A Constituição da República é grande: tem 300 artigos, decompostos em milhares de números e alíneas.
Contém também um Preâmbulo onde se estabelece o objectivo de “abrir caminho para uma sociedade socialista”.
Na opinião dominantemente publicada, é igualmente grande em termos qualitativos, é mesmo o super sumo das Constituições, um farol para o mundo.
Com esta grandeza, se poucos portugueses a entendem, a culpa é dos portugueses e da sua ileteracia.
Também os Governos não têm compreendido as suas disposições, propondo leis anticonstitucionais, mas a culpa é dos Governos, autoritários e incompetentes.
Por sua vez, os Deputados da Situação passam 99% do seu tempo a esgrimir insconstitucionalidades nas propostas da Oposição e os Deputados da Oposição passam outro tanto tempo a espreitar as inconstitucionalidades das propostas do Governo.
Depois de todos estes crivos, os Assessores da Presidência voltam a analisar, numa perscurtação finíssima, se alguma bactéria ou vírus de inconstitucionalidade poderão ainda contaminar os portugueses.
A seguir, o Presidente da República, numa atitude de apaziguamento de todas as suas dúvidas metafísicas, envia o texto para o Tribunal Constitucional.
No laboratório do Tribunal, são feitas análises e contra análises e, muitas vezes, ainda é surpreendido um micro vírus que é preciso eliminar, de modo a não afectar os pobres cidadãos.
E no devir de todo este processo, também a Comunicação Social dá opinião.
E chama advogados, juristas e constitucionalistas profissionais de vários extractos, que, sempre no condicional, opinam, normalmente de forma divergente.
Os Portugueses, além de não entenderem a Constituição, passam também a não entender os Governos, os Deputados, os Assessores, a Presidência, os Juristas e os Constitucionalistas!...
Mas, neste caminho de excitação jurídica, atingiu-se, agora, o orgasmo interpretacional, a propósito do número de sessões legislativas de cada legislatura, quando os comummente designados pais da Constituição, ilustres Professores de Coimbra e Lisboa, os que conceberam grande parte das suas disposições, as discutiram e fizeram aprovar, não se entendem sobre o que escreveram!...
Se não se entendem, não souberam o que, então, escreveram.
E demonstram que, afinal, a sua iliteracia é tão profunda como a dos portugueses que não entendem a Constituição!...
E se já nem quero perguntar se, não sabendo o que escreveram, souberam o que andaram a fazer!…
"Sans rancune", e passe o exagero, caros Professores!…
Mas concordarão que uma Constituição como esta não pode deixar de nos levar a um socialismo bem real!..
Caro Sr.Dr. Pinho Cardão,
ResponderEliminarEstou inteiramente de acordo consigo. E teceria alguns comentários adicionais à Constituição, se não soubesse que iria ser alvo da censura do Dr. Vital Moreira. A CRP não é para mim, cidadão «comum». Sendo assim, não teço.
Com os melhores cumprimentos,
cmonteiro
Caro Pinho Cardão:
ResponderEliminarPor isso vou iniciar um novo movimento: 'Leis fazem os matemáticos. Advogados, advogam!'.
Não podia estar mais de acordo.
ResponderEliminarDesde há muito tempo que me incomoda o facto de sentir que muitas leis virem, cada vez mais, a fazer parte do problema e não da solução.
Mas afinal, pensando melhor e vendo por outra perspectiva, estas devem ser as leis perfeitas. As interpretações dos cidadãos e os especialistas coincidem totalmente.
Quer uns quer outros conseguem ter interpretações que vão de uma coisa ao seu oposto!
Nem os economistas conseguem estar tão "precisamente" em desacordo!
Grande Pinho Cardão!
ResponderEliminarFalou e falou muito bem. Concordo consigo (o que, ainda que agradável, é também um pouco aborrecido, porque discordar é muito mais engraçado).
Logo o seu primeiro parágrafo, fez-me lembrar as aulas do Prof. Jorge Miranda na UCP. Bem dizia ele que, uma Constituição com 300 páginas é, por si, um bom motivo para que ninguém a leia, nem ninguém se interesse pelo que lá está escrito. De acordo com as palavras deste Constitucionalista, a CRP devia - no máximo - ter metade das páginas e escrita de forma a ser compreendida por todos, uma vez que um dos objectivos da mesma é estabelecer os principios gerais do Estado Português. Para tudo o resto, há os códigos.
Quanto mais espartilharem, mais azo a situações aberrantes vão dar.
Meus caros, olhem que um dos grandes problemas é precisamente o de, demasiadas vezes, não terem os legisladores formação jurídica...
ResponderEliminarEssa da formação jurídica não colhe (?!), pelo menos neste caso da constituição.
ResponderEliminarNão é por aí.
Excelente texto Pinho Cardão e bem merecem os seus reparos os que se entretêm a torcer e retorcer os textos legislativos ao sabor das conveniências. A "constitucionalite" aguda que invadiu o país nos últimos anos teria forçosamente que acabar por fragilizar por completo o texto constitucional. O problema não é jurídico a maior parte das vezes, mas sim político, sendo que para satisfazer conveniências políticas ocasionais não se mede a gravidade de ir moendo a lei aos olhos dos cidadãos perplexos...afinal a lei é como os números, "bem torturados dizem o que for preciso"?!
ResponderEliminarMas o ferreira d'Almeida tem toda a razão quando fala na questão de ser ter esquecido que legislar tem a sua técnica, não basta saber o que se quer dizer para uma lei sair muito bem feitinha...é preciso que os outros a entendam. Além que se ganhou o mau hábito, transmitdo às interpretações, de usar as leis para "passar mensagens" em vez de ser para estabelecer um ordenamento com pés e cabeça, pelo que não raro os artigos são obscuros, sem conteúdo útil e contraditórios. Daí a extraordinária proliferação legislativa, uma verdadeira praga para os cidadãos e para quem tem que a fazer cumprir. Ganham os advogados, a quem se pede auxílio, ou os políticos que nelas encontram argumento para um acto e o seu contrário...Mas, no fim, perdemos todos.
Caro JMFA,
ResponderEliminara meu ver um dos grandes problemas é exactamente o inverso do que comenta... ou seja, um dos grandes problemas é que actualmente os legisladores até têm é demasiada formação jurídica... senão vejamos cada vez a legislação criada no geral é cada vez mais extensa e minunciosa, e ao mesmo tempo de tão extensa e minunciosa mais "buracos" acaba por ter para o jurista mais imaginativo... Certamente concordará que a regra do KISS (Keep It Simple and Stupid)é a melhor. Só para lhe dar um exemplo: ainda o ano passado adquiri uma empresa. O advogado do vendedor (uma vez que ele fez questão de meter um advogado para tratar disso) fez um magnifico contrato de cerca de 100 páginas (anexos incluídos). Após uma extensa leitura do contrato, e o ter submetido também ao meu advogado, apenas fiz questão de acrescentar uma página com 16 pontos em que protegia os interesses do comprador (eu) e do vendedor (o outro). Resumindo, um contrato de 100 páginas, assinado e rubricado por 4 cópias, é muita rubrica... e para quê? Para que o exmo. sr. advogado pudesse cobrar um belo "fee" ao seu cliente de mais de 3.000 EUR... Eu?! Resumi tudo numa página..."air tight" como dizem os americanos!
Exmos. Todos,
a constituição americana é curta, simples e básica... e diz tudo o que é preciso... Nós por cá é que temos todos a mania que somos "intelectuais" e gostamos da soberba de tentar mostrar aos que nos rodeiam que sabemos mais que eles... E assim vamos vivendo... felizes e contentes...
Caros SC e Virus:
ResponderEliminarRespeito, como sempre, a opinião de todos os que aqui escrevem, mesmo que discordem.
Tenho consciência que vivemos tempos em que, muitas vezes por culpa dos próprios, os juristas são considerados uma espécie de vendedores de banha de cobra, que garantem sempre a cura para maleitas de cada um, quaisquer que sejam. A diferença é que não possuem só um unguento mas várias receitas...
Sem adiantar grandes razões para desmontar esta atávica concepção (e já confessei a razão da culpa dos próprios juristas), direi somente que vivemos tempos em que se perderam noções e referências e esta é uma das que se foram em sectores - reconheço - importantes da sociedade.
A legística é uma ciência, com métodos e regras que só quem os domina pode aplicá-los bem e que pressupõem, meu caro SC, formação jurídica (sem !?), sem que isso signifique que na actividade legisferante se possa ou deva dispensar o contributo de outras disciplinas e saberes.
E digo e repito, infelizmente m Portugal uma parte relevante da legislação é feita sem intervenção de juristas (embora reconheça, naturalmente, que outra é feita por maus juristas) e esse facto é responsável pelas dificuldades da sua interpretação e aplicação.
Outra coisa. Ao contrário do que possam pensar, salutares polémicas sobre o significado e alcance das normas constitucionais, há-as por cá de menos comparando com outros Estados, até alguns de tradições constitucionais bem mais antigas.
Isso não é nenhum mal. Bem ao invés. Significa que a constituição é viva e tem condições para, por processos próprios da hermenêutica, se adequar ao devir e acompanhar as transformações da sociedade.
A questão é bem outra e foi aqui muito bem realçada pelo David Justino e outros. O que não tem acontecido em muitos desses Estados, e parece começar a acontecer por cá, é a interpretação da constituição ao sabor das conveniências políticas do momento, fenómeno esse sim responsável pela instabilidade e descredibilização dos textos e instituições constitucionais.
Quanto ao que escreve o meu Caro Virus sobre o contrato que celebrou - num plano distinto do que ressalta da nota de Pinho Cardão -, deixo uma recomendação e um desejo.
A recomendação é que se contrate advogado menos prolixo e mais eficiente (conheço um!). O desejo é que essas 100+16 páginas do contrato possam no futuro fazer com que tenha dado por bem empregue o "fee" afinal pago pela outra parte ao advogado.
E já que falou nos americanos, dê uma espreitadela num contrato redigido por um advogado inglês ou americano e vai ver o que é regulação extensa e minuciosa de uma relação contratual. Aí, meu caro, estamos a anos luz do rigor preventivo de um jurista anglo-saxónico. Muito longe mesmo.
Caro JMFA,
ResponderEliminaratenção para o facto que o contrato é de 100+1 página (com 16 pontos).
Quanto aos contratos empresariais no mundo anglo-saxónico estou de acordo...são normalmente muito completos, mas também não são desnecessáriamente extensos, nem repetem artigos e alíneas em pontos diferentes com o intuito de engrossar o mesmo.
Por fim um último ponto, ainda relativamente ao mundo jurídico anglo-saxónico, que é a jurisprudência faz lei...o que por norma não acontece no nosso sistema, o que consequentemente leva à interpretação da mesma lei de forma aberrantemente diferente por cada um, e seguem-se a isso umas viagens ao tribunal para ver de que lado cai a guilhotina.
PS-Note-se a magnifica interpretação da lei que permitiu a libertação da Fátima Felgueiras ontem...e esta han?
Comentário descontraído em relação aos contratos anglo-saxónicos: Basta apenas carregar na tecla "Accept" ou "I Agree" e aquilo começa logo a instalar o programa no computador. Não é preciso ler!
ResponderEliminarBoa noite a todos!
P.S. - A Fátima Felgueiras é uma sobrevivente, uma vencedora. Não vou questionar a interpretação do juíz (não sei, e o Dr. Vital fica desagradado), mas confesso que pessolmente tenho um sentimento irracional de alguma admiração. Não sei explicar. Desenvolverei este assunto no meu blog mais tarde