terça-feira, 16 de agosto de 2005

Watchdog: the dog is watching you

Entre anúncios precipitados de recessão e declarações entusiásticas de voluntarismo, há quem deseje assumir na blogosfera o papel de “watchdog” (post 994) da política portuguesa e chegue a anunciar o “sexto poder”, o da blogosfera, afirmando-se por entre a incapacidade dos primeiros cinco em regenerar a vida política portuguesa. A ideia de escrutínio sistemático do poder lançada por Pacheco Pereira, no decurso da “micro-causa” do acesso aos estudos da Ota e do TGV, parece assim reconfigurar-se em direcção a uma profusão de “mini-brothers” sedentos de denúncia e imaginando-se como guardiães de uma moral pública em acelerada degradação.

Felizmente que a blogosfera é um espaço de expressão da liberdade de opinião e se em alguma coisa ela revela potencialidades é na expressão de uma responsabilidade cívica de participação, de discussão de ideias e de escrutínio do exercício do poder. Qualquer destas perspectivas cai no âmbito do que é comum designar-se de exercício da cidadania. Estas foram as preocupações que orientaram a abertura de muitos blogs, nomeadamente os de carácter mais político, como é o caso do Quarta República.

Diferente é a perspectiva dos “watchdog”, nomeadamente quando alguns desses guardiães se manifestam sob a capa do anonimato, permitindo-lhes vasculhar, acusar, lançar suspeições, escrever as maiores barbaridades, sem que daí decorra o normal e saudável exercício da responsabilidade cívica e em alguns casos criminal. Esquecem-se os novos guardiães que os “watchdog” originais são sujeitos a uma ética e deontologia profissionais que a serem escrupulosamente respeitadas evitariam que mais de metade do que se tem escrito nos nossos jornais sobre abusos e desvios de poder fosse pura e simplesmente lançado no caixote do lixo.

A blogosfera é também, infelizmente, um extenso rol de casos de propagação de boatos, de lançamento de graves suspeições e de acusações muitas delas infundadas. Nela encontramos as expressões dos sentimentos mais mesquinhos, da ignorância militante e arrogante dos que se julgam tão conhecedores de tudo e mais alguma coisa.

Não creio que o Quarta República queira caminhar por aí.

9 comentários:

  1. Anónimo15:23

    Apoio as palavras do David Justino que correspondem, aliás, à essência do "estatuto editorial" deste blog.
    Concordando que a blogosfera é um espaço de liberdade de opinião, também é, pelo que me têm permitido as breves excursões que nela faço, dos espaços onde com a maior desfaçatez se atacam pessoas e instituições, sem o onús de provar afirmações que se propagam e replicam por uma cadeia já especializada na difamação. E muitas vezes - o que é gravissimo - difamação cobarde porque a coberto do anonimato.
    Pior do que o mau exercício do que um qualquer poder é o exercício do poder sem rosto, escondido na falta de identidade ou da identidade falsa, que destila ódio e polariza frustações.
    Nessa medida a blogosfera, e nela em particular alguns dos blogs que abordam questões políticas, é cada vez menos um espaço de liberdade e mais um campo de irresponsabilidade e impunidade.

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  2. teses verdadeiramente peregrinas. amanhã comento.

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  3. É verdade que há muito lixo na blogosfera, mas sempre houve propagação de boatos, calúnias e acusações anónimas e cobardes antes deste excelente meio de comunicação se afirmar. Não creio que constitua um perigo assim tão grande ou antes, as vantagens são, a meu ver, muito maiores que os riscos. E depois, temos a liberdade de só ler o que nos interessa, o mesmo se passa com os jornais, os livros, a televisão. Também desde sempre foi preciso escolher os amigos e as pessoas com quem podemos e queremos conversar. O que seria muito mau mesmo era se, a pretexto da "contaminação" do meio, deixassem de existir espaços como "A Quarta República" onde conversamos e nos divertimos com muito maior facilidade do que se tivéssemos que nos encontrar todos os dias para trocar ideias ou comentar o que nos desperta a atenção. Não é o caso de "a má moeda explusar a boa moeda" acho eu.

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  4. Caro David Justino:

    Percebo que se incomode com o anonimato nos blogs. Não percebo que custe a entender que o anonimato pode combater-se com ...o anonimato!
    Se de forma anónima se publicam afirmações caluniosas, há sempre a possibilidade de o ofendido se defender em directo e dizendo o que bem entender.
    Daí que este novo meio difira muito dos antigos "pasquins" ou folhas de couve que circulavam pelas aldeias para repor a ordem perturbada por alguns que abusavam de um poder que detinham, fosse ele qual fosse, mesmo o de seduzir.
    Nos blogs, o poder de denunciar o que parece errado e profundamente antidemocrático,constitui a última barreira antes da impunidade com que contam muitas pessoas que se apropriam de coisas que são de todos.
    Denunciar essas manobras, mesmo por aproximação e sem o rigor de um inquérito parlamentar ( que são muitas vezes de rir até ás lágrimas), é a última forma de expressão do povo, meu caro David Justino. Penso que V. também faz parte desse povo de que falo ou pelo menos assim o tenho considerado e apreciado no que fez no Ministério. Não me parece que V. seja da parte dos que "comem tudo", mas V. sabe muito bem que eles existem e não são denunciados pelos media tradicionais, por causa do tradicional medinho e respeitinho que herdamos dos 40 anos à sombra da liberdade de expressão.
    Deixe lá os blogs e o anonimato!
    Náo tenha medo que daí não é que vem o mal ao mundo! O mal vem exactamente daqueles que a coberto do receio de que alguém possa ser indomodado anonima e injustamente, querem cortar o pio e a raiz ao pensamento.
    Não em nome da liberdade, mas em nome dos seus interesses inconfessáveis.

    De resto, quem quiser saber quem é quem, não é assim tão difícil e se lhe falar no nome de Manuel Tiago, V. saberá exactamente dizer-me quem é; mas também saberá dizer que o verdadeiro Manuel Tiago que se chamava Álvaro só o admitiu, se admitiu, mesmo no fim.
    Alguém se incomodou com esse anonimato?!

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  5. Caro David Justino:

    Insisto em retomar o assunto do anonimato e dos perigos que ele comporta.

    Diz que não há verdadeira liberdade de expressão sem responsabilidade cívica e ética. O que significa isso, trocado por miúdos conceptuais?
    A liberdade de expressão deve ter barreiras? Depende.
    Se for numa mesa de café onde todos falar abertamente, entre amigos,conhecidos ou menos ainda, não tem. Cada um diz o que lhe apetece, com o modo de falar que usa ou com abusos de linguagem que ninguém leva a mal. Diz-se mal deste ou daquele com o maior dos à-vontades; dá-se largo curso a boatos e a fofocas; diz-se o que vem á cabeça, etc.
    Há alguma responsabilidade cívica ou ética nesses lugares de convívio?! Pouca ou nenhuma, se a conversa não atingir nenhum dos presentes...e palavras leva-as o vento.

    Agora pensemos porque razões é que as pessoas falam de certos assuntos que não vêm nos jornais. A razão quanto a mim, tem a ver com a estrita necessidade de as pessoas falarem sobre isso, passe a tautologia.
    É preciso um forum para se discutir porque razões obscuras se opta de repente por construir grandes obras públicas, como a OTA e o Tgv; porque razão um ministro da educação não faz tudo para introduzir de novo o ensino técnico ou para discutir os pormenores escabrosos do caso da Casa Pia. A sociedade em geral, a que temos em Portugal, pelo menos, desde que lhe tenha sido dado o ingrediente espicaçante fundamental que se liga ao mistério e à intriga,ou até por simples voyeurismo, quer saber mais. Esses ingredientes são dados pelos media em geral que vivem disso, aliás.
    As notícias sobre a Casa Pia interessariam para alguma coisa ao público em geral, se não estivessem envolvidos indivíduos notáveis?! Para resposta, basta olhar para o caso dos Açores.
    Assim, como os media não podem fornecer a informação toda, mesmo que a saibam mais completa do que a que podem transmitir, as pessoas quererão sempre saber mais.
    Na política, leia-se, no exercício do poder executivo e não só que a política confere, o fenómeno atinge uma exponencialidade devastadora.
    Em democracia, tudo o que diz respeito aos cidadãos em nome dos quais se exerce o poder, deveria ser público, mas obviamente não é.
    Quando se suspeita que determinados indivíduos, em número cada vez mais alargado, se serve do poder para enriquecer e tomar lugares de vantagem competitiva, quem é que deveria fazer o papel de watchdog?! A imprensa! EM primeiro lugar, porque os tribunais são o que são e a polícia e o MP são o que são.
    Se a imprensa não cumpre satisfatoriamente esse papel fundamental de mostrar aos cidadãos como se governa em nome deles, quem o irá fazer?!
    COntenta-se com a palavra "ninguém"?!
    Eu não me contento.
    Mesmo correndo o risco de acusar injustamente, a imprensa também o faz e tem uma desvantagem: não é desmentida na hora e em directo e nos blogs pode ser.
    OUtro aspecto importante tem a ver com o exercício do direito de opinião: emitir uma opinião ou um juizo de valor, vale o que vale se não for fundamentada e mesmo assim...

    Se um burgesso anónimo qualquer se limita num comentário a um insulto gratuito que valor tem isso para o ofendido? Zero, meu caro David Justino! Zero, vírgula zero!
    Só ofende mesmo quem pode e não quem quer.
    Reparo que nos comentários que vi escritos na minha Loja aparece um ou outro anónimo que o insulta. Que vale isso?! Nada, meu caro.
    Se aparecer um anónimo a dizer que V. fez isto ou aquilo e V. não fez, tem imediatamente uma de duas atitudes que pode tomar: responder ou ficar calado.
    A mim já me aconteceu insultarem-me soezmente e aguento, porque apesar de me chatear, não me atinge a honra.
    A blogosfera não pode nem deve domesticar-se no tal "respeitinho". É essa a sua força. Se reparar nos blogs, diz-se muita coisa e pouca coisa se aproveita quando quem o diz não tem argumentos.
    Desabafa-se. Dá-se livre curso ao repentismo, ao imediatismo opinativo.
    Mesmo assim, há uma parte de informação e opinião que vale a pena ler porque ajuda a reflectir.

    NO meu caso concreto, e é a primeira vez que o escrevo, sou magistrado de profissão.
    Que é que isso tem a ver com aquilo que escrevo? Nada ou quase nada. Não faço aqui nos blogs uso da minha profissão a não ser como experiência. Não falo nem escrevo de processos em que intervenho; não falo nem escrevo de assuntos que envolvem directamente a minha vida profissional. É essa a minha ética e ela vale por si.
    É por isso que escrevo como anónimo. Para preservar a minha identidade, que essa sim, poderia ser aproveitada de outra maneira para me atingir e atingir as instituições, como aliás já sucedeu e que não pude evitar. Nesses casos,denuncio e explico.

    No seu caso, a notoriedade advém-lhe do facto de ter sido governante.
    Porém, agora já não é assim. Se leio o que escreve não é só por ter sido isto ou aquilo, mas pelas opiniões que transmite e pelo facto de elas poderem ter mais interesse por ter sido isto ou aquilo. Há portanto uma diferença entre os anónimos e os que não o são assumidamente. Mas não queiramos que todos sejam anónimos ou que todos o não sejam.
    VIva a diversidade!

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  6. Anónimo13:04

    Troca interessante de ideias. E pelos vistos, assunto bem doloroso para alguns.
    Percebe-se...

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  7. UM dos blogs em que so insultos eram do maos soez que jamais vi escrito, era o dos apaniguados do BE, o extinto(?!) Barnabé.
    Geralmente assinados por anónimos, mas não só.
    Ainda assim, ninguém censurava, penso eu de que.
    A escrita por pretensos anónimos que o não são estritamente, pois adquirem personalidade através do pseudónimo que se pode transformar em heterónomo, pode ser bem mais interessante do que de outro modo se conseguiria.
    O que incomoda é a tal "desfaçatez"?!
    Desfaça-se no próprio momento!
    Denuncie-se!
    Está encontrado ao antídoto.

    Quanto a ser doloroso ou não optar por uma posição de renomado vs. o pseudónimo, como é bom de ver, é estritamente uma questão de gosto pessoal e intransmissível.
    Respeitem-se os gostos, então.

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  8. Anónimo15:48

    Caro José, se resume a questão ao gosto de cada um, tem-me ao seu lado no respeito que reclama pelas questões de gosto. Quanto ao resto, continuo a pensar o que escrevi.
    Deixe-me também dizer-lhe - sem que isso também altere uma vírgula do que penso e expressei aqui - que compreendo os constrangimentos de um magistrado de carreira em sair do anonimato e escrever sem receio de assinar por baixo nestes como noutros espaços, sobre temas sociais e políticos.
    Sendo certo que, como sabe, a blogosfera é porventura o único espaço mediático em que isso é facilitado.
    Recordo no entanto aquele episódio com o então conselheiro vice-presidente do CSM que na noite das últimas eleições compareceu efusiante exibindo galhardamente o cachecol do PS e abraçando aquele que foi feito Ministro da Justiça. Não sei se o que seria pior: vê-lo assim, exibir as suas preferências partidárias (embora porventura hipnotizado pela alegria da vitória e de defesas em baixo); ou perceber que ali compareceu, com o mesmo cachecol, rindo, festejando e abraçando, mas sob o cómodo disfarce de uma grande bigodaça e um conveniente capachinho.

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  9. Caros djustino e jm Ferreira d´almeida:

    Como vêem, bastou escrever que sou magistrado para V. me tratatem como tal!
    Mas é isso que me interesse mesmo denunciar como negativo!

    Um magistrado, seja juiz, seja do mp, tem a susa função NOS TRIBUNAIS! Só nos tribunais e apenas aí pode ser exercida.

    Repare que os magistrados em comissões de serviço em postos governamentais, não são magistrados: são o que forem aí!
    Porque razão se continua a dar tanta atenção aos magistrados?! Gostaria que fosse pelos verdadeiros motivos e que seriam a meu ver os de serem pessoas sabedoras, ponderadas, sérias no sentido pleno da expressão e abrangendo por isso a honestidade como princípio e valor de vivência.

    Talvez num tempo, alguns, fizessem algo que ajudou a formar esse paradigma algo mitológico.
    Não que os magistrados que conheçam não abarquem essas características. Mas seguramente abarcam tanto ou menos que tanto do que muitos outros, noutras profissões. E é esse o ponto!
    Ninguém aponta um economista como alguém prestigiado só por o ser. Ninguém aponta um sociólogo como alguém prestigiado só por o ser( a não ser o prof. Boaventura ahahahahah!).
    Mas quanto aos magistrados ainda perdura uma certa aura de mistério prestigiante naquela casula.
    E é um mito, na maior parte dos casos, com especial incidência nos tribunais mais superiores. Direi alguma novidade que não saibam?!
    Duvido. Indo ao ponto do juiz do cachecol:
    há uma diferença abissal entre a figura institucional de um juiz que é conselheiro e vice-presidente do CSM, conhecido publicamente pelas decisões que co-assina e um juiz ou magistrado com meia dúzia de anos se serviço na primeira instância! Uma diferença que se alarga se esse juiz que é titular de um órgão de soberania quando decide e representa o órgão de gestão dos juizes permanentemente!
    Se esse juiz faz gala de aparecer na sede de um partido político em noite de eleições a festejar efusivamente a vitória eleitoral do "seu" partido e até ostenta garbosamente um cachecol para a efeméride, então não perceber o óbvio já custa a entender.
    O estatuto dos juizes proibe-os de participar em reuniões de carácter político que possam ser "manifestações" . Por uma questão de semântica o CSM achou que o que aconteceu não preenche o conceito de manifestação...
    Está tudo dito!

    Quem é que criticou mais acerbamente esse comportamento desse juiz que já não deveria estar sequer no CSM?!
    Foram os blogs! Porquê?! Por desfaçatez?!
    Não! No meu modesto entender por terem assumido o papel de watchdogs- legítimo e necessário.
    Se não se desse o caso de um fotógrafo ter fixado para a posteridade anedótica o juiz com o cachecol posto, ainda hoje estaríamos para ver como tudo teria acbado, mas palpita-me que não seria nada bem, nem a verdade ficaria bem servida.
    Assim, contra factos...

    Fico por aqui, agradecendo a atenção e realçando mais uma vez que o que escrevo limita-se à área dos meus interesses pessoais que inclui muitas coisas em diletância e poucas em militância. Entre estas, contam-se o sentido de justiça que entendeo todos devemos ter, perante aquilo que é a res publica. Um papel de cidadania, portanto e que nada tem a ver com o exercício da magistratura.
    Esperto ter sido claro. Obrigado.

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