quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

"Imitação da Vida", um belo filme


Ontem fui ver esse filme lindíssimo cujo título roubei para este post, está escondido no cinema Nimas, não devia ter 20 pessoas a assistir, mas é realmente uma bela história.
O filme, de Douglas Sirk, com Lana Turner e Juanita Moore nos principais papéis, leva-nos aos anos 50 e à América glamorosa de todas as oportunidades, onde “lutar pelo seu sonho” era o abracadabra para o êxito e a fortuna.
A questão é que a vida tem muitas facetas, não é possível agarrar uma e pensar que é por aí que se a sorve de um trago, e esse engano desenrola-se ali à nossa frente, através da vida de duas mulheres, cada uma com a sua filha, que fazem por sobreviver sozinhas em Nova York.
Uma, a elegante e platinada Lora, jovem viúva decidida a impor-se como actriz de teatro, surge como uma lutadora que, sem prescindir dos seus valores, vai atrás de cada oportunidade, acreditando que os que a amam lhe compreendem a ambição e lhe justificam o tempo e o trabalho que dedica à conquista da afirmação e do sucesso.
A outra, Annie, uma mulher negra que teve uma filha de um homem branco que a abandonou, é uma fervorosa da igreja metodista e tenta, pela bondade e despojamento de si própria, dar à filha todas as condições para ter uma vida melhor que a dela. Torna-se indispensável à loira actriz, cuida-lhe da casa, da filha, liberta-a de todas as preocupações para que se dedique à sua arte. Silenciosa, discreta, mas com uma incrível solidez moral, repara-se que a outra tudo aceita e espera dela sem que, por um momento, se inquiete com a sua felicidade ou solidão.
Há um diálogo lindíssimo, em que Annie conversa sobre o destino a dar aos seus parcos bens depois de morrer e refere “os amigos”. Lora admira-se, nunca lhe conheceu um amigo, e Annie diz que sim, que vai à igreja metodista e que aí tem centenas de amigos. Lora fica ciumenta e agastada, “nunca me disseste que ias à Igreja”, e a outra responde com simplicidade “Nunca perguntaste…”
Annie amargura-se ao ver a filha crescer em beleza mas também em revolta para com a sua condição de mestiça e ela, que sempre encontrava resposta na sua fé, não sabe como enfrentar o ódio da rapariga contra a marca do seu nascimento.
A vida das duas vai-se cumprindo, aparentemente de acordo com os respectivos sonhos e quase diríamos que está ali o conto de fadas americano, luta e serás feliz, terra de oportunidades, todos são iguais se vencida a barreira do fracasso e da desistência.
Mas eis que surge a questão da mentira e da verdade, da ilusão e da realidade. O que é que se possui, afinal? O que é que conta no fim da vida, o que se conquistou ou o que se deixou ficar para trás, na febre da conquista? Quantas vidas se vive dentro de uma só, por qual delas se mede o que se obteve ou o que se esbanjou?
O filme tem ainda o interesse acrescido de ser datado, finais dos anos 50, altura em que o politicamente correcto era bem diferente, é incrível como se foram ajustando os discursos – sobretudo estes – a propósito dos direitos da mulheres a uma carreira profissional, o balanço entre a família e a realização profissional, o racismo, o casamento, a solidariedade.
A ver, para quem gosta de uma boa emoção.

7 comentários:

  1. Apesar de "antigo" e enquadrado num contexto social diferente, podemos fácilmente encontrar paralelos nos dias de hoje para o que caracterizou o argumento deste filme. E... a sua interrogação, cara Suzana, é deveras pertinente, o que é que conta verdadeiramente, não só no final, mas sobretudo no decorrer da vida ?
    Pergunta que certamente todos já nos colocámos e para a qual, acredito que ainda nenhum de nós atingíu a resposta ideal.
    Como dizia o filosofo... conhecemos o caminho, por vezes, mas nunca onde o mesmo vai dar.
    E o caminho, passa a meu ver, pela importância que nos atribuímos e ainda a importância que conseguimos atribuir ao outro.
    E para que tudo ganhe a solidez que nos confere a confiança e a força anímica necessária para pisar os caminhos... é necessário constância!

    ResponderEliminar
  2. Cara Dra. Suzana Toscano:
    Depois desta bela abordagem, tão profunda e intimista, que faz a este filme, fico com a sensação de já o ter visto. No entanto, ao mesmo tempo, esta abordagem constitui um desafio para o "ver com os meus próprios olhos".

    ResponderEliminar
  3. Caro Bartolomeu, é verdade que esse balanço deve ser feito ao longo da vida, sobretudo enquanto ainda se vai a tempo de corrigir a trajectória. Mas a constância de que fala, ou a persistência, se a virmos no plano da dificuldade, implica a renúncia a outros caminhos e é essa constância que pode ser posta em causa. Enfim, quem é que disse que a vida é fácil?
    Caro Invisível, ainda bem que regressou ao nosso convívio, já lhe sentíamos a falta!. Pois vá ver o filme com os seus olhos, é para isso que servem, com óculos ou sem eles tenho a certeza de que terá novas perspectivas do que aqui esbocei... :)

    ResponderEliminar
  4. "Mas eis que surge a questão da mentira e da verdade, da ilusão e da realidade.
    O que é que se possui, afinal?
    O que é que conta no fim da vida, o que se conquistou ou o que se deixou ficar para trás, na febre da conquista?
    Quantas vidas se vive dentro de uma só, por qual delas se mede o que se obteve ou o que se esbanjou?" (suzana disse)



    Simplesmente fantástico este texto que escreveu.

    Quase como se existisse um espelho, entre a vida que vivemos e a que falta viver.

    A que vivemos podemos ver reflectida nesse espelho.

    A que falta viver é apenas uma miragem, que pode ou não vir a ser uma realidade.

    também eu, sim Suzana, penso no que fui !
    Ou se cheguei a ser.
    Também eu penso no que tenho.
    Ou se cheguei a ter.

    E sobretudo penso no que conta na nossa vida.

    E o que conta para mim, são as pessoas. Tudo começa e acaba nas pessoas que amamos.

    As pessoas de que gostei, de que gosto, e também aquelas de que ainda virei a gostar.

    A vida vale a pena, sim Suzana !

    Amanhã será sempre outro dia....
    Um novo dia !

    um abraço

    ResponderEliminar
  5. Suzana
    Fico com muita vontade de ir ver a "Imitação da Vida" e espero fazê-lo. A vida é feita afinal de um somatório de muitas vontades, mas que às vezes não se cumprem, as boas e as más, as grandes e as pequenas.
    Não há uma vida igual a outra. As suas verdades e mentiras, os seus desejos e sonhos e as suas ilusões e desilusões combinam-se com dimensões e tonalidades diferentes. O importante é que no princípio e no final procuremos fazer as coisas bem feitas porque é mesmo a única forma de vivermos com verdade, a verdade que nos pode trazer felicidade, que habita o nosso coração e o nosso íntimo.

    ResponderEliminar
  6. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderEliminar
  7. Cara Pezinhos,não só vale a pena como é fantástica, sempre a surpreender-nos, a trocar as voltas,a dar e a tirar...O facto de olharmos de vez em quando para trás, para fazer o balanço, não quer dizer que fiquemos parados no que nos passou ao lado, ou fugiu das nossas mãos, é só para vermos como fomos felizes se pudemos escolher.Um abraço para si também e pelo seu comentário tão sentido.
    Margarida, também gosto muito desse tese da conciliação, na verdade tudo se mistura, o que foi e o que podia ter sentido, de certa forma tudo integra o ser único que é cada um de nós. Vá ver o filme, depois conversamos, acho que vai gostar mesmo!

    ResponderEliminar