segunda-feira, 25 de julho de 2005

Transfusão de sangue

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida debruçou-se, recentemente, sobre a problemática das transfusões de sangue nas Testemunhas de Jeová. É do conhecimento geral que os crentes desta doutrina não aceitam as transfusões de sangue e a ingestão de produtos que o contenham. As razões prendem-se com a sua interpretação do texto sagrado, a Bíblia. Não discuto os seus fundamentos, embora, como médico, não consiga compreender e muito menos aceitar aquela posição. Estão em causa situações delicadas que podem comprometer a vida das pessoas.
O parecer, no seu cômputo geral, veio "legitimar" práticas já assumidas pela classe médica. Em caso de recusa consciente por parte de um adulto, os médicos devem-na respeitar, embora lhes custe testemunhar o esvaziamento da vida de um ser humano à vista do sangue que as suas mãos carinhosamente transportam. No caso das crianças, compete ao médico decidir o que melhor lhes convém. Aqui, a vontade dos pais não deve sobrepor-se à do clínico. Hoje, em caso de conflito, basta ter autorização judicial para subtrair, temporariamente, aos pais os direitos sobre os seus filhos.
Durante todo este processo, tive oportunidade de acompanhar e analisar a posição das Testemunhas de Jeová. Não obstante não concordar com os seus argumentos, reconheço que se comportaram com muita dignidade. A postura face ao parecer revela facetas muito interessantes. Por exemplo, não vieram a terreiro afirmar que era iníquo. Apesar de não concordarem com algumas das conclusões, revelam um sentido de respeito que importa dissecar. Não vão opor-se, pelo contrário, vão aceitar que, nos casos dos filhos, os médicos procedam à transfusão de sangue sem a sua autorização. Penso poder interpretar esta posição de duas formas. A fé das Testemunhas é indiscutível e intensa, mas, em caso de perigo de vida das crianças, a força do amor é também indiscutível e intensa. Perante este conflito qual a posição a tomar? A fé ou a vida dos filhos? A situação é dramática. Provavelmente, no seu íntimo, a dúvida deverá privilegiar a vida de um filho, pelo menos na grande maioria. Havendo alguém que tome uma decisão, retirando a responsabilidade aos pais, deverá ser um alívio, já que não têm de entrar em conflito com a sua fé e a vida dos filhos será salva. A outra interpretação poderá basear-se no facto de podermos estar perante uma tentativa de evolução e adaptação relativamente ao conceito do valor do sangue na perspectiva religiosa.
Como bem ouvi, as Testemunhas amam os seus filhos, querem o melhor para eles, são respeitadoras de estilos de vida saudáveis, não embarcam em misticismos ou fantasias, pelo que a atitude médica e o parecer do Conselho Nacional de Ética acabam por ajudá-los sem por em causa a legitimidade das suas crenças.

1 comentário:

  1. belo texto Massano Cardoso e muito oportuna a notícia que divulga neste blog. Já era tempo de se fazer "doutrina" sobre este tema, tão importante para os que têm uma religião que não lhes dá uma escolha fácil naquilo que para os outros não oferece dúvida. Como em todas as religiões acontece, certamente. Gostei muito de ler e de saber deste parecer, não tinha reparado nos jornais.

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