segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Confrangedor

Aconteceu no passado fim-de-semana no Porto o XV congresso da Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Apesar de noutras ocasiões este encontro ter ocupado relevante espaço noticioso, desta vez a coisa passou quase despercebida. Só mereceram nota da comunicação social a abertura pelo Senhor Presidente da República e o encerramento pelo Senhor Primeiro-Ministro.
Mas não foram estes momentos algo que merecesse grande atenção, de facto.
A alocução do Dr. Jorge Sampaio foi mais do mesmo. A do Primeiro-Ministro, depois da frase "vamos directamente ao que interessa" que ameaça ser a imagem de marca do Engº Sócrates (ignorando com ela, olimpicamente, os queixumes de Mário de Almeida e os protestos de Fernando Ruas contra as maldades do Governo), soou a déja vu.
Bem sei que os presidentes das Câmaras de Lisboa e do Porto (como de outras importantes autarquias) se estiveram nas tintas para o congresso, não comparecendo (salvo Rui Rio na abertura) o que desde logo deu o sinal do pouco impacto que a reunião efectivamente veio a ter.
Não deixa, porém, de ser estranho este alheamento mediático uma vez que o congresso foi marcado por dois factos que deveriam, por politicamente significativos que foram, merecer a atenção dos media e dos nossos omniscientes comentadores e analistas.
Um: a ausência quase total de renovação dos órgãos da ANMP.
É verdade que na sequência das recentes eleições autárquicas poucos foram os municípios que mudaram de responsáveis. Isso não impediria, porém, que neste congresso se procurasse uma imagem nova para o poder local democrático que bem precisada dela anda. O primeiro passo seria naturalmente fazer aparecer protagonistas novos, com ideias renovadas, capazes de reabilitar e valorizar o papel das autarquias e dos autarcas à frente da sua associação. Mas não. Tudo nas mãos dos mesmos, nenhum refrescamento. Isto passou despercebido e não deveria ter passado.
Dois: uma confrangedora pobreza nas temáticas abordadas. Do documento estratégico até às intervenções (dos mesmos de sempre...), os temas passaram recorrentemente pelo auto-elogio e nenhuma auto-avaliação; pelo ataque - com laivos de irracionalidade - aos detratores do poder local; e à frenética condenação do Governo pelas medidas restritivas de carácter financeiro que incidiram sobre os municípios. Pouco ou nada de positivo ali aconteceu. Isto também passou despercebido e não deveria ter passado.
É de facto espantoso como quase nenhum dos temas da agenda actual ocupou os mais de 600 eleitos locais ali presentes.
No dia em que se fazia a avaliação da cimeira de Montreal sobre os resultados de Kyoto, os temas ambientais andaram arredados das "discussões". Nem uma palavra para a Agenda Local XXI. As questões do ordenamento do território foram abordadas pela empobrecedora óptica da necessidade de, mais uma vez, se rever legislação que tem poucos anos e que ninguém ainda avaliou seriamente. Ao de leve alguém tocou na questão do papel das autarquias no apoio social em ambiente de crise. A mais franciscana pobreza!

O ritual previsto, porém, cumpriu-se. A confirmar, em boa verdade, que foi para isto que o congresso se convocou: lá investiram, pelo voto, os mesmos de sempre num exercício de plena unicidade onde o bloco central melhor se realiza.

Crise de valores também por aqui...

ET: Já me esquecia de registar a maior ovação ocorrida na sala. Aconteceu quando foi anunciado que o próximo congresso, daqui a dois anos, se reunirá...nos Açores.


4 comentários:

  1. Ai isso dá passeios? Onde é 'ca' gente se inscreve?

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  2. Pois é, Ferreira d'Almeida, este País adora rituais, cristalizámos num discuros "do que os outros querem ouvir" e os chavões sucedem-se, nos jornais, na televisão, na política, até nos empregos. E, como vamos ficando viciados nesses discursos ao ponto de já nos parecer tudo normal, sabe muito bem ler um texto como o seu, de alguém que nota, que não se conforma e que reclama. Estive há poucos dias num encontro desse género e também não vi nenhuma ideia nova, só o que já foi dito e redito, os culpados do costume, as intrigas de bastidor, os contactos de conveniência.É pena, porque há muita gente capaz de fazer mas vão ficando na sombra, acaba por ser o melhor porque senão são arrasados.

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  3. Não compreendo o seu espanto. Os partidos políticos encontram-se capturados pelos eleitos do poder local. Os primeiros não se renovam, sintoma de que os segundos, ( a origem da maioria do pessoal nacional), não se renovou.
    O provincianismo paroquial (???!!!???)dos nossos políticos reflectem o que os seus eleitos pretendem, do mundo e da vida. Qualquer discurso mais inovador irá, naturalmente, para o cesto dos papeis, triturado pela máquina do imobilismo, conservador caótico.
    O caos (urbanístico, de tráfico, de sinais indicadores, de equipamento urbano....), que assistimos nas nossas cidades, a começar por Lisboa, (sim por Lisboa), denuncia a ausência de um paradigma comum, mas, curiosamente, não nos damos conta desse facto. Nesse sentido, o que esperar dos eleitos mais próximos dos eleitores, senão esse conservadorismo caótico e sem conteúdo? Ou já nos esqueçemos que os autarcas são, realmente, os eleitos mais genuínos? Só em Portugal é que o interesse nacional não coincide, na grande maioria dos temas, com o interesse local e pessoal, experimentem realizar um quadro de correspodência e vejam....

    Cumprimentos
    Adriano Volframista

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  4. Pois é, meu caro. Coisas da idade. Acontece a todos. Até à ANMP. Com a idade vamos perdendo energia, vitalidade e até virilidade. Veja o caso de Lamego: http://jn.sapo.pt/2005/11/23/senior/pilas_murchas_celebraram_aniversario.html

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