As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte no mundo ocidental. No entanto, este grupo de doenças tem particularidades próprias devendo ser divididas em dois grandes subgrupos: as doenças vasculares que atingem o cérebro e as que atingem o coração propriamente dito. Portugal apresenta um padrão único na medida em que o território vascular do cérebro é de longe mais frequentemente atingido ao contrário das artérias coronárias. Por essa Europa fora e na América do Norte o território vascular mais atingido é o do coração. Mesmo nos nossos vizinhos espanhóis este padrão é comum. Durante muito tempo perguntámos por que razão o português fugia e foge a este padrão de adoecer e de morrer. Apontou-se, e muito bem, para o facto da hipertensão arterial ser mais prevalente em Portugal. Mas, logo a seguir perguntamos; qual a razão de sermos tão hipertensos? E a resposta é dada por qualquer um, porque somos grandes consumidores de sal. Correcto. Ingerimos “toneladas” de sal. Sendo assim, a explicação estava dada e podíamos ficar por aqui. Mas, mesmo com a melhoria do tratamento e da prevenção da hipertensão arterial, que se tem traduzido na redução da mortalidade cardiovascular, a situação está ainda muito longe de ser resolvida, permanecendo as doenças cerebrovasculares orgulhosamente à frente de todas as outras doenças. Os próprios médicos começam a desconfiar das estatísticas e não é raro ser interpelado sobre o assunto. Tenho explicado, desde há muitos anos, que um forte componente genético de provável origem africana poderia explicar o assunto. Ou seja, os africanos, vivendo em climas quentes e húmidos sem acesso ao sal (África é um continente paupérrimo em sal), foram pressionados para que os mais poupadores, isto é, aqueles que conseguem reter mais sódio, tivessem mais probabilidades de sobreviver. A partir do momento em que saíram de África para latitudes mais longínquas deixaram de estar sujeitos à pressão selectiva, e, consequentemente, menos necessidade de poupar o sódio.
Agora, um cientista veio revelar, através de um interessante estudo, que cinco genes, implicados na regulação da pressão arterial, são muito mais prevalentes nas populações que vivem nas latitudes mais baixas e nos climas húmidos do que aqueles que vivem nas latitudes mais nórdicas.
Mas o que é que os portugueses têm a ver com as populações que vivem nas latitudes mais baixas? Muito. Não podemos esquecer que, após os descobrimentos, um dos “passatempos” favoritos dos portugueses era importar negros, de tal modo que, no tempo do Marquês do Pombal, a população de Lisboa (e não só!) estava enxameada de africanos. Nos séculos seguintes os negros “desapareceram”, mas não desapareceram os seus genes que devem andar por aí a “poupar” sal num povo que gosta de bacalhau salgado! A miscigenação tem destas coisas…
Uma história, no mínimo, plausível!
ResponderEliminarProfessor,
ResponderEliminarAproveito para lhe deixar aqui algumas interrogações sobre este tema que desde há tempos me têm ocorrido.Não sei se existem estudos.
1.Como sabe o diagnóstico de AVC é entre nós o mais fácil de pôr na certidão de óbito.Existirá o mesmo viés nos outros paises?
2. É confirmado que prevalência de hipertensão é maior no nosso país?
3.Qual a idade média do primeiro AVC? Tem vindo a subir ou a descer?
4. E a do EAM ?
Caro Reformista
ResponderEliminarSe analisarmos a mortalidade dos anos potenciais de vida perdidos antes dos 70 anos, o que evita o efeito de viés das idades mais avançadas, verificamos que os acidentes vasculares cerebrais continuam a ser o principal responsável da mortalidade à frente do enfarte do miocárdio. Este último atinge em média cerca de dez anos mais cedo que os AVC. Ambos contribuem, em média, com cerca de 80.000 anos de vida perdidos antes dos 70 anos (anualmente). Que desperdício!
Deste modo, havendo muito mais cuidado no preenchimento das certidões de óbito em pessoas mais jovens, elimina ou reduz em grande parte o fenómeno.
Quanto à credibilidade dos nossos registos é perfeitamente idêntica ao verificado noutros países.
Voltando aos AVC posso dizer que entre os 55-84 anos (2.500.000 portugueses), cerca de 430.000 cidadãos estão em risco de virem a sofrer um acidente vascular cerebral nos próximos 10 anos. Se fosse possível controlar o principal factor de risco, a hipertensão arterial, poderíamos reduzir em 175.000 o número de candidatos. Há um potencial muito elevado de prevenção que não está, infelizmente, a ser tomado em linha de conta.
Quanto à prevalência da hipertensão arterial, de facto, em Portugal, não é muito diferente do que se passa noutros países europeus, quando analisamos as vítimas de enfarte e de AVC, mas o mesmo não se passa quando analisamos a população em geral. Neste último caso, os dados epidemiológicos apontam para uma diferença a “nosso favor” e, agora, com os novos limites, a situação torna-se mais evidente.
Quer a mortalidade por enfarte e por AVC tem vindo a diminuir, mas há casos clínicos em indivíduos cada vez mais jovens.
Obrigado Professor Massano Cardoso.
ResponderEliminarEra exactamente esse o esclarecimento que pretendia, porque não tenho encontrado referências à idade em que ocorrem os AVCS. E é óbviamente diferente um AVC aos 65 ou aos 85.
Por mim todos os dias vou medindo tensões,medicando, aconselhando mudanças de vida (esta parte por vezes sem grande sucesso)...Lutando contra o tabaco, etc...
Excelente texto professor :) No entanto, note-se que os Africanos não são, somente, negros. Há também os sarracenos, os mouros, os berbéres... Este sangue luso deve ser cá uma confusão!
ResponderEliminarCaro Anthrax
ResponderEliminarNem lhe digo nem lhe conto....
E digo-lhe mais, caro professor, a culpa é do Afonso, mas o de Albuquerque!... Metem-nos em cada uma!
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