quarta-feira, 5 de janeiro de 2005

As listas, Gresham e Aristófanes

As listas de candidatos a deputados aí estão. A sucessão de episódios e declarações atestam a tensão, mas revelam ainda mais as espectativas e o verdadeiro estado de espírito com que cada uma das forças partidárias encara o próximo acto eleitoral. A simples comparação da forma como decorreu o processo de escolha dos candidatos nos dois principais partidos denuncia como, no PSD, se interioriza a derrota e como, no PS, se prepara o regresso ao poder. Basta avaliar as segundas linhas, os que ocupam posições correspondentes a lugares elegíveis e a chamada "zona cinzenta", para se perceber o que vai no espírito de quem teve a responsabilidade de fazer a ordenação. É a diferença entre quem se une em torno de uma ambição comum e quem se atropela para chegar primeiro ao salva-vidas mais próximo.

Se Cavaco Silva se lembrou da lei de Sir Thomas Gresham, eu prefiro recordar as palavras certeiras de Aristófanes na fala do Corifeu (As Rãs):

"Muitas vezes nos pareceu que esta cidade se conduz com os cidadãos honestos como a moeda antiga em relação à nova moeda. Com efeito, das antigas, que não são adulteradas mas as mais belas de todas as moedas, e as únicas bem cunhadas e bem sonantes em curso entre os gregos e os bárbaros por toda a parte, não usamos, como parece que devia ser, mas fazemos uso destas más de cobre barato, cunhadas de ontem e anteontem, com a pior das cunhagens. Assim, aos cidadãos que nós sabemos que são bem nascidos e prudentes, homens não só justos mas pessoas de bem, educados nos ginásios, nos coros e na música, nós afastamo-los, e fazemos uso para tudo dos de cobre, estrangeiros, ruivos, maus e de má gente, os últimos chegados, de quem a cidade anteriormente se não serviria com facilidade, por ventura, nem como vítimas expiatórias. Agora, ao menos, ó insensatos, mudai de hábitos, seleccionai de novo os seleccionáveis. E se fordes bem sucedidos, a glória é vossa. No caso de insucesso, se sofrerdes algum mal, dareis aos sábios a impressão de vos terdes enforcado de boa árvore."

"As Rãs" foi representada pela primeira vez no começo de Fevereiro de 405 a. C., nas festas Leneias. Viviam-se os últimos momentos da guerra do Peloponeso. No verão, a esquadra ateniense é surpreendida e destruída pelo general espartano Lisandro. Atenas rende-se em Abril do ano seguinte.

Em política, quando a "boa moeda" expulsa a "má moeda", as consequências podem ser terríveis.

Pelo menos, poderiam dar a "impressão de vos terdes enforcado de boa árvore".


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