quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Execução orçamental: fundados motivos de dúvida...

1.Fomos ontem positivamente bombardeados pela notícia de que o défice da execução orçamental de 2010, até Novembro, tinha pela primeira vez no corrente ano ficado abaixo – 100 milhões Euros ou seja 0,59% do PIB – do registado em igual período de 2011...
2.No seu estilo inconfundível, o PM declarava que este dado iria transmitir confiança aos mercados...a reacção dos mercados, paradoxalmente e até agora, traduziu-se numa subida das taxas de juro da dívida portuguesa...
3.Os dados da execução orçamental ontem divulgados suscitam naturais reservas, por duas razões fundamentais: (i) o enorme volume de despesa cujo pagamento tem vindo a ser atrasado e que, como tal, não está contabilizada nos dados divulgados até Novembro e (ii) o crescimento da dívida pública directa até Novembro.
4.Quanto ao primeiro aspecto, sabe-se que os dados divulgados pela DGO na informação mensal são baseados nas regras da Contabilidade Pública, que no caso da despesa só registam a que é efectivamente paga, por conseguinte omitindo a que tenha sido realizada mas não paga.
5.Ora são do conhecimento público as gigantescas dívidas que, sobretudo na área da Saúde, têm vindo a ser acumuladas nos últimos meses, por insuficiência de verba para as pagar: são muitas centenas de milhões de Euros, talvez mesmo milhares de milhões – trata-se pois de despesa realizada mas não contabilizada ainda como tal e que por isso é omitida nesta informação mensal da DGO...
6.Por outro lado, a dívida pública directa cresceu até Novembro 13,5% em relação à dívida registada no final de 2009, o que permite, mesmo descontando o factor anterior, ter dúvidas quanto ao rigor dos números apresentados...se o défice orçamental só cresce, por hipótese 8% ou 9%, como explicar que a dívida tenha crescido 13,5%?
7.Quanto a esta evolução da dívida, fortemente divergente da evolução do défice, até pode ser que exista uma explicação ou várias explicações...mas se e enquanto tais explicações não forem divulgadas, a dúvida permanece...
8.Neste quadro de dúvidas e mais dúvidas, algumas do conhecimento público outras que poderão ainda vir a ser suscitadas, a ideia de cantar vitória com a redução do défice de € 100 milhões parece prematura ou mesmo extraordinariamente ousada.
9.Não nos esqueçamos que a U.E. está “escaldada” pelo lamentável exemplo do défice da Grécia em 2009 que, de um valor inicial da ordem de 7% salvo erro (preliminarmente certificado pelos serviços da Comissão), na última revisão ia já em 15,4%...
10. E, como se usa dizer, “gato escaldado, de água fria tem medo”...

8 comentários:

  1. As dúvidas que coloca são totalmente pertinentes face aos dados apresentados. É lamentável a falta de transparência e até a manipulação dos dados cultivada pelo governo em qualquer das áreas da governação. Este governo perdeu todo o crédito e sobrevive apenas pelo "amparo" que a comunicação social corporativa lhe oferece.

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  2. E por isso, urge um inquérito parlamentar ao acidente de Camarate!

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  3. Caro Tavares Moreira
    Apenas uma "pequena" achega:
    As interpretações do Governo sobre a evoluçao do nosso desempenho, a ter efeitos sobre os "mercados" seria sempre sobre a dívida a curto prazo: aparentemente estamos em vias de conseguir "estancar" a espiral de dívida.
    A crer no governo, começamos a ter dinheiro para pagar o serviço de dívida sem que tenhamos de nos endividar ao mesmo ritmo.
    No entanto, "os mercados" não pensam do mesmo modo, a dívida a curto prazo subiu o custo....
    No caso da dívida a longo prazo, já fia mais fino: antes do primeiro trimestre não saberemos como se vai comportar a economia no ano de 2011, logo, não podemos prometer que teremos crescimento para pagar daqui a cinco e mais anos....Nesse sentido, as interpretações governamentais soam a ooptimismo sem fundamento, face aos comportamentos anteriores...
    SE no primeiro caso o governo comporta-se como aquele que vai na auto estrada em sentido contrário e acha que não; no segundo caso estamos perante uma infantilidade juvenil.
    Cumprimentos
    joão

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  4. Acredite, caro Ruy, que preferia mil vezes que as minhas dúvidas fossem totalmente impertinentes!
    A pertinência destas dúvidas significa o prosseguimento do percurso de desgraça que de há uns anos a esta parte - a ritmo particularmnete vivo nos últimos cinco - temos vindo a cumprir!

    Exacto, caro Tonibler, mais um inquérito para acabar como os anteriores, infelizmente!
    Um inquérito ao estado comatoso, de impúdico descontrolo das finanças do SNS, por exemplo, seria bem mais justificado!

    Caro João,

    O último parágrafo do seu comentário é uma delícia!
    Numa expressão bem simples e caricatural, o meu Amigo suspreende e caracteriza, com grande fidelidade, as reacções governamentais a este plutónico episódio orçamental...

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  6. Caro paulo,

    Permita-me o comentário de que não é pelo atraso na informatização dos serviços públicos (sobretudo dos chamados serviços integrados no quadro da contabilidade pública) que existe hoje um enorme descontrolo na gestão da despesa pública...
    Antes disso há que ter em conta a enorme dose de amadorismo na gestão das finanças públicas - no caso da Saúde atinge proporções devastadoras.
    E temos ainda a cultura muito enraizada de que sendo o Estado a pagar, quanto mais se gastar, melhor...
    A somar a isso o conhecido fenómeno do aproveitamento pessoal dos gastos do Estado - em muitos casos com perfeita cobertura legal ou regulamentar - que atinge hoje dimensões incalculáveis, constituindo uma verdadeira endemia no sector público em geral...
    Não há sistema que resista a isto...o FMI vai ter que suar as estopinhas para dar cabo destas pragas...

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Caro Paulo,

    A notícia verdadeiramente escabrosa, hoje divulgada, segundo a qual o Ministério da Justiça, para pagar despesas correntes do ministério, "usou indevidamente" verbas (apenas € 320 milhões...) entregues aos tribunais por terceiros, como caução em milhares de processos,ilustra bem o estado calamitoso das contas públicas e até onde pode chegar a falsidade da versão oficial do défice orçamental...
    Trata-se de uma prática vizinha do crime de infidelidade, pois é uma apropriação abusiva de valores de terceiros, por estes confiados aos tribunais e que mais tarde ou mais cedo terão que ser restituídos!
    Ai o que o FMI tem para descobrir...eu não sei se vamos ter segundo caso grego, não sei não...
    A sua engraçada figura de retórica alplica-se aqui que nem uma luva...

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