O testemunho que vos submeto é única e simplesmente um esforço de reflexão em torno do fenómeno autárquico em Portugal e dos aparentes comportamentos “desviantes” de alguns candidatos. A tese que tentei explanar é a de que esses comportamentos não são tão desviantes conforme nos querem fazer crer, nem tão circunscritos ao chamado Bando dos Quatro. Ao contrário da ideia de uma “excrescência” ética, estes fenómenos são inerentes ao próprio sistema político. Se os considerarmos como marginais, à boa maneira pós-moderna, deixaremos escapar a substância do problema.
Mas onde poderão residir as soluções para superar esse problema?
Em primeiro lugar, nos próprios partidos políticos. A forma como se organizam em torno do chamado “aparelho”, nomeadamente as chamadas estruturas intermédias (principalmente as de nível distrital), confere-lhes um poder que não é medido pelo mérito ou pela ética política, mas pelos resultados efectivos que obtêm nos combates internos (a capacidade de apoiarem o “líder certo”, de se representarem nos órgãos nacionais e de proporcionarem os “lugares” nas listas eleitorais, nos órgãos da administração descentralizada do Estado ou nas empresas públicas locais e regionais) e também externos (eleições autárquicas, principalmente). A Lei dos Partidos Políticos é a menos regulamentada de todas as leis que instituem o associativismo e a responsabilidade social das organizações.
Em segundo lugar, nos poderes reguladores que não regulam nem sancionam exemplarmente o atropelo da lei. O sistema de justiça revela-se como o principal responsável por essa desregulação: a morosidade dos inquéritos, a ineficácia e incompetência dos processos, as constantes quebras do sigilo, a fragilidade processual e a leveza da sanção, tudo contribui para a natural desconfiança do cidadão sobre a sua actividade.
Em terceiro lugar, na própria organização social. A elite intelectual imaginou um sistema político de primeiro mundo para uma sociedade que só muito recentemente se libertou do terceiro. A falta de uma cultura cívica moderna, o baixo nível de confiança nas instituições nacionais, o limitado espírito de cooperação e solidariedade cívica (“O Estado resolve! A responsabilidade é deles…!”), a generalização da conflitualidade menor (da intriga, do boato, da calúnia, da suspeição, da inveja, da incivilidade pública), tudo isso se projecta na falta de qualidade da democracia portuguesa. O que se poderia esperar de diferente num país que apresenta as mais baixas taxas de escolarização e desenvolvimento cultural? De quem é a culpa do êxito da “Quinta das celebridades”, do “Fiel ou Infiel”, da “1.ª Companhia”, dos “Malucos do Riso” ou da “Senhora, Dona, Lady”? Será só dos programadores? Face ao inestimável contributo para o desenvolvimento cultural do país, para quê colocar em causa a renovação automática das licenças?
Sem querer desresponsabilizar os Quatro do Bando, não nos iludamos pela sua eventual condenação pública.
Não vou discutir a sua posição global (ainda não li os textos com a atenção devida). Quero apenas fazer notar um deslize, que consistiu na referência ao Senhora Dona Lady na lista dos programas de êxito da televisão. É que foi cancelado ao fim de poucas semanas por ter pouca audiência!
ResponderEliminarExcelente trabalho!
ResponderEliminarPartilho da sua análise.
Aquilo que mais ao alacance está para se conseguir mudar, apesar de muito difícl, é o Sistema Político. O jogo partidário está totalmente viciado. É fundamental curticuitar o actual mecanismo que tem por base e motivação o conseguir um lugar de deputado ou de autarca.
Vou enviar por mail aquilo que é o meu contributo nesse sentido.
Caro djustino,
ResponderEliminarFui concordando com quase tudo até chegar a este último ponto. E começo pelo fim.
O sistema político português não é de primeiro mundo. Aliás, é bem terceiro-mundista o princípio de que o povo é um bando de perigosos ignorantes. E aquilo que começou por nem sequer dar hipótese de consultas populares directas e reduzir a participação popular a eleições por lista, conseguiu evoluir para um sistema completamente divorciado da sociedade onde se integra.
Na realidade, o sistema político obrigou o cidadão a vender o poder de decisão. O ‘estado não faz’ porque o estado decide, não é o cidadão. Curioso como o presidente da república é de todos os portugueses e os deputados, que o são constitucionalmente, ou o governo, não são. Já alguém tentou explicar porque não há um primeiro-ministro de todos os portugueses?
Mais curioso ainda, é que o povo acabe por ver num poder sem legitimidade democrática, o poder judicial (não me falem em legitimidade indirecta...), como algo que o protege contra aqueles que supostamente elegeu. O baixíssimo nível de educação dos portugueses explicam muita coisa, mas isto tudo não me parece.
Quanto aos partidos políticos, dormem na cama que fizeram. No meio do sistema político que foram construindo, impuseram-se como representantes do povo. Hoje ninguém vota para ser representado, vota no pacote que mais lhe convém. Como o pacote traz guloseimas mas também traz uns podres, para a próxima vota no outro pacote. E a este absurdo chama-se de alternância democrática. ‘Eles’ alternam-se. E ‘eles’ enchem-se. E repare, um dos casos do “bando do quatro” é na zona “dinamarquesa” de Portugal, não é num qualquer buraco do interior. É no segundo concelho mais rico do país. Queremos um eleitorado responsável? Que tal dar-lhe de facto a responsabilidade? Um eleitor responsável, isto é, com a responsabilidade, só é enganado uma vez. Um eleitor sem responsabilidade nem sequer acha que isso seja problema dele.
Tudo isto parece um cenário de pré-revolução, coisa que o português não é particularmente adepto. Mas ainda hoje em conversa com um colega lhe lembrava que se os portugueses fizessem tudo com o espírito como conduzem, pobre Noruega. Pode ser que um dia nos dê para ‘repensarmos’ a coisa, com o espírito como conduzimos....
Caro djustino,
ResponderEliminarNão me parece que cheguemos sequer a um sistema misto tão cedo. Com estes episódios das autárquicas, com os "cunhadores" a seguirem tudo quanto Frei Louçã diz na sua homilia da noite, os "perigos" de círculos uninominais vão facilmente desmontar qualquer possibilidade.
E um sistema misto nem sequer era bom, era só próximo...Mas, posso estar enganado...
e o joaquim raposo?
ResponderEliminarEste comentário foi removido por um gestor do blogue.
ResponderEliminar