A capacidade que alguns sectores da sociedade portuguesa revelam na criação de polémicas estéreis é incomensurável. Aliás, em Portugal, a polémica pública é a melhor forma de não se discutirem os problemas com o rigor e a seriedade que eles exigem. E como a memória é curta, não importa saber o que se fez ou não se fez, o que mudou ou não mudou, que obrigue a reformular o problema. Uma das características das polémicas nacionais é o facto de serem recorrentes e repetitivas até à exaustão.
Tudo começou com uma notícia do Expresso sobre o conteúdo, “chocante” para alguns, de alguns manuais citados na bibliografia das orientações sobre educação sexual nas escolas. O “escândalo” desenterrou o “morto”, tornando-o aos seus olhos tão vivo quanto qualquer criatura de Deus. Ninguém se interessou em saber se o referido programa estava em vigor, em que escolas, com que alunos, com que professores. O “escândalo” valia por si. O “morto” ressuscitara.
A reacção não se fez esperar. Os pais, os tios, os padrinhos e os amigos do “morto”, saltam a terreiro e dispõem-se a enfrentar a nova cruzada reaccionária. Não se preocuparam em saber o que havia sido produzido entretanto sobre o tema, quais as orientações que foram definidas ao mais alto nível (ainda que ignoradas há quase um ano nas gavetas do Ministério da Educação). Isso não é importante. O que é importante é defender o “morto” agora ressuscitado.
Com tudo isto, recua-se cinco ou seis anos, repondo os mesmos argumentos estafados, as mesmas ideias esgotadas, sem que nada de novo possa emergir da polémica.
Para mim, este é o início do confronto anunciado em torno da despenalização do aborto. Só é pena que o façam sacrificando o elo mais fraco: a escola e os miúdos que a justificam.
Porque algo de novo se pode construir, voltaremos em breve ao tema, com um pouco mais de tempo e espaço. Para já ficam identificadas as “trincheiras”: os “escandalizados” e os “familiares do morto”.
Ontem, à noite, recebi um e-mail de um ex-colega da AR com uma apresentação em Power Point sobre as "fichas escabrosas" descobertas no Ministério da Educação. Ao lê-las senti uma enorme dificuldade em as aceitar, confesso. Eu fui um defensor das medidas de educação sexual num âmbito mais amplo da educação para a saúde. Não acredito que seja possível aplicar aqueles conceitos.
ResponderEliminarConcordo consigo de que estamos perante um "morto", ou melhor de um "nado-morto" ou, ainda se preferir, de um "aborto mal formado" que serve de pretexto para algumas cruzadas. A tal tentativa de ressurreição comporta algo que me abstenho de comentar.
Pensei logo no ex-Ministro da Educação que seria incapaz de patrocinar ou autorizar quaisquer desmandos deste jaez.
Gostaria de saber se, alguma vez, foi apresentado aos alunos a informação que consta nas tais fichas. Se houve, então estamos perante um caso clínico que exige ser referenciado a fim de se submeter à devida terapêutica.
Por vezes, o recurso a certas formas de contestação encerra muita hipocrisia.
Continuo a acreditar na educação sexual sem que isso constitua uma afronta ou atentado a princípios éticos e morais.
Acredito, sinceramente.