quarta-feira, 7 de maio de 2014

Missão cumprida, muito bem; euforia independentista, nada bem...

1. As declarações de responsáveis políticos a propósito da iminente conclusão do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro e da chamada “saída limpa” ou “à irlandesa” tiveram uma parte de bom senso e outra parte que me pareceu menos feliz.

2. Pareceu-me bem a parte em que foi salientada a ideia de Missão Cumprida bem como o crédito por esse cumprimento reconhecido ao Povo Português, no seu todo, embora com pena de que não tivesse havido uma palavra muito especial para os muitos milhares de desempregados e para os muitos milhares de emigrantes (muitos deles tb desempregados no País)...

3. ...desempregados e emigrantes que foram, na minha análise, as principais vítimas do duro processo de ajustamento que sucessivos anos de desvarios de política acabaram por impor ao País, de forma irrecusável – um processo de ajustamento apesar de tudo controlado, cuja única alternativa seria, certamente, um ajustamento bem mais duro, ditado fundamentalmente pelas condições do mercado financeiro.

4. Noutro registo, pareceu-me de mau gosto a ênfase na ideia de reconquista da “independência financeira”, de autonomia na decisão das questões financeiras: em 1º lugar por não corresponder à situação real do País e, em 2º lugar, pela má experiência do passado com semelhantes triunfalismos...

5. Quanto ao 1º ponto, a situação de vigilância reforçada a que vamos ficar sujeitos durante bastantes anos, enquanto devedores a instâncias oficiais, FMI e União Europeia (recordo que só ao FMI ficamos a dever o equivalente a mais de 2.200% do valor da nossa quota no Fundo), acrescida das obrigações inerentes ao cumprimento do chamado Tratado Orçamental, dificilmente se compaginam com um real conceito de “independência financeira”...

6. E relativamente ao 2º, basta lembrar as péssimas consequências de estados de euforia como aquele que acompanhou a adesão ao Euro, em 1998/9, (oficialmente) convictos de que tínhamos conquistado o direito a uma prosperidade sem limites e sem esforço...o único esforço seria o de gastar, gastar sempre mais e sem preocupação quanto ao futuro...

7. Uma nota de mau gosto, que conseguiu no entanto ser excedida pelo ousado desconchavo das declarações que este mesmo episódio mereceu ao principal partido da oposição...

15 comentários:

  1. - (...iminente conclusão do Programa de Ajustamento Económico e Financeiro...) Conclusão... como? Se ainda ontem a Srª Ministra das finanças se referiu à carta de compromisso enviada pelo governo à Troika. Não me parece possível falar em "conclusão" mas sim, em controle à distância?
    - (... Missão Cumprida bem como o crédito por esse cumprimento reconhecido ao Povo Português...). Eu, penso que ainda estamos longe, muito longe de um cumprimento, seja de missão ou de outra coisa qualquer que se lhe queira chamar. E quanto ao crédito popular... restava alternativa ao povo, que não fosse cumprir e/ou... morrer?

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  2. Ficou a afaltar a trilha sonora para este filme:
    https://www.youtube.com/watch?v=82m1YyyMfd4

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  3. A ideia de um resgate é salvar as vítimas dos seus captores.

    Eu continuo exactamente na mesma situação em que entrei. O presidente da república é o mesmo, as leis que me fazem refém da república são as mesmas por causa desse presidente da república, o mesmo cara de pau que "endireitou as contas do partido" a comprar submarinos é o mesmo que me vem fazer de burro(outra vez) ao dizer que um aumento de impostos não é aumento, o presidente que bloqueou todas as medidas é aquele que me vem elogiar pelo meu sacrifício,...e poderia continuar por aí fora!

    Resumindo, o resgate foi recebido mas os captores não libertaram ninguém. Nesse aspecto estamos muito pior que o que estávamos e, nesse aspecto, só posso concordar com quem diz isso, embora não o diga pelas mesmas razões. Este regate não poderia ter terminado com o mesmo chefe de estado, com o mesmo tribunal constitucional, nem mesmo com a mesma "leitura" enviesada do português da constituição que só perpetua o desrespeito pela soberania popular.
    A única coisa positiva nisto tudo é que o tratado orçamental só vai poder ser cumprido se toda essa gente sair de cena. E vai sair...

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  4. Fala assim, quem recebe, nunca deixou de receber mesmo que pouco porque em bancarrota ninguém receberia nada...

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  5. Bancarrota do estado? Ficou adiada, sim. Pelo menos uns anos, à conta dos desempregados e dos emigrantes. Mas os "fundamentais" do estado são os mesmos, é uma questão de tempo ..

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  6. Caro Bartolomeu,

    Com o devido respeito (que é grande, como bem sabe) depois de ler o seu 1º comentário fiquei com a noção de que a sua leitura do Post foi feita em "vertiginosa diagonal", não lhe dando tempo para avaliar o contexto (nem mesmo o texto).
    A questão da carta para o FMI, exorcizada infantilmente por algumas almas distraídas, tem exactamente a ver com a questão do pseudo-independentismo financeiro, em nada questiona a conclusão do Programa.

    Caro João Pires da Cruz,

    Creio que sufragará a declaração de Filipe de Botton, feita esta tarde, quando manifestava a sua discordância em relação ao tão falado projecto do novo "banco" de fomento (que começa por não ser banco, curiosamente: "Estado na economia? Só de longe, de costas e com nevoeiro"...

    Caro Luís Moreira,

    Bem observado, certamente.

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  7. Caro Dr. Tavares Moreira, confesso: não estava mesmo a ver, nem trocando o sentido da diagonal, que o sentido do post era o contrário daquele que lhe atribui. Sem dúvida, a proximidade lenta mas sólida do dia em que os quartarepublicanos se irão reunir à távola (espero que redonda)do Dom Feijão, está a debilitar as minhas já anteriormente frágeis, capacidades de leitura.
    ;)

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  8. Caro Tavares Moreira

    O programa de ajustamento cumpriu uma boa parte dos objectivos que se propôs o que explica a sensação de meia vitória (e em certa medida de surpresa) sentido pelos nossos credores. Destaco as últimas declarações do presidente do euro grupo (ilustre holandês com um nome difícil)sobre a saída do programa.
    Ficou claro que a parte política do ajustamento necessário para que o programa fosse totalmente cumprido (e tivesse plena eficácia) não se realizou. Por isso, a maioria dos responsáveis que nos conduziram a esta situação encontram-se no activo. Não existem razões para considerar que este processo contribui para a mudança de hábitos dos actores.
    Os próximos doze meses serão o teste ácido e avaliarão a verdadeira eficácia do programa.
    Por isso acompanho atitude dos nossos credores: esperar para ver porque, pelo menos, este duro exercício fez-nos recuperar o benefício da dúvida junto dos credores e, com isso, há quem considere que era o melhor que podíamos fazer...
    Cumprimentos
    joão

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  9. Caro Bartolomeu,

    A irrefragável divergência dos nossos entendimentos sobre esta vexata questio só poderia ser adequadamente derimida em faustoso repasto no Dom Feijão...
    Abortada esse hipótese, resta-nos permanecer na divergência e lamentar, dolentemente, o adiamento do repasto!

    Caro João Jardine,

    Quando diz que a mioria dos responsáveis que nos conduziram a esta situação se encontram ainda "no activo", apetece-me corrigi-lo e dizer: no activo não, no passivo!
    Sim, que para mim eles são passivo e do mais oneroso que se conhece - refiro-me à posição de sexas no Balanço do País, obviamente!

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  10. Divergir da opinião do meu estimado Amigo, é sempre doloroso, mesmo que em ambiente de fausto gastro nómico.
    Um fausto que até poderia ser entendido menos positivamente, tanto pelos estimados crescimentistas, como por neoliberalistas.
    Entretanto... deliciemo-nos com a acutilância poética do Vate, Luís Vaz de Camões:
    .

    No mais, Musa, no mais, que a lira tenho
    destemperada e a voz enrouquecida,
    e não do canto, mas de ver que venho
    cantar a gente surda e endurecida.
    O favor com que mais se acende o engenho
    não no dá a pátria, não, que está metida
    no gosto da cobiça e na rudeza
    duma austera, apagada e vil tristeza.

    ;)

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  11. Caro Bartolomeu,

    Com o devido respeito para o genial vate Luís Vaz, aqui vai uma humílima sugestão para actualizar a redacção dos dois últimos versos aos temas dos nossos dias:
    "no gosto da cobiça e na ruindade...
    duma triste, apagada e vil austeridade!"
    Esta sugestão, feita por um neoliberal, tem que se lhe diga...

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  12. Então e o que me diz o estimado Amigo a mais uma pequena (grande) atualização ao último verso?!
    «...duma triste, acesa e vil austeridade!"»

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  13. Caro Bartolomeu,

    Tem toda a razão, com os bilehtes para os sucessivos jogos de futebol, finais e meias-finais, esgotando em poucas horas, com os restaurantes cheios (no Dom Feijão, por exemplo, já não é possível reservar mesa a não ser de véspera e, mesmo assim...), com o trânsito matinal nos acessos a Lisboa a voltar ao "antigo"...
    ...Faz realmente todo o sentido salientar o carácter "aceso" e não "apagado" da vil austeridade em vigor!
    Até porque, se não for devidamente salientada e propagandeada a toda a hora, o cidadão cumu terá dificuldade em aperceber-se da dita cuja, coitada!
    Que pena não podermos debater hoje, com cenário real, em amena cavaqueira e em plena degustação feijoística, estes candentes temas da nossa actualidade!

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  14. Tem toda a razão, meu caro Dr. Tavares Moreira. Estou em completo acordo com a avaliação que faz deste "fenómeno" político-social. De certeza absoluta que os locais que menciona, são frequentados pelos milhares de desempregados e aposentados que vivem das milionárias pensões de sobrevivência, do rendimento social de inserção, do fundo de desemprego e muitos ainda, da caridade alheia. Uma corja, caro Amigo, uma corja que merecia ser extinta, para acabar de vez com esta cabala insidiosa, que mina a estabilidade politica, social e económica do país e que serve somente para alimentar a demagógica comunicação social.

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  15. Tanta coisa a dizer acerca deste post! Mas já vai em 14 comentários…

    Quero apenas salientar o ponto 2 de Tavares Moreira:

    «Pareceu-me bem a parte em que foi salientada a ideia de Missão Cumprida bem como o crédito por esse cumprimento reconhecido ao Povo Português, no seu todo, embora com pena de que não tivesse havido uma palavra muito especial para os muitos milhares de desempregados e para os muitos milhares de emigrantes (muitos deles tb desempregados no País)...»


    Caro Tavares Moreira, «os muitos milhares de desempregados e os muitos milhares de emigrantes (muitos deles tb desempregados no País)», não vão esquecer a atitude patriótica a que foram submetidos. Mas deles se espera, igualmente, outra atitude: que justicem devidamente os milhares que encheram os bolsos à custa do seu sacrifício.

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