terça-feira, 1 de novembro de 2011

Entre a espada e a parede, o referendo grego

A Grécia gritou ao mundo que se sente entre a espada e a parede. O 1º Ministro escolheu a espada e com essa arriscada jogada política, de certo modo recolocou o problema no centro da política pura e dura, deslocando-a dos mapas orçamentais e das contabilidades da dívida. Ninguém queria ver o problema politico que engrossava como uma maré cheia. Havia já sinais muito visíveis das enormes dificuldades dos governo grego em continuar a aplicar medidas de austeridade umas atrás das outras, não serve de nada a “Europa” ditar ordens se internamente não há condições para as cumprir, insistindo em fazer leis que as pessoas pura e simplesmente se sentem incapazes de cumprir. Há dias, quando uma troika qualquer se instalou em Atenas para vigiar de perto a execução do “2º pacote”, muitos gregos sentiram-se “ocupados”, foi esta a palavra que usaram, uma ocupação. E isso, para os gregos, é intolerável, o governo ficou desautorizado e acabou a linha. Anunciou um referendo que deixou a Europa à beira de um ataque de nervos, todos pedem “soluções” mas esta é a solução que os gregos encontraram para evitar provavelmente um golpe de estado, aí está também, hoje mesmo, a demissão de todas as chefias militares. O problema económico e financeiro não se resolve à margem da politica, muito menos em democracia, há tempos de adaptação dos povos para, em tempo de paz, responderem ao que sentem ser uma agressão ao modo de vida que acreditaram que podiam ter. Quando, há dias, o Presidente francês e a Chanceler alemã deram um ultimatum público a Berlusconi para acelerar as medidas de austeridade, tiveram uma resposta torta, que a Itália sabia muito bem o que devia fazer. O Presidente francês, vindo da cimeira, fez um discurso aos franceses em que garantiu que os seus direitos estavam assegurados, que não ia beliscar o maravilhosos estado social, etc, etc. Cada um acalma como pode as tensões internas que se prevêem. Papandreu não podia ter feito isto? Mas fez. E talvez tenha impedido um golpe de estado, que seria ainda muito pior. Ele reconhece que já não pode fazer mais nada, que ou o apoiam interna e externamente ou o problema vai ser muito maior. E não será só económico, nem de dívida, o que já era bastante. O problema é profundamente político e provavelmente veremos muito em breve o que é que isso quer dizer. Para o bem ou para o mal.

18 comentários:

  1. Temo que depois de mais de 1 ano a adiar e protelar as medidas que mais tarde ou mais cedo são as únicas que podem resolver overdadeiro problema grego (gastarem mais do que têm), o primeiro-ministro arranjou um referendo para conseguir adiar tudo mais 3 meses.
    O "detalhe" de não ter contado a nenhum dos europeus com quem acabara de acordar novo pacote de ajuda e perdão de 50% (!) da dívida, nem sequer aos membros do próprio governo levanta mesmo suspeitas de se não teria umas apostazinhas a correr por fora neste evidente crash que se seguiu ao anúncio bombástico.

    Não é possível negociar com gente que não é séria nem ajudar quem não quer ser ajudado. O ideal é que caia já na sexta-feira e os gregos vão à sua vida, em default total, e que levem lá o tempo que for preciso a elegerem gente séria.

    A europa tem problemas bem mais importantes com que se entreter, nomeadamente resolver rapidamente a situação do país com a terceira maior dívida do mundo, governado por um louco inimputável e que tem cerca de 450 mil milhoes de dividas a vencer em 2012 quando os "mercados" vão pressionando os juros para perto daquele patamar dos 7% em que a espiral se torna incontrolável.

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  2. Caro Buiça, não será assim tão fácil à Europa desenvencilhar-se da Grécia, pô-la fora não resolve nada, e se não souberam resolver este problema como é que vão resolver os outros todos que se avizinham? De um modo ou de outro, é caso para dizermos que "somos todos gregos", nas costas dos outros vemos as nossas, diz o povo e é para levar a sério,creio eu.A Europa é um barco grande demais para perder lastro só com os gregos....

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  3. Num pequeno debate há uns anos aqui mesmo entre D. Justino e JMFA sobre a recusa do recém-eleito Sócrates e do PR em referendarem o tratado de Lisboa como tinha sido prometido em campanha, lembro-me de me ter metido na conversa (para variar...) porque havia argumentos válidos de ambos os lados para introduzir o ponto da responsabilização. E lembro-me de ter "dito" qq coisa como "toda a gente acha que vai correr bem. Se correr bem, vai correr bem para todos, se correr mal vai correr mal para quem recusou o referendo."
    A atitude do PM grego é de quem já percebeu que se correr mal, vai correr mal para ele. E correr mal, é levar um tiro ou coisa pior, porque a Grécia está prestes a entrar num buraco de onde se costuma sair com muitos mortos, principalmente governantes.
    Eu entendo (embora me cheire que me vai sair cara) a atitude do PM grego. E todos os países que não referendaram os seus empenhos europeus devem agora olhar para a Grécia e perceber para que serve o referendo. Serve para que no fim a culpa seja de todos.

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  4. Concordo consigo, caro tonibler, só que apurar culpas, só por si,não serve para nada, já se olharmos na perspectiva de que se trata de responsabilizar todos, talvez se consiga uma migalha, nenhum governante consegue coisa nenhuma contra a vontade das pessoas, pelo menos em democracia, tal como nos lembravamos dela.Talvez este seja um gesto desesperado de P. para salvar a Grécia, na medida das suas forças, talvez, digo eu, admitindo que a Europa também percebe isso. Pelo menos, o tom das reacções é muito suave, aparentemente perceberam ou, pelo menos, assustaram-se.Já é alguma coisa.

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  5. Anónimo01:33

    Caros amigos, a questão vai muito além da Grécia. E, note-se, compreendo plenamente os motivos de Papandreou para tomar a decisão de referendar a ajuda Europeia. Mas, parece-me, todos sabemos que o referendo (se o actual governo chegar até lá...) chumbará o pacote de ajuda e acabou-se a Grécia no euro. Ou não será que se acaba o Euro?

    O que está a passar-se na Grécia é expressão do erro original da União Europeia. Supor-se que seríamos todos capazes de falar a uma só voz, pensarmos todos da mesma maneira, termos todos os mesmos interesses, etc, etc. Sempre foi um erro porque, todos nós, antes de Europeus, somos Portugueses, Espanhois, Franceses, Gregos e por aí fora.

    Esta coisa toda da Grécia não é apenas a saída da Grécia da moeda única ou, sequer, a implosão do Euro. Estamos a assistir ao fim da utopia Europeia. E infelizmente com demasiados anticorpos, parece-me. O passo seguinte será um esgrimir de culpas entre França e a Alemanha.

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  6. Concordo em muito com a opinião do caro Zuricher.
    A solução para os países económicamente mais fracos, nunca deveria ter passado por mais empréstimos a juros impossíveis de cumprir, mas sim, e dentro do espírito que fez nascer a CEE e depois a União Europeia, apoia-los na produção e na exportação. Mas esta forma não daria à megalomania capitalista o ensejo de engordar, por isso...
    Não imagino quais venham a ser o resultados de decisão grega, mas é esperável que o referendo vá ditar a cessação dos pacotes de austeridade. A União Europeia vai ter de encontrar outra receita, para a Grécia e para si mesma.
    Como diz a cara Drª Suzana, o governo grego completou a linha, resta esperar para ver quem vai fazer "bingo"!

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  7. O problema da UE é tão só a percepção que os povos fizeram da União: um espaço onde podiam enriquecer, seja por excesso de produção ou por deficit de produção à custa do vizinho (que nunca deixou de ser vizinho e não irmão e amigo). Merkel e Sakorzy agudizaram o problema do lado da oferta ao reiterar internamente e marcar a diferença dos povos. Papandreou na incapacidade de explicar ao seu povo que o seu nível de vida não era consentâneo com o seu esforço produtivo. Passos na incapacidade de explicar ao seu povo que um povo capaz em qualquer acto da vida de "fanar" lençóis de Santa Maria, não é um povo que se possa elevar à condição de parceiro credível numa europa um pouco mais virtuosa.

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  8. A Europa é uma construção baseada na solidariedade. Sem solidariedade é impossível haver solidariedade. Depois de períodos de guerra os povos estão mais disponíveis para a solidariedade. No ambiente de excessiva competitividade e egoísmo as fracturas acentuam-se. O tempo é de egoísmos, só a guerra e a descarga dessa tensões parecem possibilitar o regresso a um estado de natureza menos agressivo.

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  9. Onde está sem solidariedade é impossível haver... deve ler-se ...europa.

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  10. Caro Zuricher,

    Não há grande probabilidade de o referendo sair desfavorável à união europeia. Isto porque uma coisa é o que dizem as sondagens e quem fala mais alto, outra coisa é o pensamento da maioria silenciosa que, em qualquer parte do mundo, é muito resistente a mudanças. E quando perceberem que não é o Euro, são as fronteiras, os acordos comerciais, os apoios à investigação, os fundos sociais, que vão voltar na melhor da hipóteses a 1984, o referendo está decidido.

    Claro que há sempre a hipótese de ganhar a facção independentista, mas é a Grécia. Preço baixo a pagar pela solução definitiva.

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  11. Agora estou realmente curioso para ver a reacção da "troika" ... assim de repente, aposto que vão pressionar os gregos para não fazerem nenhum referendo (onde é que já vi este filme?) ...
    Cara Suzana Toscano, um pequeno aparte ... as chefias militares foram "demitidas à força" :) Nem quero especular as razões e as consequências, mas está bom de ver que coincidência não é!

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  12. Caro AF,

    Duvido que a troika toda, mais Merkel e Sarkozy e trupe toda não soubessem. Mais, apostava que a ideia veio deles e o grego caiu na armadilha. Na primeira hipótese, a Grécia fica e será tudo feito porque os gregos o quiseram em referendo. Na segunda, os gregos são postos fora porque os gregos o quiseram em referendo. É win-win para o problema todo.

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  13. Caro Tonibler,

    Não sei se será assim tão linear ... para a malta da política, parece-me bem esse seu "plano" ... mas e a malta que realmente conta nesta história, o pessoal do papel, do guito, do graveto? Não me parece que vá ser assim tão linear ... e não se esqueça que ainda há as outras correntes da Europa "à força".
    Não, Tonibler, creio que a coisa vai ser mais uma vez à má fila.

    Bloomberg - EU Leaders Will Tell Papandreou Budget Cuts a Must

    Também li algures que "Netherlands Will Try to Get Greek Referendum Canceled, PM Says"

    Até porque os "mercados" já andam todos "histéricos" com a perspectiva do referendo. Mas também, os ditos andam histéricos por tudo e por nada ;)

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  14. Os mercados estão todos a subir hoje. Já devem ter feito as contas.

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  15. ... ou já sabem que não vai haver referendo, nos tempos mais próximos, pelo menos :)

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  16. Parece que não restam dúvidas de que a União Europeia se esgota, quando muito, na livre circulação de pessoas e bens... O sonho utópico da europa a uma velocidade, com uma única moeda, transformou-se num pesadelo que só muito poucos saberão como irá acabar...

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  17. Anónimo18:56

    Como eu me revejo nas suas palavras, Suzana. Não é necessário ter nascido profeta para vaticinar que, mais cedo ou mais tarde, com a Grécia ou qualquer outro Estado membro, o poder da polis teria de se fazer sentir numa união que preferiu viver segundo princípios de governança tecno-aristocrática. Está visto que nunca se deve ignorar, e muito menos desprezar uma coisa chamada povo, que quando sacrificado para além dos limites sem que os que escolheu como guias sejam capazes de o envolver nas decisões, é capaz dos maiores atentados à razão. Oxalá que a História não se volte a repetir e reproduza agora o que aconteceu noutras épocas não tão s distantes no tempo. E que se arrepie caminho e se dê valor às pessoas, muito para além do discurso político.
    Mas que é na falta de política e de políticos com dimensão que está o grande problema desta união que se quis fundamentalmente económica, ai disso não tenho dúvidas.

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  18. Ferreira de Almeida, o que é curioso é que parece que já ninguém sabe ao certo o que seja "política", convenceram-se, pelos vistos, que basta ter estudos, pareceres, análises jornalísticas e sondagens on line para basear as tais decisões económicas e apresentá-las ao povo como indiscutíveis. Inevitabilidade é uma palavra perigosa, sobretudo se for usada para dispensar a política. Vê-se o resultado.

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