Como hoje é Domingo podemos falar de assuntos mais levezinhos, pelo menos na aparência...
Ficou-me sempre na memória uma frase que ouvi a propósito de se poder ou não avaliar as pessoas pela sua aparência ou a verdade do provérbio "quem vêm caras não vê corações". Essa frase dizia que "até aos trinta tem-se a cara que Deus nos deu e depois dos 30 tem-se a cara que se merece", podendo assim, pela observação atenta dos sinais que o tempo vai deixando, ser avaliada com alguma segurança se se trata de uma pessoa feliz ou amargurada, desconfiada ou confiante, cínica ou optimista, directa ou manhosa, etc.
E é um exercício engraçado de fazer, não raras vezes podemos partir dessa observação para gerir de uma ou outra forma o primeiro contacto com as pessoas.
É ou era? É que, ao ler na revista "Vida" (Independente de 29 de Julho) um artigo com chamada à capa intitulado "Um corpo de Sonho" vemos simplesmente pulverizada esta confortável teoria da simples apreciação imediata.
De facto, aí se descreve as mil e uma formas de dar nova forma ao corpo, aos dentes, à cara, de maneira a podermos, com preserverança e dinheiro, ir construindo uma imagem que corresponde aos estereotipos de beleza em moda. Não se trata de corrigir deficiências de modo a se poder ter uma vida melhor, trata-se de modificar um corpo saudável mas com "imperfeições" tão graves como as rugas da idade, as marcas de expressão, uma pele mais flácida, uma gordurinha que levava tempo a combater mas que assim desaparece num ápice. Um renascimento ao nosso alcance, em resumo, ao ponto de já se poder reproduzir as próprias células e injectá-las nas rugas de modo a que o processo de rejuvenescimento seja milagrosamente recuperado!... Tentador, no mínimo.
Mas não consigo deixar de ser um pouco desmancha-prazeres - então o corpo e a cara já não reflectem o espírito? Esta mutação física fará como que duas pessoas numa só: apaga-se os vestígios do tempo e os da alma e fica-se só com uma fachada muito bonitinha mas completamente separada do seu "link" essencial, que é o reflexo do espírito e da vivência.´Os olhos, por exemplo, se mascarados de cores diferentes, com brilhos artificiais e desenhados por mão hábil, já não são o espelho da alma...Cleópatra, sem o seu nariz, teria causado a mesma sensação? E o sorriso de Mona Lisa, banalisado pelos bisturis, não será muito monótono?
Gente gira, pois claro, mas são máscaras de teatro grego, que não deixam ver o que escondem...
Aí vai uma de erudito domingueiro, só para impressionar! Ocorre-me, em comentário a este post da Suzana dizer como os clássicos: Frontis nulla fides (não te fies na fachada)...
ResponderEliminar;)
E impressiona mesmo, o latim é muito preciso nos seus termos...Bem lembrado, Ferreira d'Almeida!
ResponderEliminarDelicioso, Susana.
ResponderEliminarNos meus primeiros anos da Faculdade, quando estava cansado ou em "baixo", dava uma volta pela baixa de Coimbra olhando, discretamente, as fácies dos transeuntes, tentando perscrutar o que lhes ia na alma ou que género de pessoa se tratava. Ao longo da vida continuei com este exercício e, curiosamente, acabei por verificar que, muitas vezes, as "caras mostram mesmo o coração"!
Agora, com esta nova forma de "esconder" as ditas imperfeições, corro o risco de não acertar uma...
Gostei deste post: leve e bem escrito, a meu ver, tá claro. E quem vê caras não vê corações,mas que há caras giras, debaixo de muita máscara, lá isso há, e convenhamos, é tentador querer uma também.
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