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segunda-feira, 2 de maio de 2011

Tornar possível uma equação impossível

Não creio que haja, em Portugal, plena consciência da confrangedora situação financeira do Estado. Muitos têm abordado esta questão ao longo da última década, advertindo para o desgraçado rumo que ia sendo seguido. Incluo-me nesse grupo, tendo referido, em inúmeras ocasiões que a nossa “história” tinha tudo para acabar mal. Volto, neste texto, a tentar contribuir para clarificar a situação que enfren-tamos – mostrando por que o caminho a seguir vai ter que ser mesmo muito diferente (o que teria sempre que acontecer, independentemente do auxílio externo entretanto pedido).

As duas figuras aqui mostradas apresentam a evolução, ao longo dos últimos 16 anos terminados em 2010, dos valores (tomados em percentagem do PIB) das rubricas das Administrações Públicas “receitas fiscais e contributivas” e “despesas sociais e de funcionamento”. As primeiras são compostas por impostos directos e indirectos, e contribuições sociais; as segundas incluem prestações sociais (incluindo pensões de reforma, apoios sociais diversos e despesas de saúde) e despesas de funcionamento (subdivididas em massa salarial e consumos intermédios, que representam as despesas do dia-a-dia do Estado, maioritariamente em bens e serviços). Contudo, na primeira figura, aquelas receitas são mos-tradas em conjunto com as referidas despesas de forma desagregada. E que se nota no horizonte em análise? Uma tendência crescente das receitas cobradas, uma tendência ainda mais ascendente das prestações sociais e uma estabilização, em geral, das despesas de funcionamento. Porém, quando reu-nimos as despesas sociais e de funcionamento num único agregado (segunda figura), o efeito é devas-tador: em 1995, as receitas fiscais e contributivas eram superiores a estas despesas em cerca de 2 pontos percentuais (pp) do PIB (cerca de EUR 1.6 mil milhões); daí para cá, este gap foi, em geral, sendo progressivamente estreitado até que, em 2004, aquelas despesas passaram, também em geral, a ser superiores àquelas receitas. E, em 2009-2010, a diferença assumiu valores da ordem dos 5 pp do PIB, com as despesas sociais e de funcionamento a situarem-se entre EUR 8-9 mil milhões acima das receitas fiscais e contributivas. É esta, grosso modo, a diferença que existe entre a esmagadora maioria das receitas públicas (as receitas fiscais e contributivas situam-se entre 80% a 85% do total) e as despesas sociais e de funcionamento – que representam menos de 80% do total das despesas públicas. Arrepiante: os impostos e as contribuições sociais que pagamos são claramente insuficientes para fazer face às despesas correntes do Estado (em salários e em bens e serviços) e às despesas sociais! Trata-se, como é fácil de ver, de uma equação impossível… que, para se tornar possível – e tem obrigatoriamente que se tornar –, vai exigir indispensáveis e, certamente impopulares, medidas que tornem rapidamente este défice num excedente (porque, como acima referi, as “outras despesas públicas” – entre juros da dívida pública, investimento público, e outras despesas correntes e de capital – são maiores do que as potenciais “outras receitas” cobráveis – receitas de capital e outras receitas correntes).

Admitindo como indesejáveis novas subidas da carga fiscal devido a aumentos de impostos (que já danificaram em demasia a competitividade e o crescimento económico, de que Portugal precisa deses-peradamente e sem o que não resolverá nenhum dos seus problemas), é ao nível das duas categorias de despesas aqui referidas que – até pela sua dimensão – se terá que actuar.


Reformando e tornando mais eficiente um Estado tentacular e que inferniza a vida aos cidadãos; e reformulando o chamado “Estado Social” que hoje conhecemos: garantindo o apoio e a prestação de serviços, sem custos adicionais, a quem efectivamente não os pode suportar financeiramente – e não, como hoje sucede, a todos os cidadãos, independentemente do seu nível de rendimento. Com o progressivo envelhecimento da população, é esta a única forma de garantir a existência de um Estado Social que sirva os mais necessitados e desprotegidos. Quem afirmar o contrário não é sério nem está a ser verdadeiro.


Contas fáceis de fazer mostram a necessidade de uma descida das despesas de funcionamento entre EUR 2-3 mil milhões e das despesas sociais entre EUR 6-7 mil milhões para trazer estes dois agregados para níveis próximos dos comportáveis. É muito? Talvez. Vai doer? Vai. Mas é assim que vai ter que ser, porque há muitos e muitos anos que andamos a brincar com o fogo. O que fez esgotar a paciência e a tolerância dos nossos credores. Até ao ponto em que foi preciso FMI, Comissão Europeia e BCE instalarem-se no nosso País para garantir que a equação impossível vai, mesmo, tornar-se possível.


Nota: Este texto foi publicado no caderno Confidencial do jornal Sol em Abril 29, 2011.

3 comentários:

Tonibler disse...

Isto está demasiado "aritmético", caro Miguel. O volume das reduções necessárias não deve ser tão grande porque a própria redução vai fazer subir o PIB porque vai desalocar o trabalho para o estado em trabalho economicamente valioso e, por isso, vai ter um efeito multiplicativo.

E não vai doer assim tanto. Pelo menos não muito mais do que já doi.

Miguel Frasquilho disse...

Caro Tonibler,

Acredite que as contas estão por baixo. O montante a cortar em cada uma das áreas nao será inferior ao que refiro - a não ser que se queira subir os impostos, o que me parece de todo em todo (e mais uma vez) perfeitamente desadequado...

Tonibler disse...

Caro Miguel,

Se as contas foram "fáceis", como diz, não será tanto. Eu explico o meu ponto de vista começando por uma pergunta simples:

Se retirar 9 mil milhões às despesas de funcionamento/sociais, as pessoas vão comer menos 9 mil milhões? Quantos mortos de fome está a incluir nas contas?

Obviamente, ninguém vai morrer de fome. As pessoas que vão ser retiradas do fluxo de dinheiro do estado vão procurar compensar a falta desse fluxo por outro lado e vão efectuar trabalho mais valioso do ponto de vista económico. O trabalho valioso do ponto de vista económico tem um efeito multiplicativo e, por isso, o facto de deixar de gastar dinheiro vai ser suficiente para retirar mais receita fiscal, mesmo sem mexer no valor nominal dos impostos. Não será tanto.

É minha convicção que bastam alguns cortes (profundos, sim, mas... ) para quem em 2012 estejamos a crescer muito bem. Mas podemos voltar a fazer novas contas depois dos srs alemães nos darem notícias e depois "falamos"...