sábado, 2 de abril de 2005

Uma sociedade iliberal – 1

Os três últimos editoriais de José Manuel Fernandes no Publico dedicados ao tema já aqui abordado da “refundação da Direita” retomam um velho debate que se poderá resumir na questão: porque não existe uma tradição e uma cultura liberais em Portugal?

O próprio termo utilizado revela o aproveitamento da ideia de Freed Zakaria expressa na obra “The Future of Freedom. Illiberal Democracy at Home and Abroad” (recentemente traduzida para português na Gradiva) e que se expressa pela crescente divergência entre “democracia” e “liberalismo”, cindindo a velha expressão de “democracia liberal”. O fenómeno não é novo e sob outras perspectivas recupera a vasta produção académica de que me permito destacar, entre nós, um velho ensaio de Vitorino Magalhães Godinho, “Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa” pelo muito que inspirou a minha geração.

O liberalismo português, mesmo nas suas fases mais dinâmicas ou modelos mais consolidados, pouco mais vale do que a designação histórica. O liberalismo vintista foi herdeiro do despotismo pombalino, filho que era da burguesia mercantil, educada na Aula de Comércio e ciosa da protecção aos tratos do Brasil e do Oriente. Perdidos estes, perdeu-se o projecto para um país que se rendeu ao Miguelismo. O modelo do Fontismo traduziu-se na afirmação de uma elite que transformou o Estado no motor do “progresso”: 40 anos de “melhoramentos materiais” que dotaram o país de uma rede de infra-estruturas e de uma dívida pública impagável, foram incapazes de tirar Portugal da cauda da Europa e os portugueses do grilhão do analfabetismo e do atraso. O movimento republicano, muito antes do 5 de Outubro, enterrou definitivamente as limitadas expressões de liberalismo. Mitificou Pombal e Camões, fez das colónias um desígnio nacional e criou as bases para um novo nacionalismo que Salazar aproveitaria sem hesitar.

1 comentário:

  1. E no entanto o pensamento liberal tem feito caminho... Julgo que por acção dos Cursos de Economia e Gestão da Universidade Nova e da Universidade Católica.

    Mas como podemos ter uma cultura liberal se o ensino é estatizado no pior sentido do termo? Com professores abolutamente instalados com uma carreira assente nos anos e em concursos cegos às suas reais capacidades pedagógicas?

    António Alvim

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