Acordar às 3 horas da manhã com a sensação de afogamento em pleno ar é de por em pânico qualquer um. Tive vontade de fugir para Coimbra para ver se conseguia respirar. Mas se tivesse ido àquela hora não teria melhor sorte. Também ardia. De manhã quando entrei na cidade foi como se tivesse entrado num mundo diferente. Uma nuvem castanha dourada tapava completamente a cidade. Ao longo da nova circular, de um lado, emergiam colunas de fumo em terrenos completamente devastados, do outro, chamas e mais chamas. Ao chegar a casa olho para a encosta já queimada e, mesmo assim, as labaredas, obstinadamente, começaram a destruir mais uma habitação.
As pessoas andam tristes e sentem-se impotentes face ao drama que nos atinge de norte a sul. Apontam-se como causas: as condições climatéricas, a falta de limpeza das florestas, o mau ordenamento, os interesses económicos ligados às madeiras e à construção, os pirómanos (muitos deles alimentados pelas notícias), a falta de meios de luta contra os fogos, insuficientes medidas políticas de prevenção florestal, mão leve ou levíssima da justiça e negligência grosseira. Enfim, causas perfeitamente identificadas e que não podemos por em causa. Mas há uma – tem de ser – que deve ser equacionada e sem a qual não é possível explicar esta peste: maldade. Há um verdadeiro terrorismo nacional. Se virmos bem, o acto mais simples de realizar, em termos de terrorismo, é foguear. Basta andar pelos mais variados caminhos do país para verificar que, deitar fogo, capaz de destruir riqueza e vidas, é de uma simplicidade atroz. Não precisam de tecnologias de ponta para fazerem bombas químicas, biológicas ou convencionais.
Esta causa – terrorismo – tem de ser tomada em linha de conta, até, porque está a tomar conta das populações. Nas minhas conversas por estes lados já muitos me disseram: - Está a ver? Eles já cá estão! - Mas eles quem? Pergunto. - Os da Al Quaeda, ou lá como se chamam. - Qual Al Quaeda, qual quê! São terroristas, sim, mas são nossos.
Importa saber o que leva algumas pessoas a provocarem verdadeiros ecocídios. Tem de haver factores sociais susceptíveis de desencadear comportamentos anómalos nalguns indivíduos mal estruturados.
Aos gritos de desespero das pessoas associam-se os sons explosivos das árvores a serem vitimadas, verdadeiros gritos de morte.
Alguns povos do Norte da Europa acreditam que nas árvores habitam bons espíritos e têm muito respeito, resquícios das épocas em que os adoravam. Em Portugal, o diabo, que anda à solta, acaba por expulsá-los. O inferno reina entre nós.
Ainda hoje ouvi no telejornal da RTP o presidente da Liga da Protecção da Natureza a explicar como evitar estas tragédias. Interessante as suas explicações em termos de ordenamento e em termos políticos e legislativos. Bastante diferente do habitual. Rico e esclarecedor. No entanto, apesar do muito que aprendi – confesso - fiquei com uma sensação de vazio no tocante ao comportamento das pessoas, ou seja, quanto à forma de “produzir bons corações”. Tirando os casos patológicos que, infelizmente, são uma realidade, aqui e em qualquer lugar (quase que poderíamos dizer, uma constante) tem de haver uma abordagem no sentido de compreender o que leva as pessoas por motivos fúteis a foguearem a torto e a direito. Há um défice de cidadania, há um défice na formação de personalidades fortes e saudáveis, há, na nossa sociedade, exemplos de maus cidadãos que vencem com a maior das facilidades, há uma “sociopatia” crescente, há tristeza (até o sorriso dos portugueses está a desaparecer), há descrença… O factor humano é de todos os factores, que estão subjacentes a estes dramas, o mais importante. Para dar prossecução a todas as medidas de carácter preventivo defendidos por políticos e técnicos, os quais são pertinentes e válidos é preciso “bons espíritos e bons corações”.
ResponderEliminarTalvez a resposta seja: para proteger os bons espíritos e os bons corações é preciso saber como “produzir mais e cada vez mais bons espíritos e bons corações”