“…Reunidas as Câmaras e aberto perante elas o OE, começa-se invariavelmente por constatar, num trémulo elegíaco de sinfonia fúnebre, que continua a existir o deficit.
Cada um dos três Governos, a quem a Coroa alternativamente adjudica a mamadeira do sistema, encarrega-se de explicar aos taquígrafos essa ocorrência- aliás desagradável, cumpre dizê-lo- a que ele, Governo em exercício, não tem culpa. A responsabilidade cabe ao Governo transacto, bem conhecido pelos seus esbanjamentos e pela sua incúria.
Para cada um desses três Governos sucessivamente encarregados de trazer o deficit ao regaço da representação nacional, o Governo que imediatamente o precedeu nesse mesmo encargo é o último dos imbecis.
Tal é o conceito formidável em que cada um dos três Governos tem os outros dois!...
A Coroa, pela sua parte - e este é o mais augusto de todos os seus privilégios -é sucessivamente da opinião de todos os três ministérios; e depois de haver retirado, com sincero nojo, a sua confiança aos imbecis do grupo nº 1, nº 2 e nº 3, a Coroa torna a restituir a citada confiança, com uma efusão de júbilo tão sincero como o nojo anterior, a cada um dos grupos imbecis já referidos, mas colocados cronologicamente em sentido inverso daquele em que estavam, ou sejam, por sua ordem, os imbecis nº 3, nº 2 e nº 1.
Ramalho Ortigão- Farpas-1882
O tempo passa, a Coroa republicaniza-se, os protagonistas mudam, mas a essência dos problemas persiste. Afinal, de quem é a culpa?
ResponderEliminarDeclaro que também devo ter algumas culpas, tal como todos os meus compatriotas.
Penso que este é o momento de virar o país. Por muitas razões óbvias e, também para evitar que as Farpas possam, daqui a um século, servir de pretexto aos nossos descendentes…