terça-feira, 23 de agosto de 2005

Informação, ou arte de encher chouriços?


fábrica de encher chouriços
.Pivot do telejornal:
Dezenas de fogos continuam incontroláveis em todo o país. A situação mais grave é em Coimbra (ou em Viseu, ou em Abrantes…). Já arderam dezenas de milhar de hectares de mata, há casas queimadas, culturas perdidas e o fogo já chega a alguns dos bairros novos da cidade.
No Governo Civil está a decorrer uma reunião, com vista a estudar a criação de um Gabinete de Crise.
Vamos ligar ao Serviço de Protecção Civil.
.Serviço de Protecção Civil: Boa Noite. De facto, três dezenas de fogos continuam incontroláveis em todo o país. A situação mais grave é em Coimbra, onde já arderam dezenas de milhar de hectares de mata, há casas queimadas, culturas perdidas e o fogo já chegou às imediações da cidade.
Está em estudo a entrada em funcionamento do Gabinete de Crise.
.Pivot de um telejornal:
Muito obrigado. Vamos agora ligar ao nosso colega presente no local, em Coimbra.
.Jornalista presente no local:
De facto, continuam incontroláveis os incêndios ao redor de Coimbra. Segundo a Protecção Civil, já arderam dezenas de milhar de hectares de mata, há casas queimadas, culturas perdidas e o fogo já chegou às imediações da cidade.
Está neste momento a terminar a reunião no Governo Civil, onde esteve sobre a mesa a entrada em funcionamento do Gabinete de Crise.
Muito boa-noite, Sr. Governador Civil. Pode fazer-nos o ponto da situação dos incêndios em Coimbra?
.Governador Civil:
A situação é grave e, apesar do trabalho meritório dos bombeiros, continuam incontroláveis alguns focos de incêndio no distrito de Coimbra.
A prioridade são as pessoas, mas os prejuízos materiais são elevados: já arderam dezenas de milhar de hectares de mata, há casas queimadas, culturas perdidas e o fogo, como é visível, já atingiu a própria cidade.
Estamos a estudar a implantação de um Gabinete de Crise.
.Jornalista: Muito obrigado. Está assim dado o ponto da situação em Coimbra.
Atenção Estúdios.
.Pivot do Telejornal:
Muito obrigado.
Prosseguindo neste tema, vamos ligar à Direcção Nacional dos Bombeiros.
Sr. Director: pode-nos informar sobre a real situação dos fogos?
.Director Nacional dos Bombeiros: A situação é grave…….
Pivot do Telejornal: Tem interesse agora ouvir o Sr. Presidente da Câmara de Coimbra, um concelho dos mais atingidos pelos fogos. Ele encontra-se junto ao nosso posto de reportagem. Sr. Presidente: como avalia a situação?
.Presidente da Câmara: A situação continua dramática, já que o fogo atingiu casas da própria cidade. Faltam meios aéreos e nota-se descoordenação, pese o meritório e esforçado trabalho dos bombeiros…por isso, arderam milhares de hectares de floresta, perderam-se culturas e muitas casa foram destruídas...

Assim vai a ”informação” sobre o flagelo dos incêndios
O objectivo não é, obviamente informar, mas encher tempo de telejornais, utilizando a desgraça das populações para, sem escrúpulos, fixar audiências…
Os telejornais transformaram-se em fábricas de encher chouriços!...

6 comentários:

  1. Parabéns pela ideia. Vejo que cumpriu bema funçáo de...watchdog! ( sem ofensa).

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  2. Arte de encher chouriços, definitivamente. E o pior é que se internacionalizou.

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  3. Caros colegas blogistas a arte que tão bem aqui foi apelidada de "encher chouriços" eu costumo chamar de a arte de "serrar presunto", e nessa arte os portugueses, e em particular os nossos media (sobretudo os televisivos) são excelentes, indo buscar grande parte das suas ideias ao que de pior se faz a nível de televisão no mundo dito civilizado, ou seja, indo ao Brasil (atenção isto não é nenhum ataque aos brasileiros, só à sua visão do que é informação).

    Posso apenas dizer que lamento e cada vez mais vejo menos informação televisiva nos canais portugueses, tal é a sua falta de qualidade (escapa o Jornal das 9 da SIC Noticias, com o Mário Crespo). Enquanto que após ver diversas reportagens em canais internacionais (franceses, espanhóis e ingleses) apenas posso ficar contente por ter os nossos compatriotas europeus a dar uma imagem de Portugal e do seu povo completamente diferente daquela que nós próprios damos de nós cá dentro. Quem vir as notícias de qualquer um desses canais fica com uma boa ideia da miséria que por cá vamos passando nos últimos meses, sem ver um povo a ser ridicularizado com imagens muito pouco abonatórias de pessoas aos gritos, choro, arranca-cabelos e desmaios como se estivessemos no Iraque a morrer às centenas por semana. Vêem-se imagens do combate aos fogos, da exaustão dos bombeiros e da coragem dos civis que fazem tudo por tudo para não verem os seus haveres partirem em fumaça, e os dos seus vizinhos, vê-se um povo que não tendo muita organização nem meios se esforça e luta para salvar aquilo que alguns vermes tentam destruir só Deus sabe porquê...

    Quem vê os canais portugueses na sua generalidade o que vê?...Passa o tempo a ver imagens de pessoas em desespero, a chorar, a desmaiar, a arrancar cabelos e a gritar. Vê imagens da ovelha do Sr. António que queimou a lã a fugir do fogo, e que este ano já não vai poder ser tosquiada para vender, e o Sr. António já não vai ganhar o dinheiro que precisa para comer, vê imagens da galinha da Dª Berta que este ano com o trauma já não vai conseguir pôr ovos e blá, blá, blá, pelo meio umas dez intervenções de políticos e responsáveis políticos a dizer exactamente a mesma coisa, e nem sequer fazem o esforço de a dizer de forma diferente, parece que estiveram todos no mesmo Seminário de Marketing de Fogos Florestais. Imagens positivas (se é que as pode haver no meio de tudo isto) das pessoas a recuperarem da desgraça, de apoio entre "irmãos", de solidariedade, e de coragem são proporcionalmente bastante inferiores às que chamam a atenção para a desgraça.

    E porque é que fazem isto? Porque para encher 60-70 min.de notícias de jornais televisivos tem que haver muitas desgraças para "encher o chouriço" e agarrar o resto do povo, que não se encontrando a combater os fogos, está refastelado no sofá a dizer "isto é uma miséria,...e o governo não faz nada,...ó Maria!!!...A que horas dá a bola??...", e no Verão não havendo muita política, não havendo muito futebol e outros temas do género de grande interesse para a nossa sociedade tem que se falar de alguma coisa, logo fala-se dos fogos e, sobretudo, da miséria e desgraça daqueles que são atingidos mais duramente por eles, pois o que o povo gosta é de ver "sangue".

    Lamentável...muito lamentável...

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  4. Caro Vírus,

    Estou perfeitamente de acordo. Mas no fim disto tudo, acabamos por voltar sempre ao mesmo ponto. Isto é, tudo se pode resumir à cultura e à educação de um povo.

    É aquilo que ambos costumamos dizer: "Um macaco num fato armani, continua a ser um macaco" e o problema é que Portugal parece a aldeia dos macacos, onde todos fazem as suas macacadas.

    A maior parte dos jornalistas nem sequer sabe falar português, quanto mais ter capacidade para separar o trigo do joio.

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  5. Caro Pinho Cardão,
    Ora nem mais. Estou perfeitamente de acordo. Mas o mais deprimente, é que não são só as redacções que funcionam assim.

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