domingo, 22 de fevereiro de 2015

Um singelo atentado contra a vida de uma desafortunada. Nada que possa desviar a nossa justiça dos casos premiados pelos media.

Ouvi a notícia ontem pela primeira vez. Hoje é repetida, hora a hora, no telejornal de uma das TV. 
A estória, apesar de trágica, é o pão nosso de cada dia. Uma mulher espancada pelo marido, em plena via pública e à vista da filha de 5 anos de idade. Com violência tal que o energúmeno se convenceu que tinha posto fim à vida da sua vítima de há muitos anos. Detido e presente à senhora juíza de instrução criminal terá sido libertado após primeiro interrogatório e sujeito a termo de identidade e residência. A mulher, essa, pediu proteção à comunicação social na esperança, julgo eu, de a denúncia pública assustar mais o seu agressor diário do que as autoridades que em nome do Estado deveriam garantir a sua dignidade, a sua integridade física e a inviolabilidade da sua vida. Bem como proteger a sua filha de um rematado canalha. 
Notei desde logo que a forma como a notícia é dada revela que a censura mais forte é dirigida a senhora juíza de instrução que, perante a barbárie, devolveu à liberdade um potencial assassino, recusando-se a afastar o agressor da sociedade até ao julgamento e a prevenir um fim ainda mais trágico do que a tragédia da agressões continuadas.
"Não se entende!", "Como é possível?!" ouço comentar ao meu lado. Eu explico. Na audição ficou claro que se tratava de um crime contra as pessoas e não contra o Estado ou contra a moralidade oficial. Na verdade, nem o ministério público nem a senhora juíza foram confrontados com vestígios daquilo que constituem práticas hediondas, mesmo que só suspeitas. Essas sim merecedoras de um imediato isolamento do agente, antes de qualquer culpa formada, não vá a sociedade enlouquecer, apavorada com a perspetiva de contágio. Não foram achados indícios de fraude fiscal, de branqueamento de capitais, de suborno. Provavelmente até se apurou que a taxa de saneamento básico o energúmeno tinha em dia. Trata-se, pois, somente, de um vulgar caso de ódio assassino de um homem contra uma mulher frágil e a imposição de marcas indeléveis  numa criança.
Ora, desde quando é que o ódio assassino ocupa lugar no discurso político, naquele discurso onde assentam as prioridades criminais?
Por isso, vai aqui o meu aplauso para a meritíssima pela sua acuidade fiel às prioridades da justiça. 

A vítima? Faço votos para que encontre uma mão protetora, uma alma amiga e corajosa que a esconda.

11 comentários:

  1. Anónimo15:34

    Caro Ferreira de Almeida, este é um caso em que não posso eximir-me a traçar um paralelo com Espanha onde as questões de violencia doméstica são muito propaladas e saem sempre no Telediario, a ponto de eu já me ter interrogado sobre se haverá alguma lei que obrigue à difusão pública destes casos. Não sei se há ou não mas dada a cobertura mediática de todos e cada um não me surpreende nada que haja.

    No Inverno passado, involuntariamente, vi-me envolvido num caso destes entre um casal que não conhecia de lado nenhum. Ao subir uma avenida principal de Alicante no Inverno passado, um dia de semana a horas às quais as pessoas de bem já não devem andar na rua, reparo num homem a espancar e a empurrar uma mulher, ambos jovens, entre os 25 e os 30. Parei o carro de forma bem visivel (o meu carro já de si o é muito tanto pelo tamanho como pelo seu ruído natural e parado no meio duma avenida é impossivel não reparar nele). O homem parou o que estava a fazer e, mantendo a mulher segura, encostou-se numa porta. Por meu lado chamei a Polícia Nacional tendo o cuidado de confirmar com a operadora se me estava permitido enquanto cidadão intervir se achasse necessário o que a operadora me confirmou.

    Não esperei muito. Talvez não tivessem passado três minutos quando chegou uma patrulha da Polícia Nacional que tomou conta do assunto.

    A violência doméstica é uma questão que a sociedade Espanhola abraçou há uns anos e há verdadeiro empenho em diminui-la tanto quanto possivel. Não tem, de todo, o tratamento displicente que refere no seu post.

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  2. Ora, isso é mais um dos males do mundo, seja qual for o espaço geográfico.
    Por aqui, Brasil, é o que mais se depara.A vítima, cansada de apanhar, procura a Justiça. Esta, registra. Mas logo o carrasco é posto em liberdade, dada a ampla oportunidade de brechas na Lei. É quando ele retorna e, desta vez, com mais ódio pela vítima, espanca-a até à morte (não tão raro).A tal medida protetiva, ironicamente, não protege ninguém. (Desculpem, protege, sim. Se o assassino é preso,logo é, de novo,solto, porque demonstrou bom comportamento(?). E pergunto, onde iremos parar?)

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  3. Meu caro Zuricher, posso ter abusado na dose de ironia no post, mas faço-o como escapatória, para evitar verter para palavras o que me vai na alma neste domínio. Não quero que entenda do que escrevi que entre nós os problemas da chamada violência doméstica não estão na ordem do dia. Ou que não existe uma consciência coletiva da alta censurabilidade destas condutas. Quis chamar a atenção para este caso que é real, não é ficção. E a menos que quem o divulgue tenha falseado o que tornou público, a decisão do tribunal também é infelizmente a realidade neste caso como noutros..
    O que quero significar é que no tratamento judicial, mas também no policial, os crimes contra as pessoas não são hoje a prioridade do Estado. Não foi por causa deste tipo de crimes que se reviu o Código Penal mais de três dezenas de vezes e o de Processo Penal vezes sem conta. Não é deles que o sr. Presidente da República fala na abertura do ano judicial. Ou de que falam os governantes ou os lideres dos partidos, os deputados. Hoje, o Estado muscula-se antes de mais para defender os seus interesses patrimoniais. E persegue e pune, sem prova concludente e de preceito, comportamentos que no domínio das relações privadas impõem ao lesado que ande pelos tribunais a tentar cobrar o que lhe é devido, ainda por cima pagando ao Estado pela justiça que quase sempre chega tarde. Quando chega. Se a lesão for naquilo que deveria ser sagrado - o bom nome, o direto à imagem, à privacidade - então por muito que se pague ou que se espere, a justiça não chega, sacrificada que é a valores mais altos, como por exemplo o voyerismo, o gosto pela bisbilhotice, a denegrição que faz vender publicidade e aumenta o taxas de audiência, a que chamam direito de informar.
    Enfim, desabafos de quem começa a sentir-se fora de tempo...

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  4. Meu caro Chama a Mamãe, é, pois, uma questão que atravessa os tempos e não conhece fronteiras. Só re- hierarquizando valores e princípios, Mas quem aí como aqui está disposto ao incómodo? Afinal só acontece com os outros...

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  5. Anónimo16:56

    Caro Ferreira de Almeida, peço desculpa por não ter alcançado o objectivo do seu post. Mea culpa, coisas que acontecem quando se fazem duas coisas ao mesmo tempo.

    Estamos então de acordo. Os crimes contra as pessoas há muito que vêm sendo menorizados. De qualquer forma é-me dificil argumentar neste plano dado a concepção que tenho de sistema judicial, os seus objectivos sobretudo, e da sua aplicação através do sistema prisional, ser totalmente diferente das concepções actualmente vigentes na Europa. Por este motivo é-me muito dificil falar sobre um sistema com o qual não concordo de alto a baixo e ao qual não vejo reforma possivel sem alterar-se primeiramente a filosofia subjacente.

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  6. Não. Não só acontece com os outros. A violência, em todos os níveis e segmentos, está mais próximo a nós do que imaginas. O que ainda não atingiu - e não estamos desejando que aconteça -foi a classe que tem poder para mudar a legislação. Isso só acontece quando o caso envolve alguma celebridade, tanta a repercussão que a "nova" alteração até tem nome da vítima. E isso é bom, porque nem que seja desse modo vamos tentando chamar à atenção para esses crimes.

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  7. Nestes casos, aplique-se a lei de talião; juíza inclusive.

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  8. José Mário
    O seu post reflecte o que penso e o que sinto. Como pode esta mulher e a filha regressarem a sua casa?
    Os crimes materiais ganharam primazia sobre os crimes de sangue (aqui estou a incluir a violência doméstica), não apenas em relação às penas aplicadas mas também em relação aos meios judiciais e de protecção às vítimas colocados à disposição.
    Como pode um tribunal mandar para casa um homem que exerce sobre a sua mulher a violência descrita? O que está a fazer é dar-lhe a "arma para a mão"! Mas que correcção e protecção jurídica é esta? Pelos vistos a juíza preocupou-se com o agressor. E com a vítima o que decidiu?
    Todos estes casos que têm sido noticiados - mais recentemente o assassinato de mulheres à queima roupa sucedem no espaço público - mostram-nos que é preciso fazer mais para prevenir e corrigir esta violência que nos deve envergonhar a todos sem excepção.

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  9. Caro JMFA, este é o texto para o qual não tenho palavras suficientes para elogiar. Fez ICS um 'bravo!'

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  10. Caro Zé Mário, insondáveis, estes critérios de perigosidade social...

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