Em 17 de Agosto de 1993 um homem a quem foi recusado efectuar testes para a realização de um bypass cardíaco morreu, vítima de enfarte. A recusa baseou-se no facto de ser fumador. Só lhe faziam os exames se deixasse de fumar. Perante esta exigência acabou por abandonar o vício o que permitiu ao seu médico marcar para o dia 19 de Agosto a realização dos testes. Tarde demais.
O caso de Harry Elphick desencadeou um vivo debate no Reino Unido. Até que ponto os médicos podem tomar atitudes destas? A exigência do clínico baseou-se em conceitos moralistas e não em critérios médicos. É certo que o tabaco é um importante factor de risco cardiovascular e não só. É certo que muitas pessoas precisam de cuidados terapêuticos. É certo que os custos com os cuidados de saúde aumentam de forma exponencial. Mas não é correcto cercear cuidados com base em princípios que violem os direitos dos seres humanos.
Ao fim de mais de uma década, as autoridades de saúde britânicas propõem que não sejam ministrados tratamentos médicos aos doentes que recusem modificar os seus estilos de vida não saudáveis. Assim, se um fumador recusar abandonar os seus hábitos, é-lhe vedada a cirurgia cardíaca, a menos que faça uma promessa nesse sentido.
A moralização da medicina é um perigo real. Um dia poderá acontecer que uma pessoa não tenha acesso ao tratamento, porque, no entender do médico (?) moralista, bebe álcool, fuma, não tomou os respectivos cuidados nas suas relações sexuais, não usava o capacete de protecção no local de trabalho, continua a praticar exercícios violentos (já é a segunda vez que parte a perna a fazer esqui!), continua a ser um desbragado à mesa, passa a maior parte do tempo sentado face ao televisor (já tinha sido avisado de que tinha que exercitar o corpito). Se os “doentes-desviantes” encontrarem um médico “pecador”, talvez tenham sorte, senão…
Combater estilos de vida não saudáveis é uma obrigação dos responsáveis. Proibi-los ou tomar atitudes discriminatórias é um erro e um sério perigo. O melhor é alterar aquele princípio de que ninguém deverá ser discriminado em função da raça, sexo, idade, religião, estado socioeconómico, acrescentando-lhe: ”nem em função dos seus vícios públicos ou privados”. Se este último aspecto tivesse sido tomado em linha de conta talvez Harry Elphick não tivesse falecido aos 47 anos de idade….
Não podemos esquecer que a saúde é, presentemente, a área mais sensível a atitudes totalitárias e moralistas
ResponderEliminarPartilho da opinião do David Justino quanto ao valor do post.
ResponderEliminarO tema não é só actual; é de uma importância fundamental para o código essencial de valores de uma sociedade civilizada. A confusão entre ética profissional e moral comportamental, entre moralismo e moralidade é, de facto, um perigo. Uma forma subliminar, aparentemente justificada, de totalitarismo como bem refere o Massano Cardoso.
O que aplica aos médicos pode, aliás, aplicar-se a outras profissões. Com a minha. O que significaria para o Estado de Direito, da garantia de inviolabilidade dos direitos fundamentais, maxime, do direito à defesa se o advogado objectasse de consciência perante um suspeito de violação por ser suspeito de violação; ou a um suposto reincidente por ser reincidente; ou um acusado de pedófilia por ser disso acusado...