O meu avô ensinou-me coisas muito importantes. Uma delas diz respeito à justiça. Quando era pequeno passávamos muitas vezes em frente do Tribunal Velho. Afirmava que era naquela casa que um homem honrado sentia o verdadeiro significado do respeito. Lá me explicou que, quando alguém sentisse que tinha sido injustiçado, era ali que encontrava a reparação, enquanto os maus apanhavam os castigos. Para mim o juiz passou a ser a pessoa mais importante. Nem o médico, nem o padre, nem o professor, nem o chefe da estação, nem os guardas chegavam ao calcanhar daquele homem. Não tinha medo e gostava de o ver. Parecia-me diferente de todos os outros. Afinal, havia alguém que nos protegia e eu conhecia-o. Se houvesse algum problema o juiz resolvia-o. Até cheguei a pensar dizer-lhe que andava aborrecido, porque já me tinham roubado mais do que uma vez os meus queridos piões. Mas havia sempre um familiar que me comprava um novo. Mas não era a mesma coisa, porque não tinha ainda uso e sem uso é diferente.
Estas memórias emergiram quando li a notícia do inválido Joaquim Seco condenado a uma pena de prisão de 30 dias por não ter pago uma multa de uma centena de euros. Chocou-me. Mas o choque ainda foi maior quando a juíza (julgo que era uma senhora) não permitiu o pagamento em mais do que duas prestações, porque isso “descaracterizava a pena”. Será que a juíza não conhecia a situação do doente? Será que a justiça tem de ser mesmo “cega”? O melhor seria abrir os olhos.
Um par de dias depois é noticiado o arquivamento (por prescrição) do caso das mulheres intoxicadas com hormonas de emagrecimento. Algumas estiveram em coma e ficaram com lesões irreversíveis. Neste caso, as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos actuaram e aplicaram penas disciplinares, ao passo que a justiça deixou impunes os responsáveis.
Quando penso nestes casos, e em muitos outros, sinto uma saudade do Senhor Doutor Juiz dos meus tempos de criança. Com ele nunca aconteceria atitudes destas. O senhor Joaquim Seco não seria condenado e os médicos e farmacêuticos que prescreveram e prepararam os medicamentos teriam sido punidos….
concordo com o Dr. Pinho Cardão, mas não devemos baixar os braços e calarmo-nos perante o poder, que muitos dos juízes exercem, só porque tem a faca e o quejo na mão...assim nada poderá mudar.
ResponderEliminarAplicar a lei e fazer justiça nem sempre coincidem, as leis são muito imperfeitas...
ResponderEliminarLembro-me sempre de um julgamento a que assisti quando era estagiária. No 5º Juízo do Tribunal da Boa Hora era réu um homem que não pagava à ex-mulher e ao filho a pensão de alimentos a que estava obrigado. A mulher, com ar muito amargurado, mal cuidada e pobremente vestida, tinha como testemunhas a seu favor a família do réu, incluindo a mãe. Não foi possível provar em Tribunal que o homem tivesse quaisquer rendimentos ou bens com que pudesse cumprir a pensão de alimentos, mas ele vestia com elegância e via-se que não passava privações e as testemunhas descreveram sem hesitar a sua casa confortável, o automóvel, as férias no Algarve. Ele negava e lamentava a dificuldade em arranjar emprego. A certa altura, já perdida a causa, o juíz diz-lhe com aspereza. -Mostre-me as suas mãos!
O homem nem queria acreditar. As mãos? - Sim, mostre aqui, a todos, as suas mãos!
Ele mostrou as mãos, brancas, de pele fina e unhas polidas...
- Não vejo aí os calos - disse o juíz. O senhor não paga os alimentos do seu filho e vem aqui com mãos sem calos? Qual é o pai digno desse nome que não pega numa enxada, se preciso for, para comprar pão para o filho? Perante a lei não posso condená-lo, por falta de provas. Mas, perante esta assembleia, a sua vergonha e a sua culpa estão escritas nas suas mãos.
Dessa justiça o senhor não se livra.
A verdade é que, à semelhança do que se passa com os políticos (vide, inter alia, Sartori), os magistrados saem de entre os demais cidadãos.
ResponderEliminarOra, se temos uma decadência ética, cívica e cultural notória nas sociedades ocidentais, repete-se a ideia de Napoleâo de que "não há grandes homens para uma criada de quarto".
É pena que não se fale disto, nem na Assembleia, nem nos conselhos nacionais...