segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Mais Círculo-Vicioso, menos Círculo-Vicioso, vale a pena essa discussão?

1. A comunicação social escrita e falada carece, como de pão para a boca, que as distintas individualidades servidoras da Pátria a abasteçam de frases sonantes ou mesmo bombásticas, matéria-prima essencial para o fabrico de títulos noticiosos e de infindáveis perorações de opinion-makers, visando manter aceso o interesse de leitores/espectadores pelas notícias do dia-a-dia ou da semana-a-semana...
2. ...vai daí, neste dealbar de um “promissor” 2013, saltou para título de notícia a sugestiva expressão “Círculo-Vicioso”, neste caso um círculo de austeridade–recessão/+austeridade, +recessão,+austeridade, + recessão, etc, etc, cuja erradicação foi invocada pelo PR como lema das nossas (escassas pelos vistos) ambições para 2013...
3. É evidente que o desejo, aspiração ou desafio emitido pelo PR sob esta expressão pode ser subscrito por qq cidadão medianamente bem-intencionado e não-dormente – quem é que não deseja sair desta aparente ratoeira em que nos meteram, em que doses crescentes de austeridade se combinam tão harmoniosa e sucessivamente com doses decrescentes de produto e rendimento gerado pela economia?
4. Apreciada a essa luz, a proclamação presidencial até seria perfeitamente anodina e não justificaria a sua elevação a título destacadíssimo de notícia e tema de infindáveis comentários.
5. O que conta, todavia, não é o sentido simples das coisas que se dizem mas a aparente intenção com que se dizem – e, neste caso, a aparente intenção estará na utilização desta expressão, “cum granu salis”, bem no miolo da proclamação presidencial, para transmitir o voluptuoso odor da crítica à política governativa...
6. Devo confessar que, no pantanal que estamos atravessanado, suscitar esta “leve malícia” do Círculo-Vicioso austeridade - recessão, não se me afigura ideia muito auspiciosa, por diversas razões:

(i) Porque a correcção dos desequilíbrios fundamentais da economia portuguesa nunca teria sido possível sem um programa de ajustamento do tipo que foi acertado com a dita Troika, por muito mal que desse programa se diga, para gozo de tantos e tão talentosos comentadores;

(ii) Porque a dinâmica austeridade-recessão não é propriamente um Círculo-Vicioso mas sim uma necessidade lógica de adequação do nível de despesa (consumo+investimento) aquilo que somos capazes de produzir sem termos necessidade de aumentarmos o endividamento da economia porque isso não é aliás possível;

(iii) Porque, a não termos optado por esse caminho de austeridade-recessão, o percurso alternativo - que aliás “estava mesmo à mão”, era só hesitar mais umas semanas - teria sido um real “estoiro” do Estado à boa maneira neo-liberal que nos traria hoje bem mais zangados do que (justamente) nos encontramos;

(iv) Porque se já chegamos a 2/3 do percurso, como assevera o FMI e a douta Lady Lagarde ainda ontem nos recordou simpaticamente, começar agora a discutir se temos de acabar com este Círculo-Vicioso pode bem ser a mais eficaz maneira de voltar ao início, repetindo alegremente o percurso já percorrido...

7. Assim sendo, tanta agitação em torno do Círculo-Vicioso austeridade - recessão serve-nos realmente para quê? Para entretenimento de Ano Novo, de duvidoso gosto? Para esquecer mágoas de sportinguistas (como eu)? Neste último caso talvez se possa aceitar, mas só mesmo nesse caso...embora o Círculo-Vicioso consista mais propriamente em derrota, nova derrota, mais uma derrota, etc, etc...e tb não se veja ainda como possa ser cortado...

13 comentários:

  1. Corroboração. Se até um Artur Batista da Silva serve para corroborar as posições que os media já têm à partida, as palavras do seu antecessor no cargo também servem...

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  2. Essa do círculo vicioso é a análise mais ignorante que pode ser feita.
    Porque se a ideia do círculo funcionasse, também funcionaria em tempos de prosperidade, onde o círculo virtuoso de mais despesa, mais consumo, mais investimento, mais actividade económica, mais emprego, mais consumo, etc, etc, etc, não teria fim. Isto é, logo que chegados ao círculo virtuoso, nunca mais de lá sairíamos, teríamos um círculo perene.
    Acontece que nada disto é assim.
    Não há círculos, há ciclos, há muito definidos. E há políticas que favorecem a saída dos maus e a emtrada nos bons ou a saída dos bons e a entrada nos maus. Mas políticas que não podem ser julgadas de forma primária, como muitas vezes sendo hábito em Portugal.
    O que não quer dizer que o Governo, na minha visão, esteja a fazer tudo certo. Tem feito, aliás, alguns erros. Por exemplo, estímulo ao investimento não se faz com alta de impostos, ou com demoras na tomada de medidas para uma justiça eficaz, ou com a quase nula redução de custos de contexto, ou com a não obtenção de uma verdadeira concorrência, ou com a não efectivação de cortes nas rendas das eólicas ou das SCUTS, tudo afinal coisas que não custam dinheiro.
    Sem esquecer que muita coisa se pode fazer e era obrigação fazer, a tendência não pode ser outra.

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  3. Caro Tonibler,

    O seu sarcasmo impagável sempre que se trata desta Magistratura política, já deu, pelo menos, para perceber quem é o seu favorito na próxima corrida a Belém!
    E, a avaliar pela amostra, parece que vamos ter uma corrida bem louca!
    Será que os demais candidatos, alguns deles saídos provavelmente da sua estimada oposição formal, estarão à altura deste robustíssimo concorrente?

    Caro Pinho Cardão,

    Para se poder concluir que o Governo nem tudo faz bem, não me parece que seja preciso estar muito atento...
    Mas não é do Governo que estamos aqui a tratar, mas sim das opções fundamentais de política económica, que o País - dois sucessivos governos - se comprometeu a aplicar para permitir que a economia possa vir novamente a respirar e a crescer sem a restrição crítica do financiamento.
    Algo cuja realização a pouco e pouco se vai percebendo, basta olhar para a evolução das taxas de juro que mesmo para as empresas não financeiras estão gradualmente a reduzir-se - isto para além da questão primacial da correcção dos desequilíbrios externos, perceptível desde há mais tempo.
    É isto que os Crescimentistas não conseguem (ou não querem) admitir e que esta ideia algo bizarra do Círculo Vicioso também não ajuda a entender.

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  4. Para mim o círculo vicioso é a espiral recessiva com outro nome. Para mim não existe tal. Já escrevi no meu blog: «Mas o que mais me espantou foi Cavaco Silva ter ido buscar ao ideário da esquerda o fantasma da espiral recessiva. Já há meses que escrevi aqui sobre o tema e justifiquei a minha ideia de que não há, pelo menos no caso do nosso ajustamento, qualquer espiral. Por definição, uma espiral evolui inexoravelmente para patamares cada vez mais afastados e a velocidade crescente, o que não se está a verificar. A ser verdade, a recessão deste ano seria inevitavelmente mais grave do que a de 2012, o défice teria de ser superior e assim por diante. Gostaria que Cavaco explicasse como chegou à conclusão da existência de tal espiral.»
    Talvez esteja enganado, mas é o que eu penso.

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  5. Caro Tavares Moreira, o ABS é a verdadeira figura agregadora dos crescimentistas, desde os cavaquistas, até aos mais ilustres dos teóricos de Coimbra.

    Os primeiros vão ficar orfãos da sua referência, que deve voltar a escrever nos jornais sobre moedas más e a forma como moedas perfeitamente circuláveis foram afastadas da presidência durante 10 anos, e virar-se para a figura com posições próximas sobre os grandes temas da economia.

    Os segundos devem ver em ABS a figura que unirá, finalmente, a grande esquerda, até porque os doutoramentos no estrangeiro dos vigaristas disponíveis não devem estar prontos a tempo da candidatura.

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  6. Senhores Doutores Tavares Moreira e Pinho Cardão:

    Defendam o governo como entenderem, a sua política que tão bons resultados tem dado, até já foi preciso alterar os objectivos, antes eram os resultados que contavam agora é o percurso, uma minudência, a geometria variável foi inventada para ser usada, não é?).
    Como dizia, os bons resultados da teimosia chicaguiana/friedmaniana de Gaspar/Passos já levou o défice para muito aquém da Troika (o 1.º ministro queria ir além da dita, lembram-se?) e a dívida idem (já está perto dos 200 mil milhões, nem o pulha do Sócrates faria melhor, perdão, pior), mas ao menos sejam rigorosos na semântica.

    Retirado do Ciberdúvidas:
    «[O Nosso Idioma]
    «Ciclo vicioso», ou «círculo vicioso»?
    Sandra Duarte Tavares
    A expressão correcta é «círculo vicioso».
    De acordo com alguns dicionários, esta expressão designa uma sucessão, geralmente ininterrupta, de acontecimentos que se repetem e voltam sempre ao ponto de origem, colidindo sempre com o mesmo obstáculo.
    Na doutrina de Aristóteles, esta expressão designa uma falha lógica que consiste em alcançar dedutivamente uma proposição por meio de outra que, por sua vez, não pode ser demonstrada senão através da primeira.
    Por conseguinte, faz todo o sentido que a expressão seja círculo, uma vez que as situações se vão repetindo sucessivamente, provocando um impasse, isto é, A dá origem a B e, por sua vez, B dá novamente origem a A. Assim, não se sai do círculo!
    A palavra ciclo, por sua vez, designa uma sucessão de fenómenos sistematicamente reproduzidos em períodos regulares.
    03/09/2010».
    É sempre bom ver o desvelo com que os pais olham para os filhos feios e os acham sempre bonitos.
    A paternidade é um grande estado que aos seres humanos é dado viver afectivamente.

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  7. A espiral recessiva existe porque a receita fiscal está a descer, ao contrário das previsões no inicio de 2012.

    A espiral recessiva deixa de existir quando o governo e a troika perceberem que não é possivel ter como objectivo um valor do deficit publico abaixo dos 6% quando já se está em recessão.

    Ou seja , se o objectivo para 2013 fosse um deficit de 6% em vez dos 4,5% fantasistas, não seria necessário um colossal aumento de impostos e o resultado fiscal seria praticamente o mesmo.

    Isto é macroeconomia elementar, quando se usa um multiplicador realista entre 1 a 1,3, como é o caso normal.

    E como as contas externas já estão equilibradas desde Maio, esse problema já não se põe.

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  8. Caro Pereira,

    Se cortar todos os salários públicos para metade garanto-lhe o défice acaba. Não para 4.5%, mas para ZERO. O mal do governo é não o fazer porque parece que é inconstitucional...

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  9. Caro Freire de Andrade,

    A sua interpretação está correcta, na minha modesta opinião.
    De facto, até no plano da análise diferencial a utilização do étimo "espiral", para caracterizar uma quebra da actividade que acelerou em 2012 mas que deverá abrandar no corrente ano - podendo mesmo ser invertida na segunda metade do ano - parece inadequada.

    Caro Manuel Silva,

    Defender o Governo? Mas como lhe ocorreu tão deslumbrante conclusão?
    Não existe, no texto deste Post, qq sugestão (sequer) de defesa do Governo; apenas se pretende chamar a atenção para uma análise da dinâmica da actividade económica que se afigura inadequada.

    Caro Paulo Pereira,

    Uma coisa é o ritmo da actividade económica, medido (bem ou mal) pelo PIB, outra coisa é a evolução da receita fiscal.
    Como bem notou o FMI nos últimos relatórios de avaliação do PAEF, está a registar-se um fenómeno de transferência de recursos para actividades (exportadoras) a qual, sendo benéfica para a economia, é penalizadora da receita fiscal (tem penalizado a receita de IVA).
    Nada de confusões, pois.

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  10. Caro Tavares Moreira,

    Exactamente por isso que insistir num deficit fantasioso de 4,5% é um erro crasso.

    O que interessa são as contas externas equilibradas tal como o FMI dizia em 1984, depois a economia resolve o resto com tempo e com incentivos fiscais à criação de emprego e ao investimento nos sectores transacionáveis, tal como se fez em 1985-1989.

    Porque será que os economistas de esqueceram disto que era standard nos anos 80 ?

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  11. Caro Paulo Pereira,

    Que eu tenha percebido só o ilustre Comentador continua insistindo ou persistindo no rigor desse objectivo (nesta nossa dialética, entenda-se)!
    Pela minha parte já aqui disse e repito que um défice de 4,5% ou de 5,5% - que não seja resultante de uma imperdoável derrapagem na despesa descricionária, entenda-se - na condição de a economia continuar e mesmo acentuar o processo de correcção do desequilíbrio externo, será praticamente indiferente.
    Não desvalorizo, como é evidente, a necessidade de um adequado tratamento diplomático do assunto, para que não haja uma quebra na boa relação com a dita Troika...
    Mas repare que já este ano o objectivo foi corrigido de 4,5% para 5,5%, sem que tivesse havido uma comoção nacional ou internacional.
    Nesta altura, de facto, só noto o seu muito especial nervosismo sobre esta matéria...porque será? Tem algum segredo que não possa revelar? Se assim for, esquecemos o assunto!

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  12. Caro Tavares Moreira,

    Concordo consigo que passar para um deficit de 4,5% para 5,5% não traz qualquer mal ao mundo .

    Aliás na Irlanda e na Espanha o FMI diz que não há mal nenhum se o deficit for superior a estes valores.

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  13. Caro Paulo Pereira,

    Estamos de acordo (neste ponto) e ainda bem, já conseguimos fazer algum progresso. Aguardemos agora pelo duro debate em relação à reforma do Estado (no sentido de uma indispensável redução do seu peso estrutural) que agora e FINALMENTE se iniciou, "in earnest", com este decantado e bem interessante relatório do FMI.

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