segunda-feira, 16 de maio de 2005

“De médico e de louco todos temos um pouco”…


Portrait of Doctor Gachet
Vincent van Gogh


O adágio, “de médico e de louco todos temos um pouco”, nunca perdeu, nem perderá a sua actualidade. Quanto à loucura, é tanta que nada se pode fazer, se bem que por vezes até pode ser útil e, quanto a ser médico, todos se comportam como tal. Fazem-se diagnósticos, estabelecem-se as terapêuticas mais mirabolantes, os prognósticos são frequentemente estabelecidos, curiosamente, de uma forma positiva, quando são instituídas as medidas de cada um.
Os temas de conversa mais comuns são os referentes ao tempo e à saúde. Mas mesmo assim a saúde leva a primazia. Basta ver que quando duas pessoas se encontram a pergunta da praxe é: “então, como vai a sua saúde”? E as pessoas respondem mesmo, às vezes até exageradamente.
A queda para actos terapêuticos da população é um fenómeno interessante. A auto-medicação foi sempre uma constante desde os primórdios e, não obstante a evolução técnica e o progresso científico verificados, continua a manifestar-se em toda a sua plenitude. Ainda bem. É reconhecida a capacidade das pessoas em resolverem os seus problemas de uma forma correcta, se bem que muitas vezes extravasam as suas competências e capacidades com consequências nada agradáveis. Mas mesmo assim, os benefícios ultrapassam de longe os prejuízos. Quem não se recorda dos nossos pais e avós que com as suas mezinhas, xaropes, rezas e quejandos lá iam, umas vezes mais, outras vezes menos, resolvendo os problemas. Eram as cabeças de alho à volta do pescoço para afugentar as “bichas”, o calor mal cheiroso e peganhento da enxúndia de galinha aquecida na papeira, os chás mais horrorosos para as diversas maleitas, as violentas purgas capazes de até eliminar a própria alma, as malvas para as infecções, o hipericão para o fígado, a casca de cebola para a inflamação da garganta, as rodelas de batata para as dores de cabeça, as sanguessugas para as nódoas negras e para purificar o sangue, as rezas para o quebranto e para o cobrão, e muitas outras.
Iam à farmácia natural e utilizavam o que havia. Hoje, dispõem de novos produtos susceptíveis de resolver muitos dos seus problemas, e o facto de não terem formação em farmacologia não impede que, através dos contactos com os profissionais da saúde, órgãos de comunicação social e vizinhos, aliado à uma curiosidade intrínseca, obtenham conhecimentos capazes de solucionar muitos problemas de saúde sem terem de socorrer dos serviços de saúde.
Brevemente, vai ser possível a venda de alguns medicamentos fora das farmácias. Argumenta-se que poderão correr riscos devido a uma auto-medicação excessiva e/ou incorrecta, tais como hemorragias graves, intoxicação hepática, alergias, interacção com terapêuticas prescritas pelos médicos, além de minimizarem ou ocultarem sinais e sintomas de doenças graves, enfim, um rosário de situações. É verdade, esses riscos existem e depois? A aprendizagem também se faz numa base de tentativa e erro, e, perante a “loucura natural de praticarmos a auto-medicação” não há nada a fazer, a não ser cultivar a prática, ensinando e disponibilizando os fármacos necessários. Se a minha avó fosse viva, decerto não saía do supermercado arrebatando tudo para poder praticar nos netos. Sempre era melhor do que a estopada daquela horrorosa enxúndia de galinha, ou do mal cheiroso alho a queimar o nariz…

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