sábado, 7 de maio de 2005

Ocasos acidentais

Image hosted by Photobucket.com
Foto: Leigh Perry
é tarde meu amor
estou longe de ti com o tempo, diluíste-te nas veias das marés, na saliva de meu corpo sofrido
agora, tuas máquinas trituram-me, cospem-me, interrompem o sono
habito longe, no coração vivo das areias, no cuspo límpido dos corais… e no ventre impossível das cidades nocturnas
a solidão tem dias mais cruéis

tentei ser teu, amar-te e amar o falso outro… quis ser grande e morrer contigo
enfeitar-me com as tuas luas brancas, pratear a voz em tuas águas de seda… cantar-te os gestos com ternura
mas não

águas, águas inquinadas pulsando dentro de meu corpo, como um peixe ferido, louco
em mim a lama… e o visco inocente dos teus náufragos sem nome-de-rua, nem estátua-de-jardim-público
aceito o desafio do teu desdém

na boca ficou-me um gosto a salmoura e destruição
apenas possuo o corpo magoado destas poucas palavras tristes que te cantam

Al Berto, O Medo, Assírio&Alvim, 2.ª edição, 2000, p. 158.
As imagens e as palavras ganham outro sentido quando regressamos aos textos de autores imerecidamente esquecidos.

3 comentários:

  1. bom encontrar, por aqui, Al Berto...

    ResponderEliminar
  2. Sabe bem saborear um lindo poema entremeado pela beleza de uma paisagem...

    ResponderEliminar
  3. tudo combina: a foto, o poema. Al Berto ficará sempe na memória.

    ResponderEliminar