Foi entregue no Parlamento, na passada segunda-feira, o Orçamento do Estado para 2006 (OE’2006). O debate na Assembleia da República inicia-se na próxima semana, com a audição na Comissão de Orçamento e Finanças dos diferentes Ministros do Governo, com o Ministro de Estado e das Finanças à cabeça, já na segunda feira de manhã. E, apesar de só depois de realizado o debate na generalidade e na especialidade que decorrerá ao longo das próximas 5 semanas, seja possível retirar conclusões mais sólidas, a verdade é que algumas ideias podem já ir sendo avançadas no que toca à realidade deste OE. São essas ideias (minhas), que expresso de forma breve a seguir.
1. Parece-me impossível discordar do discurso que o Ministro das Finanças (MF) fez ao longo destes dias. Referindo que o caminho correcto é a consolidação orçamental pelo lado da despesa e que só com finanças públicas saudáveis poderemos aspirar a ter um crescimento e desenvolvimento económico forte e sustentado a médio e longo prazos.
2. No entanto, as palavras e intenções do MF encontram pouco eco na realidade – e, sobretudo nos números – deste OE. E quanto mais se lê, se estuda, se investiga, se analisa, mais dúvidas se instalam no nosso espírito.
3. Por exemplo: o cenário macroeconómico não me parece ser credível, por força da projecção para as exportações (já a estimativa de USD 65.6 como preço médio para o barril de petróleo em 2006 me parece prudente e acertada). De facto, quando as perspectivas para a economia europeia a são sistematicamente revistas em baixa, parece ser muito pouco prudente assumir que as exportações crescerão quase 6% em 2006, depois de aumentarem apenas 1.2% neste ano... o que, naturalmente, poderá ter efeitos (em baixa) na evolução do PIB e, consequentemente, da receita fiscal.
4. Se a consolidação orçamental deve ser, essencialmente, feita do lado da despesa, isso não é visível neste orçamento. Desde logo, a redução do peso da despesa pública no PIB é de apenas meio ponto percentual (49.3% para 48.8%), logo, pouco ambiciosa e manifestamente “curta” para as necessidades de “emagrecimento” do Estado de que o País necessita. E, para além disso, basta repararmos que o peso do total da receita pública no PIB aumenta em 1 ponto percentual, de 43% para 44%. Associando a este aumento a já referida redução do peso da despesa do PIB em meio ponto percentual, obtém-se, grosso modo, a redução prevista para o défice público, de 6.2% para 4.8% do PIB. E, como é fácil de perceber, 2/3, ou 66.7% dessa redução, acontecem pelo lado da receita (mais de EUR 2.2 mil milhões); apenas 1/3, ou 33.3% acontece por via da despesa (cerca de EUR 1.19 mil milhões). É pouco, muito pouco, apesar de indiciar uma mudança de trajectória e de atitude relativamente ao Orçamento Rectificativo apresentado em Junho último, em que a falta de rigor e exigência do lado da despesa, no seguimento do chamado “Relatório Constâncio” eram uma constante. Por tudo isto, é pena que este Orçamento não apresente um plano de redefinição das funções do Estado, no sentido de algumas das suas funções passarem para a esfera/iniciativa privada ou social, assim contribuindo para um Estado mais pequeno e mais eficaz, e para uma redução da despesa pública mais acentuada. Mas sobre isso, nem uma palavra neste OE...
5. ... tal como acontece relativamente à competitividade fiscal, área em que o Executivo continua a “assobiar para o ar”, não cuidando de saber o que se vai passando por essa Europa fora, e que vai deixando o nosso país cada vez mais para trás... Reduzir benefícios fiscais? Acabar com deduções e isenções? Tudo bem. Não poderia estar mais de acordo. Mas por que não, a par dos progressos no combate à fraude e evasão fiscais, ir reduzindo as taxas nominais de imposto (sobretudo no IRC e IRS) na mesma proporção em que desaparecem as “benesses” fiscais, de molde a assegurar que não se perde receita? Quando se compenetrará o Governo de que, enquanto não formos fiscalmente competitivos, não seremos competitivos de todo?!
6. Aliás, nesta matéria bastaria atentar na criação de um novo escalão máximo no IRS, de 42%. Enquanto lá fora a tendência é para descer, sobretudo as taxas dos escalões mais altos, de molde a segurar/atrair quadros qualificados, potencialmente geradores de maior valor acrescentado, o que o Governo português fez foi, infelizmente, o oposto... E diz o Executivo que pretende atrair cérebros e génios, no âmbito do “plano tecnológico”? Bem, assim, atrevo-me a dizer que se conseguirá atrair os génios e os cérebros que... pouco ou nada interessam.
7. E que dizer da manutenção do ruinoso (para o Estado) modelo de financiamento das SCUT (ainda que o ME tenha vindo abrir a porta a mudanças, no sentido do princípio do utilizados-pagador, mas com o PM a fechar essa porta logo em seguida)? E das referências explícitas aos mega-projectos da OTA e do TGV? Com ou sem verbas significativas, o texto do Relatório do Orçamento é claro quanto à insistência do Governo nestes projectos apesar de todos – da esquerda à direita – reconhecerem que tais investimentos não são nem reprodutivos, nem acrescentem competitividade à nossa economia (sobretudo o aeroporto da OTA).
E isto para já não falar nas faltas de explicações concretas para metas quantitativas que se pretende atingir do lado da despesa, ou as discrepâncias que já foram detectadas entre quadros e valores importantes e que constam com uma magnitude no Relatório que acompanha o OE, e outra no articulado, como alguma imprensa tem vindo a denunciar. Se não existiam "truques" neste OE, como o MF proclamou aos sete ventos, era bom que nada disto acontecesse...
De facto, palavras, como as do MF, “leve-as o vento”... porque elas não encontram eco nem têm aderência na realidade deste Orçamento...
Voltarei ao assunto “OE’2006” em futuras ocasiões.
OK.
ResponderEliminarJá decidiram como o vão votar?
1. Finanças públicas saudáveis é sempre bom;
ResponderEliminar2. Não vejo grandes dúvidas. Há coisas que, claramente, estão fora do discurso;
3. A questão das exportações já tinha sido levantada pelo BoP. Deve-se ao início da produção do cabrio da Volkswagen. Imagino que sejam números da própria Volkswgen.
4.Caro Miguel, nos últimos anos, com salários congelados, a despesa crescia aos 2%. Reduzir 1% é "encontrar o caminho das pedras". Este, acreditando nas intenções, tenho que ver o resultado para crer. Na redefinição do papel do estado, ou pelo menos, mexer alguma coisa para isso, concordamos em absoluto. Mas parece que os estudos do aeroporto são mais importantes...
5. Competitividade fiscal é um conceito exótico neste país. Só vai ser aceite numa revolução.
6. Os cérebros neste país não ganham isso. Quem ganha isso é quem se diz cérebro, mas que não vale um caracol. Se valessem alguma coisa tinhamos as caras esmurradas de tanto "choque tecnológico". E "choque tecnológico" começa aí, identificando os cérebros produtivos e não os aqueles que têm o carimbo. Uma questão de competitividade básica...
7. A corrupção é tramada...
Honestamente, cada vez acho mais que discutir orçamentos é perda de tempo. Um dia, quando acabar o dinheiro as coisas resolvem-se...
Ói! Não percebo nada disto mas tenho de dizer uma coisa...
ResponderEliminarEstou totalmente de acordo com os pontos do Tonibler. Mas em particular gosto mesmo é do ponto n.º 5. Aliás é uma ideia que já ando a defender há algum tempo.
Na minha opinião, só há 2 hipoteses de se ganhar alguma coisa:
1 - Faz-se uma revolução (que tem os seus riscos, pois como é de conhecimento geral o poder tende a corromper);
2 - Leiloamos o país no eBay e aceitamos o pagamento via Paypal.
Pessoalmente gosto mais desta 2ª opção.
O ponto Nº 5, como venho dizendo ao meu estimado camarada Tonibler há anos, é uma falácia e um discurso que não colhe, pois como todos bem sabemos, as grande maioria das empresas não paga os impostos correspondentes aos lucros (sejam quais forem) que têm. Se um dia o meu camarada Tonibler compreender que quem paga impostos tem poder reivindicativo para pedir que estes baixem, as coisas talvez possam ser diferentes.
ResponderEliminarCamarada Monteiro,
ResponderEliminarTalvez dizendo isso aos Luxemburgueses eles percebam que andam enganados...
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ResponderEliminarCamarada Tonibler,
ResponderEliminarLuxemburgo: 442.972 habitantes.
Portugal: 10.066.253.
Mais pequeno que algumas freguesias em Portugal. Nao me parece uma realidade que seja transferível para um país maior.
De qualquer modo conitnuo a manter que Portugal tem a menor carga fiscal do mundo civilizado. Os impostos altos são só no papel, porque se formos ver quantas empresas declaram prejuízo, não pagam IRC, a cifra estimada da fuga ao fisco, as dívidas, perguntar-nos-emos por onde a reinvestimento que tanto falas.
Eu respondo-te: Vai para o Luxemburgo!
Camarada monteiro,
ResponderEliminarJunta agora o PIB do Luxemburgo com o Português. E vai dizer a um alemão que o investimento em Portugal é bom porque há impostos mas, com um bom jogo de cintura, não se pagam...
Mas Oh meu estimadíssimo camarada Tonibler,
ResponderEliminarNunca vi os alemães e os franceses e os japoneses e os canadiandos e os americanos e os... irem embora por se queixarem de impostos altos. Vão embora porque noutro lado se trabalha mais barato. E têm umas queixitas sobre a burocracia e a justiça, que não os impediu de estarem cá até agora...
Claro que sabem que com o jogo de cintura, os impostos são na prática baixos! Assim como tu sabes que podes ir para Angola e Moçambique fazer negócio, que consegues. Apesar de tudo o que deles possas ler em papeizinhos chamados de "Leis"...
(achas que estamos a abusar do blog aqui dos nosso vizinhos do 4R? É que aviso já o resto do pessoal que as minhas trocas de ideias com o camarada Tonibler sobre este assunto já atingiram recordes de dezenas de posts!)
:-)
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