de poder e de intriga com que a classe política se deleita, oferecendo ao exterior uma imagem de um País enfraquecido e com uma imensa dificuldade em definir um rumo para si próprio...
5. ...mas devidamente assessorada por uma comunicação social que na sua esmagadora maioria se entregou de “alma e de coração” a um projecto de mediocridade, em que a pedinchice e o facilitismo (bem como a defesa intransigente dos lugares à Mesa do Orçamento) são instrumentos fundamentais da sua realização, sempre disponível para enaltecer e apoiar as atitudes de cedência ou de frouxidão perante as dificuldades que tivemos e temos de enfrentar...
6. Face ao lamentável panorama do Portugal oficial, que formidável é este exemplo dos Emigrantes Portugueses...mas, infelizmente, como facilmente se percebeu pelo imediato silenciamento desta notícia, de pouco nos vai servir - triste País este!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Se lhes resta algum discernimento...

No Parlamento, ou fora dele, Passos Coelho tem convidado António José Seguro para debater a reforma do Estado.  
Acabei agora de ler que Seguro desafiou Passos Coelho a debater alternativa para o país.
Claro que poucos são os que ainda acreditam na sinceridade dos salamaleques. 
Mas não julgue qualquer deles que subsistirá se persistirem nessa conversa de surdos. 
Se lhes resta um mínimo de discernimento,  passem é à acção. 

Travessa da Tipografia...





Intervalo para o almoço. Um belo dia de sol. Frio a convidar a procurar o astro-rei. Ainda falta algum tempo para a hora marcada. Deambulo sob o sol e depois embrenho-me em ruelas frias e ventosas. Silêncio. Uma travessa chama-me a atenção, Travessa da Tipografia, nua, gelada. Uma velha parede ostentava um painel de azulejos. A curiosidade atraiu-me e li. Gostei. Gosto de andar ao acaso, porque encontro sempre algo de novo e de belo. 

Um critério sem critério

Ontem, um jornal português, diário e dito de referência publicava diversas entrevistas rápidas com cidadãos italianos sobre as eleições no seu país. Todos, sem excepção, expressavam a sua oposição e até ódio a Berlusconi. O repórter, o editor, os sub-directores, os directores-adjuntos, o director, no fim, o jornal, inculcavam desse modo que Berlusconi era caso acabado. Finito!
Agora mesmo, acabo de ouvir que Berlusconi poderá ganhar as eleições para o Senado e ficar em segundo lugar nas eleições para o Parlamento.
Na Itália, ainda não são os jornalistas portugueses que votam. O seu apurado critério político ainda não é aceite por lá. Por cá, não sei.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

"Pai galego, filho fidalgo, neto pedinte"

Aproveito a espera do voo que me trará de volta a Portugal, depois de uns dias de trabalho em Moçambique, para anotar impressões e assim voltar ao 4R após forçada ausência. À saída deixei um País frio, pesado e triste, uma situação social e económica deprimente e sem sinais de melhorar. À chegada a Maputo e durante estes dias, a sensação é de entrar num mundo diferente em que a euforia de um País a crescer não faz esquecer a imagem do nosso, lá longe, que empurra para aqui muitos dos seus. Para aqui e para muitas outras paragens. Digo para mim próprio que o mundo mudou, é hoje plano e fácil de conhecer e de percorrer, as fronteiras são sobretudo as que os homens impõem e que por isso o movimento de pessoas é um fenómeno natural que as crises só tornam mais sentido. As distâncias já não são entrave, mas os sentimentos, esses sim, podem sê-lo. As fronteiras físicas podem ter sido vencidas, as fronteiras políticas vão caíndo. Mas as fronteiras das afetividades são laços que nos ligam ao sítio onde nascemos, à família e aos amigos, não desaparecem assim, ou pelo menos a sua destruição não pode assim ser explicada.
Aqui ouvi de quem de Portugal para cá veio viver, um provérbio que não conhecia mas que retrata com crueldade o que se passa com Portugal: pai galelo, filho fidalgo, neto pedinte. Gerações de filhos fidalgos de pais esforçados legam aos mais novos o empobrecimento e a desesperança. Os que não se conformam com a condição de neto deserdado transformado em pedinte, vão à procura de oportunidades de vida que preencham as suas ambições, onde quer que elas surjam. Encontrei-me aqui com muitos deles. Recém-licenciados uns, cansados de lutar sem sucesso por um posto de trabalho outros, desempregados sem esperança de perder esse estatuto, ainda outros. Alguns com família recentemente constituída, mulher e filho pequeno lá longe, a muitos e muitos quilómetros. Encaram de frente o amargo da saudade mais que certa, o afastamento da terra que lhes fecha as portas. 
Ele há provérbios que deveriam ser uma fantasia. Este, desgraçadamente, retrata bem a realidade.

A Liga dos energúmenos

Bandos de energúmenos malfeitores energumenaram-se ontem uns contra os outros no Estádio do Guimarães. Causaram danos em si próprios, que todos temos que pagar no SNS, e danificaram instalações e património.
Segundo o eminente Presidente da Liga de Futebol, a culpa é do Governo e de Miguel Relvas, que só frequenta camarotes VIP e deve passar a pasta a outro. 
A banditagem, essa pode continuar. Quanto a Relvas, tanto o martirizam, que ainda acaba por ser beatificado.  

Erro na previsão económica, sem o resultado ser conhecido?!

1. Confesso-me cada vez mais surpreendido e “cilindrado” pela superior capacidade de avaliação e interpretação do infeliz desempenho da economia portuguesa, que tem vindo a ser exibida por ilustres “opinion-makers” e pelos “media” de uma forma geral.
2. Nestes últimos dias têm-se repetido, até à saciedade, os comentários, fortemente críticos de uma forma quase universal, sobre os “erros de previsão” do Governo quanto ao desempenho da economia em 2013...
3. ...chegando mesmo um dos mais consagrados comentadores a apelidar de “uma Bomba”, os mencionados “erros de previsão “ do Governo, por ter vindo agora admitir que a economia iria contrair -2% em vez de -1%...
4. Este alarido em torno do “erro de previsão” é curioso, em 1º lugar, porque uma contracção de -2% não constitui novidade nenhuma, já em 15 de Janeiro o BdeP, no seu Boletim Económico do Inverno, havia avançado uma previsão de -1,9%...
5. ...e nessa altura, o (muito) afável líder da oposição, que não se sabe porque “carga de água” resolveu especializar-se na proclamação de banalidades e em iniciativas sem qualquer sentido útil (a fantástica carta ao FMI é um hino ao anodinismo) , veio muito oportunamente observar que o Governo se tinha “mais uma vez” enganado pelo facto de ter avançado uma (única) previsão de contracção de -1% E o BdeP prever agora -1,9%...
6. ...mas o mais curioso disto tudo é que só se poderá falar de erro de previsão – seja esta de -1% ou -2% - quando for conhecido o resultado efectivo do desempenho da economia em 2013...até lá pode falar-se de maior optimismo ou pessimismo da previsão, mas obviamente que de erro, não...é simplesmente ilógico falar em erro...
7. E, se por hipótese acabarmos o ano 2013 com um desempenho da economia melhor que qualquer dos cenários de contracção de -1% ou -2% - o que não sendo certamente o resultado mais provável, também não pode ser excluído  atendendo aos indicadores avançados que têm vindo a ser divulgados para as principais economias do Euro - “quid juris”? Teremos então mais uma “Bomba” e o afabilíssimo líder da oposição vai de novo indignar-se por tão funesto erro de previsão?

Vontade de morrer


Conviver com colegas fora do âmbito profissional é útil, alivia a tensão e permite outras coisas: descobrir novos interesses, recordar episódios de vida, transmitir emoções, partilhar experiências e aprender uns com os outros nas mais diversas áreas. No entanto, acabamos sempre por cair em conversas médicas. Há uma força que nos atrai, e não conseguimos fugir. Bem tentamos, mas é impossível. Foi o que aconteceu num sábado à noite, em redor de uma mesa, um bom jantar acompanhado de razoáveis bons vinhos, razoáveis porque o meu colega, homem do Douro, sabe, e de que maneira, da poda enológica! Um jantar num espaço muito aprazível depois de uma tarde repleta de conferências. Falámos da situação económica e financeira do país, da desgraça do desemprego e do incremento estúpido das depressões, para a maioria das quais não há antidepressivos que valham. - É impossível tratar muitos casos com fármacos, o que eles precisam é de apoio, de suporte social. - Sim, disse. Concordo perfeitamente. Muitas vezes não sei como solucionar certos problemas. Procuram-nos e ficamos destroçados, porque não temos meio de os confortar ou resolver situações dramáticas. - Muitas vezes dizem-me que lhes apetece morrer. "Queria tanto morrer, levar com um tiro, ou cair morto aqui, neste preciso instante". Pois, pode ser, mas aqui não há meio para lhe acudir, não espere que eu a mate (o "a" é mais prevalente do que o "o"). Sorri e disse-lhe que também tenho encontrado muitos casos de pessoas que manifestam desejo em acabar com a vida. Talvez seja uma manifestação que não corresponde à verdade, a uma real intenção. De qualquer modo, há sinais que apontam para uma tendência suicida e parasuicida que podem agravar-se caso não se alterem as condições em que estamos a viver. A partir daqui, estes fenómenos foram passados a pente fino e, como médicos, ficámos aprisionados ao tema até nos despedirmos. 
No regresso ao hotel fui obrigado a pensar neste assunto, o desejo de morrer quando as condições de vida são adversas, quando a vida se transforma numa megera maldita, filha de humanos depravados e sem quaisquer escrúpulos, levando ao limite outros, mais frágeis e mais honestos. Mas também fui obrigado a pensar no respeito que muitos me merecem por desejarem a morte, na sequência de situações graves, degradantes, em que a saúde desapareceu definitivamente e a morte fez a sua entrada em palco de forma lenta, dolorosa, diabolicamente agressiva, sem qualquer respeito pelo ser e a sua pobre alma desejosa de liberdade, presa arbitrariamente a um corpo que entrou em decomposição irreversível. Curioso, pensei, dois momentos distintos em que o ser humano pede para morrer. Uma das situações é fruto de atividades menos escrupulosas, em que a vigarice é rainha e senhora; na outra é o corpo que se lembra de entrar em decomposição irreversível em vida, em que não há possibilidade de solucionar o que quer que seja, a não ser antecipar a libertação da alma sofredora. Quanto à primeira, recuso, como seria de esperar, dar-lhe seguimento, qualquer que seja a circunstância, quanto à segunda, apesar de ser proibida a eutanásia, entendo que merece ser debatida de forma a preservar a dignidade humana. 
Adormeci a pensar nisto, a vontade de morrer...

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Escândalos e preconceitos

Vamos imaginar que há trinta anos um jovem padre confessor se tinha apaixonado por uma mulher que acompanhava na sua missão de padre. Vamos imaginar, simplificando a questão dos meandros amorosos e circunstâncias que levam à atracção entre duas pessoas, que ele a tinha tentado seduzir e que ela o tinha rejeitado. Trinta anos passados, sem que nunca mais se tivessem encontrado, essa mulher denunciava o episódio, que se tornaria público e podia causar dano à vida e carreira eclesiástica do antigo sedutor. Causaria supresa, por que motivo o faria? Despeito? Vingança? Um caso mal resolvido na cabeça dela, diriam muitos, não lhe perdoou, diriam outros, guardou rancor.
Imaginemos então o impacto noticioso dessa “denúncia”, daria escandaleira furiosa contra o pecador ou não passaria de uma inconfidência sobre um romance proibido e mal sucedido, como tantos que foram glosados em livros e filmes que emocionaram tanta gente? Exigiríamos a punição ou diríamos a propósito desse drama humano que os padres são como os outros humanos, que os impulsos sexuais existem e são difíceis de sublimar, daí a dimensão da exigência da castidade? Talvez até se tivesse reacendido a polémica do celibato na igreja católica.
Acontece que esta nossa comunicação social, tão pretensamente liberta das grilhetas convencionais dos sentimentos proibidos de há três décadas, divulgou uma história semelhante sobre um bispo português que, diz-se, há três décadas atrás, terá sido incapaz de conter os seus impulso amorosos em relação a outro jovem eclesiástico. Tudo é igual e, no entanto, tudo é apresentado como diferente. É a natureza homossexual do impulso que é servida de bandeja ao escândalo público, insidiosamente entrelaçada com invocações de casos de crime de pedofilia para justificar o alvoroço, a ânsia das “consequências” e as “investigações” sobre as penas que, de outro modo, seriam incompreensíveis e inaceitáveis.
Quando se trata de vender notícias, lá se vão os avanços civilizacionais num ápice e os preconceitos voltam em força, ainda que disfarçados pelas circunstâncias. Um escândalo, pelos vistos, vale muito mais que a coerência e a humanidade que devem inspirar as paixões humanas.

O peso das "preposições" ...

O diabo está nos detalhes: "presidente de câmara" ou "presidente da câmara", de ou da não querem dizer o mesmo. Um de ou um da podem fazer toda a diferença. Os que defendem o de vão arranjar forma de defender que o da tem o significado de de e os que se manifestaram a favor de da tem agora a possibilidade de mudar de agulha se lhes convier e virar o da em de. Uma batalha perdida, é como vejo mais esta "telenovela" política. Mais um caso triste. Juristas consultados dizem que é irrelevante ser de ou da. Os tribunais já foram chamados a decidir. Não é certo que o entendimento seja sempre o mesmo. E a Assembleia da República vai ou não esclarecer o sentido da lei que ela própria aprovou?

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O Estado Corporativo


O Ministro das Finanças anunciou um agravar da recessão em 2013.
Outra consequência não poderia advir do brutal aumento da carga fiscal, transferindo fundos dos agentes privados (particulares e empresas) para o Estado, impedindo investimento e geração de emprego.
O que mais uma vez prova e comprova que, a partir de certo nível, a despesa pública não só não é reprodutiva, como significa pura perda. Pois não gera nem riqueza, nem emprego.  Como se vê.  
A diminuição da despesa pública é uma verdadeira e incontornável exigência de salvação da economia portuguesa. Sem essa diminuição, esqueça-se investimento reprodutivo e criação de emprego.
E não se venha com o argumento terrorista do desaparecimento do Estado Social. Há muita despesa que o pode sustentar a um nível adequado. Desde que outra, inútil, e por aí abundantemente espalhada,  desapareça.
Desmantelando o Estado Corporativo a que chegámos (lamentavelmente também presente em órgãos da soberania),  e que se opõe a toda e qualquer transformação . 

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

2012: contas externas com saldo positivo, ao fim de mais de 15 anos!

1. Com a divulgação (hoje) do Boletim Estatístico de BdeP, para Fevereiro, conclui-se que em 2012 o saldo conjunto tanto (1) das balanças de Bens e de Serviços como (2) das balanças Corrente e de Capital com o exterior fecharam positivos: € 111 milhões no caso (1) e € 1.313 milhões no caso (2).
2. Temos assim confirmada a expectativa de uma mudança radical no desempenho da economia portuguesa a que aqui me tenho referido com alguma frequência, a qual põe termo a um longuíssimo período em que foi exibindo défices e acumulando dívida em relação ao exterior, culminando na capitulação de Abril de 2011, quando o País foi forçado a pedir um resgate financeiro à União Europeia e ao FMI para evitar uma situação de bancarrota generalizada e a implosão financeira do Estado.
3. É bom lembrar, mais uma vez, que esta mudança radical de desempenho da economia se deve, em primeiríssimo lugar, ao trabalho notável de um grande número de empresas privadas (empresários e trabalhadores) que, perante um cenário de ruptura financeira do País e de inevitável contracção económica, remando contra imensas dificuldades, não quiseram perder tempo em discussões estéreis de crescimentismo de opereta (e sofá): meteram mãos à obra, “arregaçaram as mangas”, foram por esse Mundo fora, promovendo os seus produtos e serviços e abrindo novos mercados...
4. ...tendo conseguido, num espaço de 3 anos (2012/2009), um aumento das exportações superior a 42% nos bens e a 17% nos serviços, enquanto as correspondentes importações aumentavam apenas 8,6% e 0,7%.
5. A confirmação destes dados também empresta maior credibilidade às previsões do BdeP para 2013, que apontam para saldos positivos consideráveis nestas mesmas contas, da ordem de 3% do PIB em cada um dos casos (1) e (2) atrás referidos.
6. A eventual verificação dessas previsões em 2013 remeterá para segundo plano a questão orçamental – sem obviamente deixar de merecer atenção e vigilância permanentes – pois será a prova irrefutável, nomeadamente para os credores externos, de que a economia conseguiu dar a volta e entrar num processo de desendividamento que propiciará um gradual mas seguro regresso aos mercados de financiamento externos.
7. Dir-se-á, pois, que o Sector Privado fez até agora o que lhe competia fazer – ou mesmo mais do que lhe competia – cabendo a vez ao Estado de mostrar que também é capaz de inverter as situações de défice e de endividamento...quando se sabe que a dívida pública atingiu 122,5% do PIB no final de 2012 (€ 203,4 mil milhões), sendo mais do que tempo para começar a baixar...
8. ...mas já sabemos que no Estado vai ser muito mais difícil, a defesa dos lugares à Mesa do Orçamento vem sendo feita de uma forma tenaz, persistente, ruidosa - nas ruas, no Parlamento (e outros "FORA"...), em suma em todo o sítio onde exista alguma ligação efectiva e afectiva àquela Mesa...e com a militante cumplicidade de quase toda a comunicação social (também Mesária?)...

Vinho e surdez



Não sou um enólogo, mas sei apreciar um bom vinho, uma bebida com história, que nos faz sentir, por vezes, deuses ou demónios.
O ser humano, com arte e engenho, descobriu há muito a forma de se fazer transportar até ao Olimpo e ao Hades, através da mais fascinante das bebidas. Nunca me apeteceu fazer concorrência aos deuses nem ao diabo, não os considero boas companhias, por isso é melhor deixá-los em paz nos seus universos. Sendo assim, prefiro apreciar um bom vinho na qualidade de simples mortal para que a alma sinta algum prazer e conforto.
Acompanho com muito interesse e, por vezes, com preocupação a divulgação de estudos sobre as propriedades terapêuticas do vinho. Considero um exagero e não sei se não será contraproducente a divulgação dos mesmos, porque podem aumentar a sua procura por parte de determinadas pessoas. Este fenómeno não é novo, e não se limita apenas ao vinho, outros produtos e alimentos estão a ser constantemente conotados com efeitos benéficos na saúde. Podem ter, não é esse o problema, porque são úteis e indispensáveis a uma existência, logo, dificilmente encontraremos algum elemento que seja prejudicial, exceto em doses excessivas ou em casos particulares de patologias específicas.
Um dos últimos estudos a propósito do vinho veio demonstrar que uma substância, o resveratrol, cujas propriedades terapêuticas têm sido relatadas desde há alguns anos - prevenção de cancros e doenças cardiovasculares, proteção contra as lesões de acidentes vasculares cerebrais e efeitos de radiações, trava ou mesmo impede o crescimento de certas células malignas e, até, aumenta o efeito antitumoral de algumas substâncias -, apresenta mais um efeito digno de registo, "proteção contra as perdas auditivas e o declínio cognitivo".
Ora aqui está uma boa notícia que vai justificar alguns comportamentos. O jovem que anda de noite, sujeito a ruídos, e a provocar ruído, passa a beber "tintos" para se proteger da surdez! Entretanto, o velhote, surdo que nem uma porta, pede ao taberneiro: - Oh Quim, bota aí meio quartilho, hoje não estou a consegui ouvir nada, nadinha. Pode ser que melhor, dizem que é bom para a dureza de ouvido.
Entretanto, indiferente a todas estas particularidades que acabei de enunciar, opto apenas por uma - não obstante sentir alguma perda na audição e estar sujeito ao ruído citadino -, desfrutar a deliciosa sensação de prazer que um copo de bom tinto pode transmitir. Para mim chega, e não quero "ouvir" mais nada!  

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Aprender, segundo Confúncio

Terminei agora a viagem à Europa do pós guerra e das décadas de reconstrução e transformação até final do séx. XX, levada pelo magnífico livro de Tony Judt “Pós Guerra História da Europa desde 1945”, e encetei nova deambulação literária, desta vez até à China, que promete um fascínio semelhante pelos meandros da construção do Estado e da vida desse outro povo, tão longínquo e tão desconhecido. No livro “Da China”, de Henry Kissinger (ed. Quetzal), o autor diz que “nenhum outro país pode reclamar-se de tão longa civilização contínua, nem de uma ligação tão íntima ao seu passado distante e a princípios clássicos de estratégia e de habilidade política”, apesar dos períodos de “guerra civil, interregno e caos” que não impediram que “após cada colapso, o Estado chinês reconstitui-se como que por alguma lei imutável da natureza”. Incontornável, claro, a figura do filósofo Confúncio, “mais preocupado com o culto da harmonia social do que com as maquinações do poder”, para quem aprender era a chave do progresso de uma sociedade, conforme deixou claro no seguinte ensinamento (citado no livro, pág. 31):

“O amor à amabilidade, sem amor a aprender, fica obscurecido pela insensatez. O amor ao saber, sem amor a aprender, fica obscurecido pela especulação descuidada. O amor à honestidade, sem amor a aprender, fica obscurecido pela candura nociva. O amor à linearidade, sem amor a aprender, fica obscurecido pelo julgamento equivocado. O amor a ousar, sem amor a aprender, fica obscurecido pela insubordinação. E o amor à força de carácter, sem amor a aprender, fica obscurecido pela obstinação”.

Há realmente ensinamentos que não perdem o sentido, nem a modernidade, nem a oportunidade, tão diferentes que são das pequenas verdades absolutas que não duram mais do que a circunstância que as ditou como regra.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Pensionistas às "escuras"...

O que é exigível é que as entidades responsáveis pelo pagamento das pensões informem os pensionistas sobre as deduções efectuadas na pensão bruta, parcela a parcela, sejam impostos, acertos, cortes, duodécimos ou outros descontos e as taxas aplicadas. São muitas as parcelas em Fevereiro porque são muitos os ajustamentos, mas mais uma razão para que o recibo da pensão seja explicativo. Não se entende porque não o fazem. Se os pensionistas entenderiam ou não o detalhe já é outra coisa, porque de facto não se afigura fácil. Encaminhá-los para esclarecimentos na Internet, como li numa outra notícia a propósito deste caso, é outra coisa mal feita, se há infoexclusão é justamente neste grupo populacional.  Que mais dizer sobre este caso?

Economia portuguesa: locomotiva da Europa, porque não?

1. A última semana foi simplesmente “horribilis” no tocante a noticiário económico: 1º) as notícias de uma taxa de desemprego a abeirar-se dos 17% da população activa, “apesar” das medidas activas de emprego, e 2º) o número fatídico da evolução da actividade, como a queda anual de 3,2% do PIB (1ª estimativa)...
2. Sobre o desemprego e a admirável liturgia de reacções politicamente correctas que se seguiram à divulgação da medonha estatística já aqui tive oportunidade de perorar, de forma politicamente incorrecta, não vou agora repetir-me...
3. Falta dizer algo quanto à contracção da actividade económica, que superou as “melhores” expectativas – esperava-se uma queda de 3%, a queda foi de 3,2% - em resultado sobretudo de um desempenho pior no 4º trimestre do ano (queda homologa de 3,8% do impiedoso PIB)...
4. Face ao desempenho do conjunto da zona Euro no mesmo 4ºtrimestre de 2012 – queda de -0,6%, contra uma expectativa de -0,4% - o desempenho da economia portuguesa, se bem que muito negativo e nada estimulante, não poderia constituir grande surpresa para um observador liofilizado...
5. Mas quem parece ter ficado surpreendido com tais notícias foram os nossos estimados Crescimentistas, que se ergueram num imenso coro de lamentações, clamando urgente necessidade de mudança de política...
6. ...uma vez que, no seu entendimento, mesmo com a zona Euro em retracção, a economia portuguesa deveria, por esta altura, exibir, um desempenho bem distinto dos restantes parceiros, oferecendo o exemplo aos que recusam adoptar políticas pró-crescimento...
7. Ou seja, Portugal deveria ter a ousadia de assumir (quase) o papel de locomotiva da economia europeia, expandindo a actividade num período de retracção geral...se os outros não “puxam” pela actividade, então “puxamos” nós!
8. Desta vez confesso que não posso deixar de concordar com as teses crescimentistas, pois as condições para a economia portuguesa exibir uma “performance” superior à dos demais parceiros do Euro raramente terão sido tão favoráveis: (i) baixíssimo nível de tributação, em especial sobre o endimento, (ii) excesso de poupança que permite financiar o investimento sem necessidade de nos endividarmos externamente, (iii) robustez institucional invejável, ilustrada (se necessário) numa classe política imbuída de rigoroso espírito de missão e serviço cívico, (iv) Estado (central, regional e autárquico) muito leve e eficiente, impondo carga burocrática mínima a novos investimentos, disponibilizando serviços públicos de excelência e custos de contexto que rivalizam com os países mais atractivos para o investimento estrangeiro, e, mais recentemente, (v) adopção da taxa “Tobin” que vem reforçar apreciavelmente o já valioso quadro competitivo.
9. A conclusão é que estes responsáveis governativos são mesmo uns “panhonhas” - não se mostrando capazes de aproveitar as evidentes vantagens competitivas que têm à mão, desprezam uma rara oportunidade de locomovermos a Europa...chegou o momento de dizer “basta”!

A Carta de Seguro

A Carta de Seguro à Troyca é um mero rol de queixas e queixinhas e um mundo de contradições. Diz que já basta, mas nada na Carta nos faz acreditar que o PS conhece qualquer caminho para saída da crise. Não aponta alternativas e deixa para a Troyca a resolução do problema. O que o PS propõe é a reavaliação da crise. Os outros que a resolvam.
Para mal dos portugueses, assim é mais que seguro que Seguro nunca levará a carta a Garcia. Por mais cartas que escreva.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Telefonia

Recordo-me, frequentemente, das noites de criança, das noites de inverno, frias e escuras, em que era obrigado a deitar-me cedo, como se houvesse algum interesse em contrariar a noite. Não havia. Nem podia. Uma terra pobre em que a luz, fraca, era, muitas vezes, incapaz de acender a primitiva e rara televisão que fazia o furor da vizinhança. - Hoje não se consegue ver nada. - Pois não. - Boa-nôte. - Boa- noite, até amanhã, vizinha. O amarelo sujo das lâmpadas não conseguia reverberar as paredes do quarto, apenas a velha telefonia, parca de alimento, conseguia debitar sons musicais intervalados de ruídos e de alguns silêncios, que, mesmo assim, não conseguiam impedir a sequência musical produzidas por bandas que debitavam estranhos sons melodiosos através do espreguiçar de múltiplos instrumentos, como os clarinetes, trompetes e saxofones, sons únicos que deverão ter tido um efeito tipo imprinting, que ainda hoje me perseguem. Curioso. Deitado, ouvia belos acordes musicais que tranquilizavam e seduziam provocando uma sensação única, a mim, um ser cuja dimensão e existência se limitava apenas a tentar deitar de fora a cabeça a partir de um delicado ovo. Mas, antes, segundo mais tarde me contaram, já tinha sido iniciado nestas doces e noturnas sensações musicais. Deitavam-me e colocavam a velha, na altura nova, telefonia a debitar música, música suave, suavíssima, que os ruídos estrambóticos, devido às corridas pelo éter, não conseguiam roubar a doçura de um estranho efeito tranquilizador. Percorro a memória em busca dessas noites e elas surgem meio ofuscadas pelas cortinas do tempo, mas, mesmo assim, consigo sentir, mais do que ver, esses maravilhosos episódios. Presumo que sejam as mais antigas memórias que possuo, meio visuais, meio escuras, meio frias, mas, sobretudo, muito deliciosas e saborosas em termos auditivos. Talvez a minha alma se tenha despertado graças aos sons das bandas e acordes musicais. Deve ter sido isso, porque ao longo da vida nunca consegui perceber muito bem a razão da emoção que sentia quando ouvia determinadas melodias dos anos que precederam o meu nascimento. Essas músicas tinham, tinham?, têm o condão de me transportar no tempo. Consigo facilmente viajar através do tempo, refugiando-me em noites de inverno, escuras, frias, em que as lâmpadas apenas conseguiam deixar vislumbrar um pobre amarelo, o amarelo da fome. Em contrapartida, revejo e sinto como entendia o mundo, um mundo suave, silencioso, entrecortado de belos e estranhos acordes, sem dor, sem medo, sem alegria, apenas com uma sensação de ter a alma aquecida e tranquila nas longuíssimas noites, frias e escuras de inverno. Olho para a telefonia, e ela, silenciosamente, sorri. Sinto que é uma caixa misteriosa capaz de transmitir esperança e confiança na vida. Quem diria que ela, com os seus estranhos ruídos, ainda seja capaz de me colocar no doce e divino éter. Sem sombra de dúvida um belo sítio para dormir e viver sob os tranquilizantes sons de bandas dos anos que precederam o meu despertar. Eu ouço-os neste momento. Oh meu deus, como me apetece fugir para essas longas, escuras e frias noites de inverno...

Não é caso isolado...

É idosa, de idade avançada, terá cerca de 90 anos, vive sozinha num quarto andar sem elevador, num prédio degradado de um bairro antigo e bonito de Lisboa. O apoio domiciliário de uma IPSS e as voluntárias de uma associação amiga ajudam-na diariamente a satisfazer necessidades básicas  e fazem-lhe alguma companhia. Há uns dias atrás estava quase sem conseguir falar por causa de uma carta do senhorio que o carteiro se encarregou de lhe entregar em mão, sabia que não era coisa boa, já lhe tinham falado do aumento das rendas, que não se preocupasse porque as pessoas idosas com baixos rendimentos seriam poupadas. Ficou aflita.Teve a sorte de uma das voluntárias ter formação jurídica e se ter oferecido para analisar a carta enviada pelo senhorio para depois decidir o que fazer.
É chocante ver pessoas idosas em filas que se formam às 7h da manhã à porta da Associação dos Inquilinos Lisbonenses - exibidas há uns dias atrás pelas televisões - a pedirem auxílio sobre o que fazer às notificações dos senhorios que lhes aumentam as rendas, à espera de uma palavra amiga que as informe que foi engano, tudo não passa de um grande susto. As pessoas idosas, com fraca capacidade de por si  só compreenderem o que se passa, quais os seus direitos e os dos senhorios, sem informação e muitas vezes vítimas de desinformação, enchem-se de medo de perderem um dos poucos “haveres” que têm. São pessoas com rendimentos baixos, normalmente beneficiárias de pensões mínimas, doentes e sozinhas que precisam de ajuda. Hoje em dia para conhecer a lei quase que é necessário tirar um curso. Se os mais novos não o fazem, o que se pode esperar das pessoas idosas? Ignorar a situação não é próprio de um país civilizado.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Menos armas...mais Estado

A questão do controlo e das condições de acesso às armas por cidadãos está no topo da agenda politica na América e o Presidente Obama recorreu à presença de vítimas, ou de familiares enlutados, ao seu lado, para impressionar a opinião pública quando falasse sobre as suas propostas de legislação para por cobro à violência. Eis as vítimas! diz Obama, podemos aceitar isto? Não, respondem uns, o Estado tem que intervir, duvidamos, respondem outros, não prescindimos de nos podermos defender sozinhos, ficaremos mais desprotegidos.
É interessante verificar que, no fundo, o que se está a discutir na América é nada mais nada menos do que a intervenção maior ou menor do Estado na vida dos cidadãos. Na verdade, o que está em causa é decidir se os cidadãos preferem correr o risco de casos como os que chocaram recentemente as populações, ou se preferem que o Estado limite, regule, controle e puna o que até agora era com a livre decisão e responsabilidade de cada um. As questões são obviamente ilustradas através de casos concretos e não no plano da teoria das “funções do Estado”, mas o que os americanos têm que avaliar é o risco da desprotecção do Estado contra as vantagens do limite à sua própria capacidade de se defender, submetendo-se aos critérios que o estado venha a definir e a impôr de seguida. Protecção ou risco, intervenção pública ou liberdade individual, eis o que está em causa. De um lado os que defendem o acesso às armas para poderem defender-se, por outro as vítimas dos loucos e assassinos na mão de quem as armas não servem para defesa mas para agressão. No meio, é claro, a poderosa indústria e comércio de armas, que não quer ficar sem uma parte muito significativa do seu mercado
O que resultará deste debate será, certamente, a opção por mais Estado, ou os cidadãos sentir-se-ão mais ou menos atirados às feras. Desprovidos de armas no seu armário, à mão de semear em caso de assalto ou perigo, exigirão que o Estado se organize para os substituir, que disponha de mais polícia nos bairros ou nas localidades, que responda rapidamente a um telefonema, que mude a lei da legítima defesa, que previna de modo eficaz a criminalidade, que controle os loucos e fiscalize as lojas e a venda de armas. Em suma, que invada mais e que assuma mais responsabilidade...e mais despesa, e mais poder. É mais dinheiro público, serão mais funcionários, mais regulamentos, mais burocracia, mais impostos, é um compromisso político que não se traduz, longe disso, numa nova “moral” ou num novo estádio de “civilização” é pura e simplesmente a tensão habitual entre mais sociedade ou mais Estado, com as respectivas consequências. O que os americanos não aceitarão é ficar sem armas e sem protecção, o individualismo tem um preço, o proteccionismo, outro. E a indústria e comércio de armas exigirá as suas contrapartidas, provavelmente transferindo para o sector público o mercado que de outro modo lhes faltará. O que não se pode é ficar sem os dois, e a definição do grau de um e de outro é um problema político e social que só o futuro se encarregará de burilar, mas tudo indica que o governo americano alargará a sua função protectora.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Família: uma instituição de segurança social

Não há hoje família em Portugal que não viva a chaga do desemprego. E há também aquelas famílias em que o desemprego se veio somar à condição de pobreza e as outras que não sendo pobres o desemprego arrastou para essa situação.
Porque atrás de um desempregado está normalmente uma família, uma família composta de várias gerações, os avós, os pais e os netos. A família é hoje uma instituição de segurança social informal, que em parte está a substituir a incapacidade da segurança social formal de apoiar e socorrer as pessoas atingidas pela crise que precisam de ajuda.
A família tem constituído, resistente e solidária, uma rede fundamental de protecção económica e social. Esta função tem contribuído para manter a coesão social apesar do brutal aumento de impostos e da redução/eliminação significativa de apoios sociais, medidas que se traduzem em reduções substanciais do rendimento. E sem esquecer que a família tem amortecido um discurso perigoso que alimenta o conflito entre gerações, secundarizando que a equidade intergeracional  implica consenso social e não se obtém com aritméticas orçamentais.
Neste quadro, não deixa de ser preocupante o impacto da “refundação” do Estado Social - traduzida num corte de 4 mil milhões de euros na despesa permanente - na capacidade de a família continuar a desempenhar a função de segurança social. Estou a pensar, justamente nos pensionistas, a geração dos avós, a quem está destinado, segundo as notícias vindas a público, um lugar de relevo na execução da “refundação”. Quando deixarem de poder acudir às necessidades dos filhos e dos netos não teremos quem o faça. Não admira, pois,  que o medo  esteja a invadir o dia-a-dia das famílias…

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Maria J.

Hoje é dia dos pequeninos com cancro.
Hoje vou contar uma história. A história de Maria J.
Sinto uma estranha e preocupante tristeza a inundar de cinzento a atmosfera da vida. Por cada dia que passa sinto o crescer de uma angústia que atinge praticamente qualquer um. Desespero, depressão, desemprego, desconfiança, dor e desilusão. Olho para os jornais e leio que a confusão está instalada em toda parte, no governo, na economia, na banca, na indústria, nos serviços, na saúde e até nalguns refúgios da alma, como é o caso da religião. Cada um dá importância aquilo que lhe mais toca de perto, é natural, é humano, é perfeitamente compreensível. Mesmo os que se sentem um pouco mais desprendidos e almofadados sabem que a crise também lhes toca, a crise de falta de esperança e de valores. Não tarda, assistiremos ao descambar da ordem social, não tarda, iremos ver confusões que há pouco tempo seriam impensáveis.
Choca? Sim, claro, quando o nosso futuro ou o dos nossos fica comprometido começamos a sentir a angústia a lamber-nos o corpo e o desespero a corroer a alma. No entanto, sei que tudo isto irá passar, não sei se é uma questão de tempo ou de vontade, talvez sejam as duas. O que eu queria mesmo era ver a esperança estampada nos rostos dos mais novos.
A crise social, económica e financeira há de encontrar o seu fim, fim que constitui o momento do nascimento de uma nova vida e ordem social. O renascimento irá ocorrer, uma deliciosa fatalidade que tarda, mas que podemos acelerar e intensificar com a nossa dedicação e trabalho.
Mas há coisas na vida que não renascem, morrem e matam.
No final da manhã vi o último trabalhador, um jovem angustiado e ar macilento. Fixei a sua imagem, porque, aquando da minha palestra matinal ao grupo, revelou muita atenção. À pergunta sacramental, se andava bem de saúde, respondeu, de imediato, que andava a fazer medicação. "Tenho que a fazer. O meu psiquiatra disse que tinha de ser. Não tinha outra hipótese". À medida que ia dando explicações, sem dizer o que tinha, movia-se com algum desconforto e ansiedade na cadeira. Estava à espera que lhe perguntasse o que é que tinha acontecido. Senti que deveria ser algo de grave. Comecei a ficar, também, ansioso, porque previ uma resposta cheia de dor à pergunta que lhe iria formular. Preparei-me para o embate. - Posso saber o que é que lhe aconteceu? Suspirou durante um quarto de segundo e respondeu, baixinho: - Perdi um filho há quatro meses. Uma sensação de gelo invadiu-me por completo. Senti a sua dor e a necessidade de conversar. Levantei os olhos e perguntei-lhe: - Quer falar sobre o seu drama? Em silêncio, retira um pequeno e múltiplo desdobrável com fotos de uma criança do interior do casaco e coloca-me nas mãos. Cada página tinha uma foto e por debaixo frases de amor, de lembranças. Folheei-o sem dizer nada. Uma criança linda, com cabelo, sem cabelo, com bicicleta, sem bicicleta, até que a última representava uma criança de cabelo comprido de cor de mel. - Uma menina? - Sim, morreu com nove anos, essa foto foi tirada três dias antes de morrer. Seis anos, senhor doutor, seis anos a lutar contra um maldito tumor, andei por todos os lugares, Inglaterra, Estados Unidos, e afinal não era necessário, os nossos fazem do melhor que há no mundo, mas não puderam salvá-la. Um tumor raro. Deixei-o falar, é a única coisa que sei fazer nestas ocasiões. Falou o tempo que quis, falou o tempo que necessitou para abrandar a sua dor. -Tenho outro filho, mais velho, tem quinze anos, e sofreu, também, muito, mas parece que está a querer ultrapassar as coisas. Sabe, senhor doutor, estou a pensar em adotar uma menina. Preciso imenso de ocupar um espaço que me dói tanto. Agora espero que a minha mulher aceite, estou convicto de que sim. Perguntei-lhe o que é que ela fazia, professora, mas agora dedicou-se ao voluntariado. - O senhor doutor sabe que todos os dias aparecem crianças com leucemias e outros tumores? Eu perguntava aos seus colegas as razões para estes fenómenos, mas nem eles sabem muito bem. A conversa continuou ao sabor da dor e da procura de algum lenitivo. Ao sair confidenciou-me que nunca mais iria esquecer a minha palestra e agradeceu-me. Perplexo, não lhe perguntei as razões, nem podia, limitei-me a puxar da memória. Não foram, decerto, os conceitos técnicos, científicos ou filosóficos, talvez tenham sido simples conceitos, banalidades, verdadeiros memes, capazes de ajudar a mudar a forma de ser e de estar, contribuindo para a mudança, mudança que está ao alcance de qualquer um.
Fiquei com um estranho amargo de boca. A força da dor pela perda de um filho consegue sobrepor-se a qualquer crise ou sofrimento. Perante mais um caso, história de sofrimento atroz, sou obrigado a partilhá-la. Não consigo calar-me, não consigo compreender e não consigo aceitar estes casos, apenas sei que irei recordar mais uma criança que nunca conheci, neste caso a Maria J....

A simpática "taxa Tobin" e suas insondáveis virtudes...

1. Elaborei aqui, há poucos dias, sobre a inoportunidade da criação de mais um imposto, agora sobre as transacções financeiras, impropriamente apelidado “taxa Tobin”, em 11 países da zona Euro – Portugal incluído, pois claro, até nos ficava mal não alinhar tratando-se de mais um imposto, estamos tão aliviados – que, no meu entendimento acabará por se repercutir em custos financeiros acrescidos para as empresas, agravamento do custo do factor capital e ainda maiores dificuldades para o investimento...
2. ...mas, curiosamente, alguns comentadores - cuja opinião muito prezo, sempre – vieram manifestar opinião divergente, chegando até a argumentar que o contributo desta nova taxa para a estabilização do mercado financeiro (não sei como, mas nada como ter fé...) redundaria, no final, em menores custos financeiros para as empresas e (sobretudo) para o próprio Estado enquanto devedor-Mor do reino, que ganharia assim a "dois carrinhos"...
3. Recordei-me desta simpática discussão, quando hoje lia um documento elaborado por empresa internacional de auditoria sobre este específico tema, no qual encontrei esta frase interessante: “The cost of the tax, coupled with the major operational changes that will be required to comply with the regime, mean that the EU Financial Transaction Tax will result in significant cost for financial institutions and their clients”.
4. Confesso que começo a ficar ainda mais deprimido acerca deste magno tema...já não posso acreditar naquela suave interpretação do ilustre comentador que antevia menores custos de financiamento para as empresas...e, pior ainda, é agora referido um “significant cost for financial institutions and their clients”, quando eu pensava que, apesar de tudo, se trataria de um “low cost”...

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O desemprego e as reacções politicamente correctas...

1. Defrontados com uma mais do que previsível subida da taxa de desemprego, que segundo o INE terá atingido 16,9% da população activa em Dezembro, estamos a assistir ao habitual cortejo de declarações da classe política, cada uma desafiando a anterior em grau de ignorância/hipocrisia, mas sempre politicamente correctas...
2. Tive logo de manhã o privilégio de ouvir um digno representante da maioria que governou o País até Junho/2011, perorando solenemente sobre as razões deste agravamento do desemprego – a insensibilidade social do Governo, as políticas erradas que tem prosseguido (curiosamente, não se referiu às opções neo-liberais, muito me surpreendeu), etc, etc...
3. Pela parte do Governo vai certamente notar-se um embaraço considerável face à divulgação deste número, pois tem repetidamente apostado em programas do que se usa denominar de “políticas activas de emprego”, dando a entender que se trata de um eficaz antídoto contra a subida do desemprego...
4. ...quando na verdade mais não passam de umas gotas de água para cima de um imenso caudal de empregos que diariamente terminam por força da inevitável contracção da actividade tornada obrigatória pela necessidade de repor os equilíbrios fundamentais da economia.
5. São verdadeiramente patéticas estas reacções da classe política a um fenómeno que infelizmente não vai deixar de se agravar enquanto a actividade económica não retomar um ritmo de expansão que, sem por em causa os equilíbrios tão dificilmente repostos, possa travar a perda líquida de postos de trabalho...e isso, com o investimento privado ainda a cair, simplesmente não irá acontecer antes do ano 2014 se mostrar bem avançado...
6. Especialmente patéticas (para além de enormemente reprováveis no plano ético), são as declarações dos porta-vozes da maioria de governo até Junho de 2011, pois era certo e sabido que, na situação caótica em que a economia nos foi legada por S. Exas – com o financiamento externo simplesmente vedado e enormes necessidades de financiamento para suprir, que sem a ajuda externa jamais seriam supríveis – era certo e sabido que, qualquer que fosse a receita utilizada para corrigir essa situação, o desemprego iria disparar para níveis nunca vistos...
7. Mas também por parte dos responsáveis governamentais este tema não tem sido tratado, na minha avaliação, com o realismo que se impõe, alimentando sempre a esperança de que as coisas possam melhorar e fixando “objectivos” irrealistas, acreditando na magia das tais políticas activas de emprego...quando era mais do que certo, no quadro de previsão económica, um agravamento contínuo desse infeliz fenómeno...
8. Já tenho dito noutras circunstâncias e aqui aproveito para repetir: sendo certo que em Portugal não tivemos uma bolha imobiliária da dimensão da que atingiu a Espanha e a Irlanda, a verdade é que se criou uma enorme bolha na oferta de serviços não transaccionáveis, alimentada por uma procura artificial, filha pródiga do excesso de endividamento da economia...e, com a suspensão total do financiamento para tais actividades, essa bolha tem vindo a rebentar aos poucos, arrastando consigo um imenso cortejo de desempregados...
9. ...mas, como é evidente, para os políticos em geral e outros (quase todos) comentadores politicamente correctos, nada disso aconteceu, tudo tem a ver com a insensibilidade social e as políticas neo-liberais...

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O nó

Sentia-se cada dia mais triste, não conseguia encontrar alegria ou conforto em coisa nenhuma, levantava-se de manhã com aquela espécie de névoa no espírito que a impedia de sorrir ou de chorar. Sentia-se excluida das rotinas que dantes a ocupavam e a família mais próxima, enredada em problemas, cansara-se de buscar junto dela as energias que já não tinha para dar. Procurava refúgio na quinta, lá longe, isolava-se, tratava da horta, das árvores, dos cães, sua companhia preferida, talvez porque via neles aquele afecto incondicional que ela se limitava a receber sem esforço, os cães não lhe faziam perguntas, não se exasperavam com as suas angústias, lambiam-lhe as mãos e seguiam-na por todo o lado, com o seu olhar doce e meigo.
Quem a ajudava a tratar da casa e da quinta, há muito desleixada, era o Senhor Oliveira, velho aldeão que nunca desistira de abrir os portões, desbravar as ervas ruins da entrada e amanhar uma leira para o seu sustento. Homem rude e de poucas falas, também ele parecia contagiado por aquela tristeza sem fim, chegava cada dia mais tarde, pesavam-lhe os braços para podar as árvores, já não ia à caça e surpreendia-o a abanar a cabeça de quando em quando, como que a arredar pensamentos sombrios.
Um dia, o Senhor Oliveira chegou revoltado, patroa, a minha Joaquina foi despedida do lar onde trabalhava lá na vila, aquilo anda mal de finanças e ela era a mais velha, mandaram-na para casa e vai com Deus, que já não chega para ti. Ela não se conforma, a pensar na miséria da reforma, uma coisa de nada, mais a que hei-de ter um dia que me canse disto e são mais dois a juntar aos pobres que por aí há. Mas eu, patroa, já disse, deixa Joaquina, não há-de ser nada, assim que nos virmos sem nada para comer penduramos a corda na árvore e acabamos com a vida, é para o lado que eu durmo melhor, se não vale a pena viver o melhor é morrer.
A patroa ouviu-o silenciosa, seguiu-lhe com o olhar as mãos nodosas de trabalho a agarrar a enxada, notou-lhe o olhar líquido de lágrimas contidas e não estranhou aquela determinação tranquila. Então, disse-lhe: Olhe, Oliveira, antes que decida isso, traga uma corda e ensine-me a dar o nó certo, se me vejo aqui sem a sua ajuda e da Joaquina também não sei o que mais fazer.
O Oliveira não respondeu, mas nesse dia comentou com a mulher que, enquanto a patroa precisasse deles, não haviam de a abandonar, sempre era uma razão para viverem, quem havia de dizer.



Nem o Carnaval escapou...

Os trabalhadores da CP continuam a fazer greves. Primeiro contra as alterações das condições salariais anunciadas, agora contra as anunciadas alterações já em vigor. Têm sorte em ter trabalho e de trabalharem numa empresa de um sector protegido. Muitos trabalhadores do sector privado e do sector público viram os seus salários gravemente reduzidos devido à austeridade e perderam os seus postos de trabalho. Sendo um direito inalienável, a banalização das greves da CP, para além das severas consequências que impõe numa empresa altamente deficitária, tornou-se um problema económico e social do País e, também, orçamental, não há impostos que cheguem. Ouvi na televisão que esta greve durante um dia inteiro custa 1,1 milhões de euros. Um montante que tem muita força. Com austeridade ou sem ela, a CP não seria a CP sem o nível de greves a que já nos habituou. Para quando uma nova CP?

"Parabéns a você..."


Biblioteca da Universidade de Coimbra.
A mais bela biblioteca do mundo, uma joia que nos orgulha, faz hoje 500 anos. Nasceu a 12 de fevereiro de 1513.
Parabéns a você...
Muitos anos de vida...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Um descida ao mundo das coisas simples...

Num mundo cada vez mais complexo envolto na incerteza, mas na certeza do efémero é reconfortante lermos coisas simples que nos ajudam a valorizar o que é realmente importante. Retirado do livro que estou a ler e a reler  “Nenhum Caminho será Longo” de José Tolentino Mendonça:
 
Há um provérbio que diz: “Viver sem amigos é morrer sem testemunhas”. Os amigos trazem à nossa vida uma espécie de atestação. Os amigos sabem o que é para nós o tempo. Eles testemunham que somos, que fizemos, que amamos, que perseguirmos determinados sonhos e que fomos perseguidos por este ou aquele sofrimento. E fazem-no não com a superficialidade que, na maior parte das vezes, é a das convenções, mas com a forma comprometida de quem acompanha. O olhar do amigo é uma âncora. A ela nos seguramos em estações diferentes da vida para receber esse bem inestimável de que temos absoluta necessidade e que, verdadeiramente, só a amizade nos pode dar: a certeza de que somos acompanhados e reconhecidos. Sem isso a vida é uma baça surdina destinada ao esquecimento.
A história de cada um de nós consuma-se através de uma necessidade de reconhecimento. Para haver um “eu” tem de existir um “tu”. Com cada homem vem ao mundo algo novo que nunca existiu, algo de inaugural e de único, mas é na construção de uma reciprocidade que de forma consistente o podemos descobrir. O “eu” tem imperiosa carência de ser olhado amigavelmente por outro, e por outros, para organizar-se e ousar o riso de ser. Já escrevia Aristóteles na Ética a Nicómaco: “o homem feliz tem necessidade de amigos”. Nós adoecemos na ausência de amigos. Precisamos desse reconhecimento mútuo, pessoa a pessoa: um reconhecimento não fundado no confronto ou na competição, mas no afeto; não determinado meramente pelas leis da justiça ou pelos vínculos de sangue, mas assente na gratuitidade.

Resignação

O Papa resignou. Por cá, um dos primeiros a comentar foi o bispo das Forças Armadas, D. Januário Torgal Ferreira, sublinhando o gesto de coragem de Bento XVI. Creio que se referia não só ao gesto mas também às razões invocadas pelo Papa para considerar que não tinha condições para prosseguir com o ministério petrino. Razões que têm que ver com o desgaste que a idade inexoravelmente produz no espírito e no corpo. Desgaste que se nota, também, nalguns espíritos de altos dignatários da Igreja Católica portuguesa, notados nas declarações de alguns dos seus bispos. Espera-se, pois, que este último ensinamento de Bento XVI seja seguido a bem do futuro de uma Igreja que bem precisa de renovação dos espíritos de alguns dos seus dirigentes. 

domingo, 10 de fevereiro de 2013

"Bombas-de-rabear"


Já compreendi melhor o carnaval, ou melhor, já o senti sem o perceber. Em criança éramos iniciados nesta festividade com extraordinária facilidade. Se a brincadeira era a melhor forma de vida ao longo do ano, um divertimento deste tipo atraía qualquer um, e, além de mais, não tínhamos aulas até à maldita quarta-feira de cinzas em que passávamos dos oito aos oitenta. A partir daqui nada de brincadeiras, pelo menos as mais aparatosas e visíveis ao olhar dos adultos, tínhamos de refrear a língua a que se juntava a obrigatoriedade de um cinzentismo patético com muito pouco riso. Era a mesma coisa que entrar num deserto de tristeza onde imperavam normas sociais e religiosas bastante apertadas, aliviadas apenas a meio da Quaresma, em que se chegavam a realizar os desejados bailes de micarême para compensar a excessiva abstinência. Abstinência a que não era estranha a imposição de dietas rigorosas, com as quais embirrava, mas o facto de ser criança sempre ajudava a furar o regime.
O desejo de vestir de forma diferente era agradável, mas eu preferia as serpentinas, os papelinhos, os "estalinhos", as bichas-de-rabear e até as "bombas", apesar de todos os avisos e perigos inerentes ao seu uso, mas, às escondidas, lá ia uma ou outra. Ainda vi, gozava que nem um perdido, jogar ao caco, as "caqueiradas", em que lançavam, de mão em mão, velhos cântaros de barro de asa partida ou rachados, que, desta forma, encontravam uma última finalidade, divertir os foliões, escaqueirando-se no chão quando na roda alguém não os conseguia apanhar.
Recordo de me terem vestido de carnaval por duas vezes, a primeira, fruto de uma birra própria de criança, queria imitar as outras, consegui, in extremis, que me transformassem numa espécie de pescador meio aldrabado, com uma rede às costas. Para quê? Para ficar encostado à parede da estação a apanhar sol e ver as pessoas nas suas múltiplas azáfamas. O que me alegrou mais foi o bigode feito com um pedaço de carvão. A segunda já foi mais elaborada. Um tio lembrou-se de me oferecer um traje de arlequim, sofisticado para a época e local, a contrastar com a pobreza do traje de pescador do ano anterior, transformando-me numa personagem que só muito mais tarde fiquei a saber quem era. Vaidoso, tapei a cara com a máscara e entrei, na calada da noite, escura como o breu, pela porta da cozinha de uma familiar, provocando-lhe um tremendo susto, quase de morte, tamanho foi o grito e o chilique. Fugi para casa e despi-o.
Hoje, sábado, vi as fotografias dos meus netos, o "homem-aranha", a "mulher-gata" e a "sevilhana", todos felizes, a brincarem ao carnaval. Fazem bem, pelo menos não vão ficar ansiosos com o período que se segue, a Quaresma e as suas restrições, por vezes mais do que severas, e também não correm riscos de sofrer no corpo muitas das asneiras e imprudências que antigamente se faziam, mas que tenho pena de não poder lançar uma bomba-de-rabear, lá isso tenho, mas, agora, compenso essa saudade, vendo na televisão outras "bombas" a rabear...

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

"Taxa Tobin": um tributo politicamente correcto mas (muito) inoportuno?

1. Está na moda, faz parte do catecismo politicamente correcto, considerar o “capital” como um ente potencialmente perigoso, supostamente ofensor dos direitos de quem trabalha e, através do perverso mecanismo dos mercados que o servem, uma ameaça para o esplendoroso Estado Social que a demagogia reinante idolatra...
2. Ao mesmo tempo, paradoxalmente, os mesmos que execram o capital clamam indignadamente contra o aumento do desemprego e a quebra do produto (PIB), e repetem a toda a hora que sem crescimento do produto o País não poderá jamais ultrapassar as dificuldades económicas e financeiras com que se depara...
3. ...esquecendo, por ignorância ou má fé, mas sempre de forma politicamente correcta, que o crescimento económico não é possível sem o contributo do factor de produção infelizmente chamado capital – e muito menos contra esse factor – e também que quanto mais caro for esse factor menor será o investimento, menor será a produção, maior será o desemprego e maior será também a dificuldade em equilibrar as contas públicas (sobretudo) por falta de receita fiscal.
4. Vem este arrazoado a propósito da famosa (e indevidamente chamada) taxa Tobin, que entre nós será das poucas matérias que terá conseguido unir a classe política, exactamente porque obedece ao catecismo do politicamente correcto - mas fundamentalmente errado - visando punir o capital pelos malefícios que lhe são imputados...
5. ...mas ignorando que da aplicação desta taxa quem vai ser punido não é o capital - esse tem sempre para onde se mudar - mas sim e mais uma vez a pobre economia que tanto dizem defender (!), uma vez que a aplicação desta taxa se vai traduzir, necessariamente, num aumento do custo do capital para as empresas, de uma forma geral, dificultando ainda mais o investimento e contribuindo, “ceteris paribus”, para enfraquecer a actividade económica (o decantado PIB) e aumentar o desemprego...
6. Resta dizer, por uma questão de rigor e por respeito à figura de Tobin, que a ideia deste nunca foi taxar operações financeiras como agora se pretende fazer, mas sim os ganhos com transacções cambiais desligadas da actividade económica, ou seja os chamados movimentos de capitais puramente especulativos, visando obter ganhos cambiais, sem qualquer ligação às actividades produtivas...
7. ...por exemplo, ganhos semelhantes aos que George Soros conseguiu obter (supostamente USD 2 mil milhões) quando no início dos anos 90 especulou em grande escala contra a libra inglesa, forçando a desvalorização da mesma e o abandono do mecanismo de câmbio do então Sistema Monetário Europeu!

Tenham um bom carnaval!


quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Ruído e diabetes


A saúde e a doença são duas faces da mesma moeda, nunca andam separadas e nem podem. Querer conhecer as razões que nos levam à doença, ao sofrimento e à morte é um mero imperativo da consciência e inteligência humana. Desde que fez a primeira pergunta, - qual terá sido? “por que é que estou aqui”, ou terá dito, “chiça, aleijei-me, não quero cair noutra" – que nunca mais deixou de questionar, e ainda bem.
Acontece que muitas doenças têm causas evidentes, ditas maiores, às quais são atribuídas uma responsabilidade quase total. No entanto, as coisas não são bem assim, há fatores que, aparentemente, não têm relação direta mas que podem contribuir para o aparecimento das maleitas. Veja-se o caso da diabetes, todo o discurso causal e preventivo é sempre feito à volta da mesma tríade, hereditariedade, maus hábitos alimentares e falta de exercício. Acontece que, por vezes, surgem outros elementos, não tão gritantes como aqueles três da vigairada, mas com algum papel de relevo. É o caso do ruído. As cidades são ruidosas, quer de dia quer de noite, há profissões mais sujeitas ao ruído do que outras e todos nós somos capazes de associar o ruído à perda de audição, à irritabilidade e ao cansaço, mas também pode  contribuir para o desencadear da diabetes.
Um estudo realizado na Dinamarca, envolvendo dezenas de milhar de pessoas durante um decénio, demonstrou que um acréscimo em média de dez decibéis, provocado pelo tráfico rodoviário, aumentava o risco de diabetes, tomando em linha de conta a zona da residência, depois de terem ajustado um conjunto de muitos fatores que poderiam enviesar o estudo. Ou seja, a redução do ruído urbano pode melhorar consideravelmente a saúde da população e diminuir o risco de diabetes.
Atrevo-me a dizer que no meu caso já não aquenta nem arrefenta, mas que na minha rua há por vezes ruído a mais por causa do tráfico lá isso há, e, então, à noite, nem digo o que ouço, por vezes aparecem por lá uns "sacaninhas" que se lembram de a transformar numa pista.
Proteja-se do ruído, os seus ouvidos agradecem, o seu cérebro também e sempre pode correr menos riscos de vir a sofrer de diabetes! 
Um conselho doce que não faz mal a ninguém...