A mirabolante história do regresso de Fátima Felgueiras desencadeou, por um lado, uma justa tempestade de comentários e de perplexidades sobre a Justiça, o seu funcionamento, a sua insuficiência e até mesmo a sua isenção. Por outro, como é bem português, a apoteose com que foi recebida em braços, com as televisões a passarem repetidamente essa glória, mostrou uma espécie de vingançazinha contra o poder, uma glória dos oprimidos da Justiça, sentimento persistente que pode explicar que se afirme, sem corar, que é bem possível que as eleições lhe venham a dar vitória!
Mas eu creio que não é apontando o dedo à Justiça que se define o centro da questão. A lei não cobre todo o tipo de comportamentos, nem tem que punir como criminosos os que ainda não foram condenados (se a prisão preventiva foi bem decretada há dois anos e agora não se encontrou fundamento para ela, é uma questão diferente mas muito menor do que o que está a gerar a perplexidade).
É que não se pode pedir à Justiça que vigie a ética, a pura decência, ou o sentido de respeito pelos outros e o que nos choca, antes de tudo o mais, é o descaramento com que se pode desafiar as regras, avançar confiante contra barreiras morais que deteriam um cidadão normal e casos como esses, infelizmente, temos tido cada vez mais. Tantos, que a pouco e pouco os vamos aceitando com bonomia, passando um pano sobre a responsabilidade moral e individual e desculpando as atitudes incríveis apontando outros culpados - os Tribunais, a juíza, o Estado.
Estes terão certamente algumas culpas, mas nunca será possível substituir a exigência ética, a dignidade de comportamentos, a vergonha, em suma. Contra isso, não há Tribunais que controlem ou que nos defendam e Deus nos livre de a lei penal incorporar deontologias profissionais, tão exigíveis na política como em qualquer outro actividade.
Este caso brada aos céus mas, na sua essência, não difere de muitos outros que confundem o exercício do poder com benefício próprio, que usam a sua influência para chegar onde outros não chegam apenas porque se inibem, em nome da moral e da honra.
Este caso, como muitos outros, cabe bem num ditado que uma amiga minha cita com frequência para explicar porque é que uns ganham onde outros se detêm:
-"Quem não tem vergonha, todo o mundo é seu"!
Todo o processo é um festival de incompetência do sistema em que, de facto, o fugitivo demonstra que tinha razão. Os 2 anos que estaria preso preventivamente não serviam para nada. Isto sem falar em tudo o que aconteceu antes.
ResponderEliminarTudo isto é deplorável e a libertação da FF consegue ser a única coisa acertada em tudo isto.
Aquilo que retiro de todo o processo é se isto é assim com câmaras de filmar e microfones em cima do acontecimento, imagino o que não anda aí de atropelos quando o cidadão é anónimo.
Caro JMFA, deve exigir-se tudo aquilo que cabe à justiça. A este sistema é que não se pode chamar justiça...
PS: Alguém me explica porque é que se manda prender preventivamente alguém por financiamento ilegal de partido e o partido continua 'à solta'???
Enganei-me no autor do post. Peço desculpa...
ResponderEliminarE depois ainda nos queixamos... é o povinho que temos...
ResponderEliminarOu seja, o povo tem os políticos que merece!
O seu engano, meu caro Tonibler, não deixa de ser lisonjeiro. Tivesse eu jeito, e gostaria muito de ter assinado a nota que comentou. Mas o mérito da autoria pertence, de facto, à Suzana Toscano que todavia não se importará que eu a assine por baixo.
ResponderEliminarNão se pode pedir à "Justiça" que vigie a ética, ou não se pode pedir ao Sistema Jurídico que vigie a ética?
ResponderEliminarSó estou a perguntar isto porque não sou advogado (e mesmo que o fosse não dizia a ninguém), mas como entendo que o conceito de "Justiça" pouco tem a ver com "Sistemas Jurídicos", acho que é conveniente separar as duas coisas.
E assim sendo, acho que sim. Acho que se devia pedir ao Sistema Juridico que vigiasse este tipo de "ética".
PS - Esqueci-me de acrescentar um detalhe ao meu comentário anterior que é o seguinte;
ResponderEliminarA razão pela qual eu acho que o sistema judicial devia vigiar este tipo de "ética" é tão somente o facto de que se um simples professor, quando se candidata a um lugar numa escola, tem de apresentar o seu cadastro criminal, então os políticos deviam estar sujeitos às mesmas condições. Porque se o dever de uns é ensinar, o dever dos outros não é menos importante. E como já se percebeu que isto com rebates de consciência não vai lá, então que se obrigue.
Antrax:
ResponderEliminarEstamos a falar de duas pessoas do mesmo local. Um autarca eleito pelo povo e um juiz nomeado por quem quer que seja. Um tem a legitimidade dada pelo voto, o outro pela função pública.
Isto não tem grande volta, enquanto o juiz não demonstrar por A+B que o voto não pode ser dado àquela pessoa, o autarca tem que estar sempre acima. E demonstrar por A+B é julgá-lo e condená-lo, não é montar o festival que se viu em Felgueiras.
Agora, existe um magistrado com maior legitimidade democrática, que pode agir em nome de Portugal. A solução pode passar por aí. Mas ditadura de funcionário público, não obrigado.
Olá boa noite tonibler.
ResponderEliminarEstou perfeitamente consciente disso e já sabia que alguém haveria de dar essa resposta, mas isso não quer dizer que concorde.
Para mim o caso Felgueiras (ou qualquer um dos outros 3), não é mais que uma reedição do Zé do Telhado versão século XXI. Igualzinho. O que não deixa de ser lamentável, porque a mensagem que estão a transmitir é a de que, na realidade, os portugueses gostavam mesmo era de ser como eles e "roubar" o máximo possível.
No fundo eles acabam por ser um simbolo, um modelo, daquilo que os portugueses gostavam de fazer mas a maior parte não pode.
É assim, eu não sou nem advogado, nem jurista, mas quando se assiste a uma inversão de valores na sociedade e se acha que é absolutamente normal, inclusive encontra-se sempre uma boa explicação jurídica (é por isso que se paga aos advogados), isso para mim é decadência. E reza a história que todos os processos de decadência conduziram sempre ao fim de algo e à emergência de outro algo.
Como diria o Prof. JC Espada aqui há uns tempos atrás, no seu artigo de opinião no "Expresso", a propósito do seu jantar com os académicos naquele "diner hall" onde foi filmado o Harry Potter, tinha ficado muito surpreendido por ver que alunos e professores trajavam a rigor e a oração foi dita em latim. Quando perguntou ao seu anfitrião como conseguiam aquilo, o anfitrião respondeu que era muito simples. Existiam dois horários de jantar. O 1º - antes das 20:00 - os alunos podiam jantar como muito bem lhes apetecesse, mas aquilo funcionava em self-service. O 2º - a partir das 20:00 - com toda a pompa e circunstância. Assim, se queriam jantar com o resto dos alunos e com os professores, e ser servidos como manda o figurino, então vestiam-se e comportavam-se de acordo com as regras estabelecidas. Isto sim é democracia.
Eu não sei o que diz a lei. Mas para mim ela deveria dizer que quem foge deverá ser sempre considerado como um potencial "fugidor" daí para o futuro e tratado como tal. Ou seja, mesmo que depois de ter fugido se entregue voluntariamente, deverá ficar preso até ser julgado.
ResponderEliminarNesse caso e em todos os casos futuros.
Tem que haver uma sanção para a fuga ou então o crime compensa!
Provavelmente a lei nem o precisaria de dizer se não houvesse juizes com falta de senso.
Caros comentadores, temos que reconhecer que o tema é muito polémico e que se pode analisar nos diferentes aspectos que cada um tão bem referiu. Sem querer ter a pretensão de responder às vossas questões, sempre direi que o meu objectivo era exactamente pôr em destaque que a Justiça Penal não tem que proteger os cidadãos de todo o tipo de comportamentos dos outros. Prende os que roubam, os que matam, os que vigarizam, etc, mas primeiro têm que ser condenados (e o tempo que isso leva é de facto um problema do sistema judicial). Mas já me parece que não nos podemos virar contra a os Tribunais e os juízes se eles não nos impedirem de votar livremente em quem não tem vergonha de se apresentar a eleições ferido de graves suspeitas e mesmo depois de ter fugido. O que é grave é que, não tendo havido esse "obstáculo", o povo se prepare para reafirmar a sua confiança nessa pessoa e, em vez de nos alarmarmos com isso, o alarido se volte para o sistema judicial. Também me lembrei do Zé do Telhado, embora a sua memória tenha sido um pouco "branqueada" para justificar o mito. Valha-nos isso.
ResponderEliminarQuanto às questões jurídicas, que são sempre fascinantes, só duas pequenas notas: caro Anthrax, um político não é um funcionário público, não tem um contrato com um empregador, apresenta-se a eleições e é escolhido, é bom não confundir, não vá ainda abrir-se um grave precedente...Quanto à prisão preventiva, caro Reformista, percebo bem a sua dúvida, mas o que pude depreender do que li foi que, em sede de reapreciação da prisão preventiva, a juíza considerou que não tinha sido bem decretada,(ou só foi decretada depois da fuga, não sei bem...) logo só teria havido alegadamente fuga e não fuga mesmo. Já ouviu falar nos trava-línguas? O meu sogro diz um que recomendo para estes casos e que cita a propósito das rasuras:"Onde eu digo "digo", digo que não digo "digo". Esclarecido? Obrigada pela vossa paciência.
Lateralizamos as questões e não abordamos o essencial.
ResponderEliminarPRIMEIRO:
O despacho da Juiza é ilegal? O despacho da juíza configura algum abuso de poder?
A juíza não cumpriu a lei?
O Ministério Público detectou alguma irregularidade no despacho?
O Ministério Público recorreu do despacho?
SEGUNDO:
Se todas as respostas forem sim a última não, então estamos perante um caso grave que os orgãos competentes:PGR, Conselho Suprerior da Magistratura, CSM, Provedor de Justiça PVJ e Polícia Judiciária devem interver. haverá que perguntar o que se passa com estas entidades e temer pela segurança do estado de direito
Se as respostas forem não a todas independentemente da última, a legalidade cumpriu-se.
A posição do MP, recorrendo o não, será sempre matéria facultativa e não violação de lei.
TERCEIRO
Se não se concorde, mude-se a lei penal.
Se a justiça está lenta, modifique-se esse estado de coisas,
Se não se concorda com os requisistos para se poder candidatar a cargo autárquico, modifique-se a lei de modo a obter uma maior higiene moral.
QUARTO
Não nos indiguenemos com a atitude da cidadã Fátima Felgueiras, mas sim do lamentável estado da aplicação da justiça em Portugal e actuemos perseguindo, civil, criminal e disciplinarmente os responsáveis objectivos deste estado de coisas: CSM, PGR, MO e magistrados.
CONCLUSÃO
Na Suécia, o assassino da Ministra do Estrangeiros foi preso na mesma altura que o cidadão Carlos Cruz,aquele já foi julgado, condenado e viu o seu recurso recusado, cumpre pena. Aqui o cidadão Carlos Cruz ainda vai a meio do seu julgamento.
Assim, não existe ambiente para investir/instalar em POrtugal, ninguêm no seu perfeito juízo aceita ir viver para um país onde :
um cidadão qualquer pode penar quatro e mais anos para ser julgado;
Como estamos na UE e existe a Internet, somos vistos nos estrangeiro e por eles julgados, ou acham que estamos sózinhos, ninguêm nos conheçe e não se interessam pelo que passa aqui?
conceba que se possam ser candidatos a qualquer orgão de soberania cidadãos contra os quais existe a menor suspeita da prática de um crime grave;
que estes comportamentos sejam tolerados e, aparentemente, não sancionados.
Cumprimentos
Adriano Volframista