O debate parlamentar de hoje com a presença do Governo teve como tema o estado da justiça. E deu o mote para este post.
Confesso que hesito sempre no momento de escrever sobre este temática. Às tantas, de tão intensamente vividas e sentidas as vicissitudes do sistema ao longo de mais de vinte anos de prática do Direito, tenho receio que a análise - que se há-de ter por minimamente objectiva - se transforme afinal em desabafo ou em lamúria imensamente maçadores para quem por aqui passa. E receio mais: que eu não dê pelos bocejos...
Corro mais uma vez o risco porque julgo útil dar aqui algumas informações sobre o estado das coisas concretas da justiça, aquelas que são menos faladas mas que são as que verdeiramente exprimem a situação a que se chegou depois de inúmeras "reformas".
Talvez um dia veja interesse em despertar algum debate, neste pequeno mas por vezes animado forum, sobre as razões da crise em que está mergulhado o sistema que nos deveria garantir as liberdades, proporcionar segurança e assegurar a paz social. Por ora é inútil fazer mais diagnósticos. Estão feitos e refeitos e até nem é complicado apontar responsabilidades e achar responsáveis.
De bem raro, o serviço de Justiça passou a ser o mais disponível dos bens, ao alcance de quem tem propósito na queixa, mas também de quem se queixa a despropósito. Hoje tudo verdeiramente é posto em causa. E de causas se fazem e se enchem os tribunais.
O Governo divulgou a intenção de mais uma mexida nas leis estruturantes dos processos de modo a aliviar os tribunais do que considera serem minudências litigiosas em que dia-a-dia se afundam, mas que são afinal o retrato de um País endividado até por causa da conta do telemóvel. Admito que seja um bom caminho se se tiver o cuidado de encontrar sucedâneo para uma justiça que se pretende deixar de se fazer nos tribunais mediante processo exigente na forma, mas que tem de continuar a ser feita sob pena de se estimular o calote e acentuar ainda mais as actuais dificuldades da economia.
Mas é a propósito da protecção contra o calote - que o Estado, através do aparelho da justiça, tem obrigação de garantir aos cidadãos e às empresas - , que faço aqui eco do que o Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados divulgou. São números que na sua crueza exprimem bem a situação em que estamos em matéria de execuções. Pasmem, que eu já perdi a capacidade de pasmar quando há tempos recebi a sentença num processo iniciado vai para bem mais de dez anos (processo de que o próprio interessado na lide já tinha perdido a memória) : no início de Março deste ano havia nos Juízos de Execução de Lisboa cerca de 60 mil processos por autuar! Isto é, processos que deram entrada e não têm sequer capa nem estão fisicamente organizados.
O número é só por si assombroso. 60 mil só em Lisboa!
Pois é. Mas o que pensar se se revelar que a capacidade de autuação da Secretaria Judicial do Tribunal é de cerca de 600 processos semana?
A justiça nos dias de hoje, mais me parece uma injustiça. Veja-se o caso da libertação dos que mataram um inspector da judiciária, em serviço, e hoje foram libertado. Onde se encontra a justiça??
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