Os jornais de ontem fazem eco da provável rejeição do diploma que estabelece a realização do referendo ao aborto bem como a respectiva pergunta. De acordo com as referidas notícias, a pergunta nem chegou a ser analisada. O diploma estava ferido de inconstitucionalidade por razões que foram debatidas neste blog.
As reacções não se fizeram esperar.
O Presidente da República parece ter ficado irritado com a fuga de informação, mas presumo que a causa da sua irritação também terá sido consequência de o TC haver concluído pela inconstitucionalidade, quando Jorge Sampaio parecia não ter "dúvidas nenhumas".
A segunda reacção que aguardava com alguma curiosidade era a de Vital Moreira com quem trocámos algumas notas de discordância. Ela chegou e não da melhor maneira. "No TC há por vezes razões que a razão constitucional desconhece", concluía ontem Vital Moreira, não deixando de mostrar alguma "irritação" pela decisão do TC. Dá a sensação que apenas existe uma razão constitucional - a de Vital Moreira, claro está - e que qualquer outra que seja adoptada é "irracional". Para o ilustre constitucionalista, a decisão do TC orienta-se por outras razões que não a da racionalidade constitucional, ou seja, por razões estranhas à sua própria natureza. Trata-se de uma acusação grave que põe em causa a dignidade institucional daquele órgão de soberania, ao mesmo tempo que revela alguma soberba da parte de quem não viu reconhecida a "sua razão".
Valerá a pena lembrar como respondi ao desafio colocado por Vital Moreira:
"Por fim, se a conformidade do procedimento legislativo fôr reconhecida pelo Tribunal Constitucional poderá o Prof. Vital Moreira ter a certeza que não manterei a minha " radical, e temperamental, oposição ao mesmo". Ficarei decerto "vencido", mas não "convencido". Para além disso, fico apenas curioso em saber como reagirá o Prof. Vital Moreira se o TC rejeitar a sua interpretação".
A minha curiosidade ficou satisfeita e, permitam-me que o diga, mal satisfeita.
A terceira reacção tem origem no PCP e no Bloco de Esquerda. A posição do PCP já era conhecida: a AR deveria legislar sem recorrer ao referendo. A do BE revela-se do maior oportunismo: se o referendo fôr relegado para Setembro de 2006, como se deduz da eventual decisão do TC, então deverá a AR legislar desde já sobre o assunto, prescindindo do dito.
Quer a reacção de Vital Moreira quer a do BE denunciam uma coisa muito simples: a legalidade só é respeitável quando se adequar às nossas posições e interesses. Ou seja, a legalidade só é racional quando conveniente.
É esta a superioridade moral da Esquerda?
A humildade, designadamente a humildade intelectual, é valor cada vez mais raro. Mas esperemos serenamente pelo acórdão do Tribunal Constitucional. Com tanta irritação à anunciada decisão do TC - do Presidente da República, do Primeiro-Ministro e de alguns gurus do nosso constitucionalismo (para quem as opiniões próprias são a luz sem a qual a constituição se torna ilegível!), não vão os senhores conselheiros do Constitucional pensar melhor...
ResponderEliminarJá agora, só mais um breve apontamento. Não creio que seja de espantar a posição do Bloco de Esquerda. Estes temas são os verdadeiros kits de sobrevivência daquele grupo. O referendo vinha-lhes mesmo a calhar porque era mais uma oportunidade de os dirigentes do BE - sempre os mesmos - se mostrarem e valorizarem perante a opinião pública, desenvolvendo aquelas campanhas ultra-demagógicas com que têm alcançado o seu crescimento eleitoral. Agora que se anuncia o "chumbo" pelo Tribunal Constitucional, vai de defender a imediata alteração da lei no Parlamento. É a forma de manter esta chama acesa e de conseguir mais umas largas horas de tele-vedetismo.
ResponderEliminarNão vejo nesta posição do BE qualquer incoerência. Pelo contrário, esta atitude é consequente com o modo e a prática politicas do BE que aposta na permanente agitação e na pretensão de definir a agenda política com temas fracturantes.
A verdade, verdadinha é que o tem conseguido de pleno, porque não há meio comunicacional - da televisão à blogosfera - que não dê importância desproporcionada às posições do BE, tendo em atenção a reduzida relevância social e política desta organização.
Todas estas fugas de informação parecem demasiado oportunas, para serem fortuitas e inconsequentes. Mais do que fugas, parecem balões de ensaio, para aquilatar das reacções dos vários actores da trama e prepararem o mais conveniente cenário para a distribuição das peças deste jogo de xadrez, que governo, PR e esquerdas não querem perder.
ResponderEliminarDavid Justino lembra, muito bem, este tique, que começa a tornar-se habitual nesta "clique" que nos governa e nos seus satélites oportunistas- "a legalidade só é respeitável quando se adequar" aos interesses que eles defendem. É isto um Estado de direito?
Quando li a notícia fiquei satisfeito, porque na minha simplicidade constitucional (tenho que falar assim, já que estou a anos-luz dos famosos constitucionalistas)não percebia muito bem a nova forma de contar as sessões legislativas, mesmo com as explicações técnicas dos diferentes intervenientes na discussão.
ResponderEliminarDas melhores, esta ´saída´ de José em comentário na GLQL a propósito da reacção do Prof. Vital Moreira: "É um indivíduo no pleno uso das suas constitucionalidades!".
ResponderEliminarFiníssimo!
Sabem o que é que eu acho mesmo aborrecido, é que eu ainda não consegui perceber a ideia de "superioridade moral da Esquerda". Nem tão pouco percebi se existe, ou se pode ser adquirida em algum lado a um preço simpático.
ResponderEliminarAliás, se andarmos para trás, até às origens do conceito de Esquerda e Direita - isto é, até à Revolução Francesa - quase que podemos dizer que, a ideia de "superioridade moral da Esquerda" é um bocado paradoxal, porque... o que eu não consigo perceber é como é que se pode defender, ao mesmo tempo, uma "superioridade moral" do que quer que seja e defender o principio da igualdade também? (Liberdade/Igualdade e Fraternidade). Isto é a mesma coisa que alguém assumir-se como comunista convicto e depois ir todos os domingos à missa. Simplesmente, não faz sentido.
É tal e qual como o referendo. Não faz sentido.
Esclarecendo o Antrax
ResponderEliminarÉ que só a esquerda conhece o Manual da Ética Republicana.
Consta que a procura deste Manual ultra escondido será o tema das próximas séries televisivas.
António Alvim
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ResponderEliminarÉ só adaptar George Orwell no Triunfo dos Porcos:
ResponderEliminarSomos todos iguais, mas os de esquerda são mais iguais que os outros!
Não vamos confundir a esquerda com a extrema-esquerda caviar representada pelo asqueroso Bloco sff.
ResponderEliminarCaro António Alvim,
ResponderEliminarMuito obrigado pelo esclarecimento, mas digo-lhe, pior do que imaginar qual será o título da série televisiva é imaginar quem serão os actores.
Grande Dr. "D". Claro que a "superioridade moral da esquerda" não é a nota mais importante do seu post. A nota mais importante do seu post é que o Vital Moreira ficou danado, porque o TC veio dizer que não há referendo para ninguém visto que se enganaram na contagem das legislaturas.
Isso para além de, a nível pessoal, ser um ataque à sua competência técnica é também um chapadão em termos académicos. Estando aqui diversos académicos, pergunto-vos: Algum de vocês gosta de ver a argumentação que sustenta a vossa teoria, destruida? Suponho que não, não é?
Mas vou ficar à espera da sua nota sobre a "superioridade moral da esquerda". Essa é boa.
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