segunda-feira, 21 de fevereiro de 2005

Sem sombra de dúvida

Com os resultados quase fechados (faltam 4 deputados dos círculos da emigração), não resta qualquer sombra de dúvida sobre o que muitos pediam: uma maioria legítima, clara e sólida, capaz de conferir autoridade e poder para, durante os próximos quatro anos, governar Portugal e superar a crise económica e de confiança que se instalou no país. Desde os governos resultantes de duas maiorias absolutas de Cavaco Silva que tal não acontecia. Vamos por partes:
Presidente da República – muito contestado, primeiro à esquerda, depois à direita, Jorge Sampaio respira e sorri de alívio perante os resultados eleitorais. Quer gostemos ou não, soube interpretar, em cada momento, a conjuntura, as alternativas e o sentimentos dos portugueses que representa. Quem o atacou pelas decisões que tomou saiu diminuído (Ferro Rodrigues e Santana Lopes, principalmente).
Eleitorado – contrariou a tendência crescente da abstenção, fazendo-a reduzir em 2,5 pontos percentuais. Não é muito, mas o suficiente para dar um sinal. Uma parte do eleitorado tradicionalmente abstencionista, em situações de alguma crispação, larga as “pantufas” e reforça o “contingente da mudança”. Foi assim em 1995, repete-se o movimento dez anos depois.
PS – pediu a maioria absoluta e o eleitorado concedeu-lha com margem mais do que suficiente para não existir qualquer “mas…”. É um voto de confiança forte, mas também exigente para o futuro. O Eng.º José Sócrates fica para a história como o primeiro líder socialista a obter uma maioria absoluta em 30 anos de democracia. Não tem que “receber lições” de ninguém, nomeadamente à esquerda, quer de soaristas e alegristas, quer dos eternos “genuínos”, PCP e BE. A primeira prova de fogo vai ser a constituição do Governo: daí virão os primeiros sinais.
PSD – Obteve o pior resultado eleitoral de sempre: 72 deputados. Na melhor das hipóteses igualará o resultado de 1976 (73 deputados). Mas mais grave do que isso, fê-lo delapidando aspectos fundamentais do seu próprio património político, dividindo em vez de unir, ignorando em vez ouvir, submetendo-se às vontades de um líder o que deveria ser assumido como desafio colectivo. Não contente com o acontecido, Pedro Santana Lopes vai agravar a já débil situação do partido: quer ir a Congresso para comprometer o PSD na sua candidatura presidencial. Este homem só pensa nele e tentará arrastar o maior número na sua queda.
PCP – Recuperou a 3.ª posição, com escassa vantagem, através de uma coisa simples: a surpreendente imagem de humildade e simpatia do seu líder. Confesso que não era esta a imagem que tinha de Jerónimo de Sousa.
CDS-PP – Portas quase conseguia o milagre: controlar os danos de pertencer ao último governo. Teve uma atitude digna na hora do reconhecimento da derrota. Um exemplo que deveria ser seguido por outros e não foi.
BE – Rompeu o limiar característico das forças de extrema-esquerda. Mais que duplicou os votos e quase triplicou o número de deputados. Reflecte o radicalismo de uma pequena mas importante parte da classe média urbana, intelectualizada, jovem e com perspectivas frustradas de aceder ao “bem estar social”. Vai ser uma dor de cabeça para o Governo de Sócrates em sectores muito delicados (professores, ensino superior, cultura, comunicação social).

A ver vamos!

5 comentários:

  1. Acerca do BE: a Ana Drago disse ontem que a subida implicava terem eles angariado votos fora da sua coutada tradiconal dos jovens urbanos. Um almoço com o meu sogro, que é incontroversamente um proletário malandro, confirmou isso mesmo. É uma amostra de um e vale o que vale.

    ResponderEliminar
  2. Creio que esta foi das melhores análises políticas que já vi nestes últimos tempos. Esta sim, pode-se dizer que é imparcial. Tenho visto por cá dos melhores textos que se têm escrito sobre política, principalmente, por serem pessoas que se afirmam de uma determinada área política, mas mesmo assim mantém essa clarividência que raramente se encontra. Este é o caso.
    Quanto ao resultado eleitoral, como socialista que participou activamente nesta campanha, fico feliz, claro que fico. Agora, com sinceridade, a maioria absoluta de Sócrates deve-se, em grande parte, aos problemas internos do PSD. Só é preciso, apenas, saber até que ponto o PS tem/tinha consciência disso mesmo.
    O PSD nunca recuperou, como se tem visto, das maiorias absolutas de Cavaco Silva e ainda hoje sofre com isso. Espero que o mesmo não aconteça, um dia mais tarde, no PS.
    Agora o PS só tem um coisa a fazer: meter mãos à obra.

    ResponderEliminar
  3. Olá, olá! Um amigo falou-me deste blog e eu vim cá dar uma espreitadela. Assim sendo (e já que aqui estou), dou os parabéns a estes "bloguistas" colunáveis porque aqui têm um espaço muito agradável e interessante.

    Quanto aos resultados das eleições de ontem, já escrevi sobre isso no meu blog (http://diariodoanthrax.blogspot.com/), e não estou com grande vontade de falar mais sobre o assunto (até porque não sou tão eloquente como os senhores que por aqui andam. Aquilo que vocês fazem a sério, eu faço a brincar porque é a minha maneira de me exprimir). Mas se não se importarem, no meu Diário vou incluir um link para o vosso blog, porque afinal a brincadeira também tem o seu lado sério.

    ResponderEliminar
  4. Anónimo14:16

    Creio que as reflexões dos próximos dias permitirão melhor perceber as razões de natureza política, mas também sociológica, dos resultados eleitoriais.
    O Engº Sócrates teve como aliados, sem dúvida, o Senhor Presidente da República (o qual, ainda que não premeditamente, prestou o melhor serviço ao PS pondo à prova Santana Lopes e contribuindo para por termo à penosa liderança de Ferro Rodrigues). Contou ainda com a prestimosa e nunca vista colaboração dos media, não tanto pela promoção da sua mensagem e da sua imagem e da do PS, mas sobretudo pela destruição implacável de qualquer afirmação de Santana (estas eleições marcam o fim do mito da neutralidade dos media).
    Mas também há que dizer, com toda a clareza, que dos 500 mil votos que o PS ganhou em relação às últimas eleições legislativas, boa parte se deve à campanha eficientíssima que figuras destacadas do PSD fizeram contra Santana Lopes. Esse foi, a meu ver, um dos factores que, não habilitando Sócrates, contribuiu para acentuar o descrédito de Santana e resultou, muito naturalmente, a benefício daquele e do PS.

    ResponderEliminar
  5. Prof. David Justino, já aqui lhe elogiaram a qualidade do texto e a isenção, mas gostaria de reafirmá-lo – esta sua análise é a mais objectiva, criteriosa e desapaixonada de todas as que li neste rescaldo eleitoral. Para mim, exemplar. O que é tanto mais de louvar, dadas as suas particulares circunstâncias – fez parte do governo de Durão Barroso e viu a sua acção à frente do Ministério da Educação interrompida por caprichosa antipatia pessoal de Santana Lopes.Com os elevados custos que esse capricho teve para o país. Embora, neste momento, não haja vantagem, nem inconveniente, em fazê-lo, importa que fique dito que este terá sido o primeiro grande erro de Santana Lopes, como o tempo o demonstrará.
    Em boa hora, retomou, Prof. David Justino, a sua intervenção activa em prol da educação. Como premonitoriamente escreve nas linhas finais deste texto, será neste domínio que um dos mais importantes, se não mesmo o mais importante, dos desafios que o PS enfrenta agora vai claudicar, infelizmente. Porque está em causa o país, e não um qualquer partido, competirá a uma oposição consciente, e consistente, impedir que isso aconteça. Nem que para isso seja necessária a grandeza de espírito para ajudar o adversário a vencer. Este PSD do nosso descontentamento não sabe, mas a social-democracia precisa de si para essa nobre tarefa.

    ResponderEliminar