quarta-feira, 11 de maio de 2011

Os piores de entre os cegos...

Unânime no seio de gente inteletualmente séria e honesta, a ideia que aponta para a atomização do Estado como uma das causas da indisciplina financeira, maxime, para o deficite público recorrente. Mas também a ideia de que não podemos continuar com esta tendência. A administração indirecta em Portugal é hoje não o produto de um processo de descentralização e especialização institucional, mas uma amálgama de institutos e fundações públicas cuja necessidade é discutida perante a sobreposição de competências com outras realidades orgânicas, mas sobretudo por não se perceber que acréscimo de qualidade vem trazer à prestação de serviços aos cidadãos. O mesmo se pode dizer de algumas das mais recentes criações deste governo nos domínios do sector empresarial, sendo para mim  expoente máximo o caso da Estradas de Portugal, S.A..
À medida que se vai levantando o pano que oculta as verdadeiras razões para o continuado e criativo movimento de transformar o Estado neste caldeirão de organismos - muitos deles incapazes de gerar receitas para cobrir, sequer, a despesa  com o seu funcionamento -, tornou-se nítido que os motivos para muitas das criações assentam na doentia preocupação de procurar subtrair as actividades de que se desempenham, aos mecanismos de fiscalização e controlo em especial da utilização dos recursos públicos que para eles são transferidos.
Julgava eu que iniciada uma fase de ajustamento forçada pela necessidade de recurso à ajuda externa excecional, os responsáveis políticos estariam finalmente solidários no propósito de estancar a tendência para a dissolução administrativa. Pois bem, enganei-me. Vem hoje publicado no Diário da República o Decreto Legislativo Regional n.o 13/2007/A  que aprova o regime jurídico dos institutos públicos e fundações da região autónoma dos Açores. A definição de um regime jurídico geral é em si mesmo uma boa medida, mas só se o conteúdo corresponder a uma disciplina que submeta ao princípio da estrita necessidade a criação de mais entidades públicas, neste caso no âmbito da administração regional, sem concessões quanto ao requisito da geração de meios para a sua sustentação financeira. Não é, porém, o caso deste diploma. Para além do princípio da necessidade estar afirmado em termos convenientemente vagos, na prática tudo permitindo e nada limitando, espanta como é que nele se admite, expressamente, a hipótese de existirem institutos públicos com personalidade jurídica, autonomia administrativa mas sem autonomia financeira!
Os piores dos cegos são, de facto, os que não querem ver...

3 comentários:

  1. Vivia-se uma atmosfera de "fin de règne" quando parti de Portugal em 1972. É com grande tristeza que, agora que voltei (ainda tentativamente...) encontro uma repetição do mesmo ambiente de naufrágio, entre os que se agarram aos privilégios adquiridos e a impaciência dos que já não estão para os aturar mais. Desta vez será a necessidade de reestruturar a(s) dívida(s) que obrigará a uma mudança de regime. Uma questão de (pouco) tempo.

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  2. Puxa Caged, isso é que foi pontaria :S

    Espero que tenha razão.

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  3. Caro JMFAlmeida
    Peço desculpa mas com erros de paralaxe não sairemos de onde estamos; aliás, é isso que, uma parte da classe política quer: confundir o debate.
    Estado, num regime de mercado, é um instrumento administrativo controlado pelo poder político ao serviço de um determinado modelo de mercado.
    Basicamente existem, hoje, dois modelos: o renano e o anglo saxónico. O primeiro é essencialmente, portageiro e o segundo essencialmente fiscalizador. No primeiro é mais difícil de entrar e quase impossível de ser expulso, o segundo é fácil de entrar e fácil de expulsar.
    O resto, em especial o que sucede em Portugal não é Estado, pode (parafraseando um general françês) ser uma magnifíco embuste mas não se trata de estado.
    Já não me recordo se foi o Pitigrilli que o escreveu num dos seus livros mas rezava mais ou menos assim: alguêm que faz batota num jogo de paciência, faz batota consigo mesmo. O que se passa em Portugal, com a desorçamentação mais não é do que batota conosco mesmo.
    O que me começa a preocupar é que, mais do que não saberem que estamos a fazer batota conosco mesmo, queremos mesmo fazer batota.
    Cumprimentos
    joão

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