domingo, 24 de julho de 2005

No Reino do Absurdo

Há que reconhecer que a política nacional começa a perder a capacidade de nos surpreender.
De facto, se olharmos de repente para os acontecimentos extraordinários com que convivemos nos últimos anos, só nos resta riscar do nosso vocabulário aquela expressão comum "Não é possível!"
Vejamos, muito sumariamente. Em 1999, as eleições deram ao Partido Socialista uma 2ª vitória, desta vez a rasar a maioria absoluta. Estão lembrados de que até estavam já feitos os cartazes a dizer "Obrigado Portugal", tal era a confiança no conforto da vitória? Pois o Governo saído dessa eleições governou metade do mandato e, na sequência da derrota nas autárquicas, o 1º Ministro, num gesto dramático sem precedentes, atirou-se para chão e declarou o país um pântano ingovernável... Não é possível, teríamos dito uns tempos antes se alguém alucinado aventasse tal cenário. Mas foi.
Novas eleições, vitória do PSD, maioria assegurada pela coligação com o PP. Corria o início do 3º ano de Governo, o País vivia a euforia do Euro 2004, distraído por alguns dias da necessidade de trabalhar com afinco para recuperar da grave crise económica. Na Europa, escolhiam-se os novos Comissários e a discussão por cá seguia morna, ainda que com alguns laivos de mistério para os mais atentos.
Eis que, sem aviso prévio, é anunciado que o 1º Ministro português será o futuro Presidente da Comissão Europeia, facto que seria certamente motivo de grande orgulho e honra nacional. Todos os maçadores detalhes daí resultantes teriam que estar resolvidos em poucos dias, para que o candidato pudesse ter tempo de se preparar. Não é possível! dissémos todos. Mas foi.
O Presidente da República, que não se tinha eximido a críticas sobre o eventuais excessos da política de rigor do anterior Governo, dá posse ao novo Governo sob o signo da vigilância apertada em matéria de rigor. O novo 1º Ministro, para calar rumores sobre a falta de legitimidade, consagra-se em Congresso já em exercício de funções, como se fosse de admitir que o próprio Partido derrubasse o seu 1º Ministro. Como foi tudo isto possível?, mas foi.
Mas eis que 6 meses decorridos, o Presidente da República conclui que afinal aquele Governo não servia e decide dissolver o Parlamento sem demitir o Governo, gerando-se um consenso (??) sobre a razoabilidade de, ainda assim, ser apresentado o orçamento para 2005. Alucinante? Não, pois aconteceu.
Temos portanto novas eleições, que deram a maioria absoluta ao Partido que durante os três anos anteriores se disitinguiu por combater tenazmente as políticas de contenção orçamental e de reformas públicas necessárias. Assumido o Poder, o novo ministro das Finanças nãoperdeu tempo: durante dois meses, a catadupa de medidas de carácter restritivo atordoou os portugueses e convenceu-os de que não havia mesmo outro caminho senão o que já tinha sido anunciado pelos Governos anteriores, só que desta vez com cores ainda mais carregadas. Impossível, esta reviravolta política? Não, aconteceu.
Mas eis que, no auge da vaga de medidas e quando se esperava, em suspense, pela sua execução, se demite, sem mais nem ontem, o próprio Ministro das Finanças! Cansado, exausto, ao fim de 4 meses de anúncios. Drama nacional, vergonha pela credibilidade perdida? Não, o melhor é depositarmos todas as esperanças no novo titular e repetir, agora já frouxamente, a bondade das políticas anunciadas. Impossível, isto não pode ter acontecido? Erro, aconteceu.
Mas o País olhava esperançado as eleições presidenciais, saltando agilmente sobre as autárquicas que não parecem oferecer o grau de stress a que já nos vamos habituando. Candidato para aqui, recusas para li, Manuel Alegre diz que não vai, o Ministro dos Negócios Estrangeiros Freitas do Amaral dá uma entrevista surrealista e (pouco) cifrada em que diz "Never say Never".
Esta parece ser de facto a frase que mais se adapta à vida política nacional.
Porque o Dr.Mário Soares que, ainda há pouco, ao celebrar 80 anos de idade, tinha esclarecido o povo sobre as sua intenções firmes de dizer "Basta!" à sua intervenção política activa, surge agora, com emoção de comentadores e grande azáfama dos militantes socialista, como o óbvio candidato da esquerda!
Será o Dr. Mário Soares, por mais respeito e consideração que mereça, o Presidente da República que os portugueses precisam? Ou o que interessa é compôr o tabuleiro do xadrez político a curto prazo, resolver um problemazinho de apresentação de nomes, e entreter os jornais com mais uns editoriais e comentários próprios de quem não contava com esta?
Impossível? No reino do Absurdo já nada nos pode surpreender.

11 comentários:

  1. Acho excelente, esta síntese do absurdo. Só discordo num pormenor: creio que, apesar do "treino", ainda muito acontecerá que nos vai surpreender. Que mais não seja, esta nossa incapacidade de dizer basta.

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  2. Contribuindo para o absurdo da nossa história relembro a intervenção intempestiva do Presidente da República, em mangas de camisa à saída de uma visita qualquer, dizendo apra os microfones e televisões:" estão para aí a escolher o Primeiro Ministro para subsitituir o Durão Barroso mas esquecem-se que sou eu que decido se há novo governo ou não". Este foi o erro trágico. Foi a abertura da caixa de pandora. A esquerda e a comunicação social viram ali a leitura de que o Presidente tinha legitimidade política para dissolver. O PSD viu-se sem espaço nem tempo para fazer um Congresso e fez a leitura "portem-se bem e resolvam o assunto depressa e sem quezílias ou dissolvo". Os concelheiros nacionais. Na altura muitos deles (quase todos?) dependentes da política esqueceram-se da Ferreira Leite e apoiaram muito rapidamente a sucessão natural (vá lá saber-se natural porquê).Em resumo o Presidente pôs toda a pressão em cima do PSD não lhe dando tempo nem espaço para fazer o seu congresso. O mesmo Presidente que depois na entrevista colectiva na SIC referiu "na Holanda os governos de coligações demoram três meses a formarem-se e daí não vem mal ao mundo". O mesmo Presidente que demitiu um Governo pela demissão de um ministro sem funções passou calado a crise da demissão do Ministro das Finanças.

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  3. Eu via a candidatura de Cavaco como um apoio à política de contenção da despesa que o executivo, e Campos e Cunha, estava a fazer.
    De repente tudo mudou.Os despesistas vão ter um Soares eufórico a apoiá-los. Cavaco ficou sem ter quem apoiar. Socrates desfez-se.
    O que me dana é que aceitei pacificamente as restrições da Função Pública e ... para nada.

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  4. Soares não ganhou as presidenciais, nem acredito que ganhe. Mas reganhou, de Socrates, o Partido Socialista. Toda a encenação do déficit já pertence ao passado.
    Para que serve agora a vitória de Cavaco? Para convocar novas eleições e continuarmos a nossa triste saga de instabilidade?

    Sinceramente creio que é nisto que Cavaco estará a pensar. A cara dele quando lamentou a saída de Campos e Cunha diz isto.

    Agora Cavaco vai a jogo porque não pode desistir perante Soares. Mas já não sabe paraquê. E isso pode ser fatal.

    A Comissão Europeia cometeu um grande erro ao adiar por três anos o compromisso dos 3% do déficit

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  5. Caro Reformista, em matéria de presidenciais ainda a procissão vai no adro e a hipotética candidatura de Mário Soares é um acto de desespero de um Partido que não gosta do 1º Ministro que tem. Foi curioso ver o Dr. Vitorino hoje a explicar que isso da Ota ainda vamos ver e que de qualquer maneira nunca teria efeito no défice dos próximos anos. No entanto, SÒcrates apresentou-o como o grande investimento do ano, um dos dois está enganado...
    Cavaco Silva será sempre um bom Presidente para impedir que o País continue nesta vertigem demolidora.

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  6. Susana Toscano
    Concordo que Cavaco seria, em qualquer circunstância, um bom presidente. Com Mário Soares na corrida, não me parece, contudo, que tenhamos oportunidade de o comprovar. E se ele perder para Soares, a «direita» perde uma das vozes com maior autoridade para suster o caos, que não deixará de instalar (direi mais, que já está instalado e tende a crescer). Penso que os apoiantes de Cavaco devem ponderar bem os riscos de uma candidatura agora, até porque as afirmações de que uma não candidatura no presente cenário seria o reconhecimento de que ele não avançará por medo é apenas jogada e conversa deste PS, do «outro PS» e das esquerdas, que se querem ver livres de uma figura tutelar com tanta influência e credibilidade como tem Cavaco Silva.

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  7. caro crack
    tenho a maior dificuldade em admitir a vitória de uma hipotética candidatura de Mário Soares. Mesmo na política à portuguesa há limites para o bom senso e a democracia costuma funcionar muito bem nesse aspecto. Quem pode hoje acreditar que Mario Soares tem condições para exercer o cargo de Presidente da República? Para garantir a estabilidade política, quando ele próprio é um crítico de Sócrates, impulsionado pelo"PS profundo"? Acho que o Prof. Cavaco SIlva não tem mesmo nada a perder, caso essa triste possibilidade de candidatura de Soares se concretize.

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  8. Lamento discordar, mas Cavaco tem tudo a perder!

    Só tem a ganhar um triste galardão: ser recordado como o primeiro a perder DUAS VEZES uma eleição para P. R.!

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  9. Susana Toscano
    Espero que tenha razão, mas lamento ter uma dúvida muito razoável sobre o que de optimismo encontro no seu enorme bom senso. Infelizamente, este bom senso não foi equitativamente repartido, pelo que não serão muitos os que lhe fazem companhia no raciocínio! O tempo e as circunstâncias se encarregarão de demonstrar se não é assim.

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  10. A.Castanho,
    nesse caso seremos nós a ter o triste galardão de por duas vezes termos escolhido o Presidente errado e creio que a sucessão de erros a que temos assistido não devia deixar dúvidas. Cavaco terá o galardão de ter tido a coragem de, por duas vezes, se ter apresentado a eleições, no primeiro caso quando tudo o desaconselhava em termos de contabilidades eleitorais e o segundo - que espero não se verifique - quando não se vislumbram factores muito atractivos na vida política nacional mas antes enormes dificuldades e poucas glórias...
    Também acho, caro Crack, que o tempo que corre não estimula optimismos, mas será que desistir de acreditar ajuda alguma coisa? A coragem dos outros também é um bocadinho feita da nossa, pelo menos nisso eu acredito.

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