segunda-feira, 17 de março de 2008

Tão desenvolvidos que nós somos!

Intolerável e inqualificável é o mínimo com que se pode classificar a atitude das instituições de solidariedade social que negam o acolhimento de pessoas idosas seropositivas.
São instituições que assumidamente praticam a discriminação social porque não querem acolher aquelas pessoas, barrando-lhes pura e simplesmente o acolhimento ou utilizando essa “fraqueza” para exigirem mais dinheiro, para além dos subsídios que o Estado lhes entrega para financiamento do apoio prestado.
O que mais me espanta é que estando esta prática generalizada, a acreditar nos testemunhos citados na imprensa escrita, o que não custa a acreditar, nada seja feito para resolver esta situação.
A Segurança Social não pode nem deve ignorar a realidade dos idosos seropositivos, nem pode fechar os olhos a práticas premeditadas de falta de assistência e, em especial, em relação às instituições de solidariedade social financiadas pelo Estado.
À Segurança Social compete-lhe promover respostas sociais ajustadas aos novos riscos e problemáticas sociais e encontrar soluções que impeçam a discriminação, antes favorecendo a integração social.
A questão da seropositividade nas pessoas idosas é relativamente recente, mas era há muito previsível a evolução que se está a registar. A Segurança Social, em particular, tem que estar atenta à evolução dos fenómenos demográficos e sociais e antecipar-se na programação de respostas adequadas.
Mas o problema do acolhimento social de pessoas seropositivas não se confina ao grupo de idosos. Também no grupo de jovens as respostas da Segurança Social e da Saúde são manifestamente insuficientes deixando de fora do sistema muitos jovens seropositivos.
Se há coisa em que este País vem sendo useiro é na falta de visão de futuro e de planeamento de longo prazo. Tem sido assim em muitos sectores. Na Segurança Social e na Saúde é nítido. Se queremos ser desenvolvidos temos que ter cuidados sociais mais humanizados e temos que garantir a dignidade a todos os cidadãos, independentemente da sua condição de velhice, de carência de recursos, de doença ou de solidão.

10 comentários:

  1. Preza-me muito ler o que escreveu.
    Para avaliarmos o sofrimento e sensação de desprotecção dos discriminados deveriamos ter vontade de utilizar uma competência que, julgo, todos temos: vestirmos a pele do OUTRO. Naturalmente que esse exercício, que não é mais do que o cumprimento de dever de Cidadania, requer vontade. A vontade que muitas vezes nos falta. Concordo que às Instituições está reservado o dever de apoiar generosa e solidariamente, cumprindo um dever do Estado enquanto conjunto de Cidadãos. Mas as falhas encontradas também têm origem nalguma (ou muita) falta de solidariedade individual, falta de compreensão quanto às causas dos fenómenos. O trabalho junto das Instituições tem que ser firme e decidido, mas não menos que junto dos Cidadãos. Sem referenciar qualquer ideologia, muito longe disso, precisamos de um Renascimento da cidadania.

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  2. Caríssima Drª. Margarida,
    é deveras assustador o assunto desta notícia. Não só pela discriminação que denuncia, mas tambem pelo sentimento de desumanidade que lhe está implícita.
    Este texto, cara Drª Margarida fez-me recordar o canto XXII da "divina comédia" do Sr. Alighieri, resumidamente, é dito o seguinte: Estácio diz a Virgílio que, não pelo pecado da avareza, mas pela sua prodigalidade, teve de ficar muito tempo no quinto compartimento; e, por não ter declarado públicamente a sua conversão ao Cristianismo, precisou ficar muito tempo no quarto compartimento. Virgílio informa-o a respeito de muitos ilustres personagens da antiguidade que estão no Limbo. Quando os poetas chegaram ao sexto compartimento, encontraram uma árvore cheia de pomos perfumados, da qual saem vozes que louvam a virtude da temperança.
    ...
    Quanto tempo, precisam ainda os ilustres personagens da actualidade, de permanecer no Limbo, até que se lhes abra a porta que conduz ao caminho da virtude e da temperança?
    Quanto tempo, será necessário permanecer no Limbo, até entendermos a semelhança e o amor pelo próximo?

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  3. Caro Manuel
    As instituições são o espelho dos cidadãos. As instituições são aquilo que queremos delas fazer, são aquilo que queremos ou não, afinal, para nós próprios.
    Expressões como cidadania e responsabilidade social estão banalizadas no nosso quotidiano mas não pelas melhores razões. Uma coisa é o que se diz e fica bem dizê-lo, outra coisa é o que se faz. Neste caso não há coincidência, talvez porque não haja uma verdadeira consciência do que são os valores da cidadania. A cidadania pratica-se e devia ser ensinada desde o "berço"!

    Caro Bartolomeu
    E ao canto XXII da Divina Comédia podemos juntar a propósito da indiferença e da desumanidade esta frase "trágica" de Alighieri:
    «Os locais mais sombrios do inferno estão reservados para aqueles que mantêm a neutralidade em tempos de crise moral.»
    Caro Bartolomeu, à sua pergunta final não tenho como responder. Não me atrevo a fazer previsões!

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  4. A Srª tem realmente consciência do que faz a segurança social pelos idosos, mesmo os sem sida?Sabe quanto custa um lar decente?Quanto é a reforma média?
    E quanto é que custa um infectado de sida por mês?
    Depois gostaria de VER os infectados que nos falam.Como sabe em África abundam e aqui abundam os bons corações, que por acaso se esquecem dos contribuintes...
    Importar pobreza não dá...

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  5. Podemos sim, cara Drª. Margarida, a moralidade humana, ou a falta dela, quando a consciência não se apazigua na indiferença, obriga-nos a fazer o exame que conduz ao acto de contricção que Dante utilizou, para tentar expiar da alma, os pecados da carne que a atormentavam.
    Cara Drª. Margarida, a minha pergunta final, só encontra resposta no coração de cada um e na capacidade de todas as vontades se unirem. Enquanto houver inferno, haverá tambem crises morais. Um idealista saberá manter a esperança de que o inferno se destrua, para que o realista espere que o mesmo inferno se mantenha. Sem inferno, sem a promessa de que nele se guardam locais especiais, ficaria irremediávelmente perdida para sempre a moralidade humana.

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  6. Caro Bartolomeu
    A sua pergunta final tem, como diz, resposta no coração de cada um. Há corações bons mas há também corações "perdidos". Há também muita falta de consciência que redunda no egoísmo e na indiferença perante o sofrimento dos outros. Mas há sempre a esperança que os corações se abram ao amor ao próximo. Mas quanto mais cedo melhor. A formação que recebemos e a forma como nos integramos na comunidade e interagimos com ela são fundamentais para uma consciência saudável.
    Quando menos esperamos também a desgraça e o sofrimento nos podem bater à porta. O inferno não está assim tão longe, mas esquecemo-nos com frequência que a vida é muito frágil. Ajudar os outros é para além de um gesto muito nobre uma forma de nos ajudarmos a nós próprios, a estarmos mais bem preparados para enfrentar as surpresas da vida.

    Caro lusitânea
    Para ser sincera não entendi bem o seu comentário.
    Se me pergunta se sei o que digo, respondo-lhe que sim com conhecimento de causa.
    Fico chocada, sim, quando tomo consciência de situações que são desumanas. Temos com certeza bons corações, mas em África também. Os bons corações não escolhem nacionalidades, estados de saúde ou idades!

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  7. Cara Dra. Margarida Aguiar.
    Infelizmente, o estigma que recai sobre os seropositivos é desumano, e acompanha-os em todas as fases da vida, desde a obtenção de um emprego até, pelos vistos, à admissão num lar.
    É minha convicção de que os "preconceitos" sobre esta doença só poderão ser erradicados com campanhas de informação permanentes.
    Ao trazer aqui este tema, V. Exa. está a contribuir, também, para a sensibilização de todos os que visitam este blog, para esta doença que gera o grave problema de exclusão social...

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  8. Cara Margarida
    ´
    Num país como o nosso em que a televisão não é utilizada para instruir as pessoas, pelo menos em matérias de natureza social que bem precisariam de ser explicadas e esclarecidas junto do grande público, é profundamente chocante quando se conhecem os contornos de que se rodeiam os casos focados no seu texto, tanto mais que se encontra envolvida a segurança social que é alimentada por todos nós, na esperança de actuar condignamente, num cenário que se pretende ser de solidariedade social. Como é possível tratar mal pessoas idosas, sobretudo aquelas a quem a desgraça bateu à porta? Dá vontade de perguntar se o nosso povo é perverso ou é simplesmente inculto ?

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  9. Anónimo00:15

    Margarida:
    Não me admira que traga ao blogue este tema. Admirar-me-ia que a sua sensibilidade para estes que são os mais preversos - para utilizar palavra que li num dos comentários - problemas sociais, não a impelisse para deixar o testemunho que me vai permitir que subscreva.
    Ainda bem que o fez. Porque estas denuncias precisam de ser feitas para combater, na modéstia do que podemos fazer, o que de pior têm instituições que existem e são apoiadas com o dinheiro de todos nós. Apoiadas supostamente para fazerem o bem a quem mais dele carece.
    Recusar o acolhimento a idosos seropositivos é uma crueldade sem nome! É uma indignidade sem desculpa!
    E mais uma vez, Margarida, não deixa de impressionar o silêncio de tantos que na política se preocupam com assuntos de lana caprina e omitem o dever de se pronunciar sobre problemas do nosso tempo como este que aqui nos traz.

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  10. Caros Amigos
    Piercings e tatuagens e quotas dos partidos pagas em dinheiro são matérias deveras bem mais importantes do que "violações" de obrigações e de direitos fundamentais ligados à dignidade humana!
    E não me venham falar de demagogia barata ou de apologia dos coitadinhos e desgraçadinhos. Devíamos estar todos muito preocupados, políticos e cidadãos, com a crise de valores em que vivemos, bem expressa na desumanidade que foi aqui relatada e no silêncio que o José Mário muito bem assinalou!
    Enfim, tenhamos ânimo e saibamos cada um de nós encontrar a forma de contribuir para aliviar as dificuldades e o sofrimento daqueles que precisam de ajuda.

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