domingo, 27 de janeiro de 2008

Irracionalidade

Benjamin Franklin Drawing
Electricity from the Sky
(Benjamin West, 1738 - 1820 c. 1816)

Há dias, no decurso de um telefonema que fiz a um colega e amigo psiquiatra, acabei por ser interpelado se havia, de facto, documentação científica sobre os efeitos nocivos para a saúde do fumo passivo ou se não estaríamos perante uma situação idêntica às “bombas do Iraque”! A princípio não atinei com a comparação, mas acabei por atingir o seu alcance. Havia e há! A tentativa de comparação entre as duas situações feita pelo meu colega, “comedor de cigarros”, despertou-me para a invasão iraquiana baseada num pressuposto inexistente em que a irracionalidade do público foi bem explorada pelos interessados.
Aquando do 11 de Setembro, 3% dos norte-americanos acreditavam que Saddam era o responsável. Dois anos depois, Março de 2003, um pouco antes da invasão, 52% já acreditavam na responsabilidade do ex-ditador. Em 2006, mais de 90% das tropas norte-americanas que foram para o Iraque pensavam que estavam a retaliar a acção de 11 de Setembro. Durante estes períodos houve uma nítida construção artificial de um problema, cujo “sucesso” resultou da exploração da irracionalidade pública. E funciona! Mas também funciona noutras áreas.
Estamos a assistir a um crescente movimento que tem como objectivo por em causa a ciência, utilizando técnicas de descrédito. A medicina científica luta contra a homeopatia e os vendedores de banha da cobra cujos adeptos aumentam de dia para dia. O racional é posto em causa e substituído pelos seguidores da New Age. Basta ver alguns programas televisivos de entretenimento em que são convidados indivíduos portadores de “novas” que de científico ou de racional nada têm, muito pelo contrário, mas que prendem e arrastam multidões ao venderem ideias, dogmas ou “princípios” mais do que duvidosos, susceptíveis de apagar a essência do Iluminismo que vê, muito provavelmente, os seus dias chegar ao fim, ao fim de dois séculos de existência. Astrólogos, negociantes de religiões, missionários da “alimentação”, técnicos “alternativos”, curandeiros e diversos fazedores de saúde, tipo pré-cozinhados, estão presentes, cada vez mais presentes, ocupando um espaço do qual a ciência se vê afastada, traduzindo um fenómeno em que a “fé” substitui a “razão”. Mas não é só a este nível que se verifica este fenómeno. Alguns empregadores de muitos cientistas honestos, por esse mundo fora, “obrigam-nos” a enveredar por determinadas áreas, já que os seus interesses económicos sobrepõem-se aos objectivos da ciência. Até os próprios estados têm responsabilidades nestas áreas ao promoverem e subsidiarem estudos que transformam certos estilos de vida ou fenómenos naturais em condições crónicas as quais passam a exigir tratamentos, factos muito bem aproveitados pelos novos curandeiros.
Criar novas necessidades nas populações é relativamente simples, até porque existe uma percentagem muito elevada que prefere a primazia da “fé à da razão”. Quando são confrontadas no mesmo plano, a última arrisca-se a perder, já que exige muito mais trabalho, sobretudo análise e compreensão científicas. A exploração crescente da irracionalidade é potenciada pelos meios de comunicação social, ao facultar alternativas que sob o ponto de vista científico é um retrocesso. Além do mais, não é admirar que possamos vir a assistir em breve, também, à intensificação da “guerra” entre a religião e a ciência, o que é lamentável, porque estando em planos diferentes não deveriam, nem mereciam, confrontarem-se. De qualquer modo, os monstrozinhos, que prometem minar a ciência, andam por aí. Será que não os vemos, ou fingimos não os ver?

4 comentários:

  1. Se calhar todos precisamos que a guerra se faça de vez e se elimine os "Vaticanos" da face da Terra. É incrível que as pessoas não associem o catolicismo ou o islamismo, por exemplo, ao atraso civilizacional, apesar de todas as evidências.

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  2. "Havia e há! (documentação científica sobre os efeitos nocivos para a saúde do fumo passivo)..."ou se não estaríamos perante uma situação idêntica às “bombas do Iraque”! A princípio não atinei com a comparação, mas acabei por atingir o seu alcance"

    Fico confuso. Se havia e há documentação científica (ou não há?)a comparação não parece pertinente.

    Ou havia e há razão na comparação, porque não há evidência científica (dos malefícios do tabaco no fumador passivo), como no caso do Iraque, e as pessoas estão a ser manobradas pela propaganda?

    Salvo melhor opinião.

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  3. Caro Professor, o comentáio que segue, contem dois objectivos: o primeiro, manifestar a minha satisfação por voltar a lê.lo no 4 R.
    o segundo e aproveitando este espaço, para dar a conhecer, sobretudo ao nosso amigo Tonibler a intenção manifestada pela classe clerical de em breve se manifestar públicamente contra as novas medidas proibitivas de fumar em espaços fechados, argumentando que estas novas regras, impõem a obrigatoriedade de as beatas ficarem do lado de fora...
    pois... (e este Bartolomeu que não se saísse com uma parvoíce)

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  4. Caro Rui Fonseca

    Não fique confuso. Pretendi apenas afirmar que existem evidências científicas sobre o papel do fumo passivo na saúde dos não fumadores e não é só de agora (“havia” já há muito tempo e continua a “haver”). O meu colega psiquiatra é que não dispunha desses dados e pensou que seria uma manobra de manipulação a exemplo das “bombas do Iraque”. Como é uma pessoa muito divertida até achei piada ao comentário feito por um psiquiatra a um epidemiologista, a propósito da entrada em vigor da lei do tabaco. Imagin0 as dificuldades que deve estar a passar no seu local de trabalho...

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