segunda-feira, 9 de janeiro de 2006

Retratos


O livro de Maria Filomena Mónica, “Bilhete de Identidade”, vem expôr de uma forma muito linear um estilo de vida e de educação que marcou gerações até que tempos revolucionários obrigaram a rever os padrões e a forma de preparar, sobretudo as raparigas, para o pleno exercício da sua vida adulta.
Pondo de parte o cunho profundamente pessoal do seu relato e que não me compete aqui analisar nem comentar, é muito interessante verificar o modelo de educação e a organização familiar de uma classe social emergente e que se manteve bastante constante até ao 25 de Abril.
De facto, a inserção social num determinado grupo não se fazia com a naturalidade com que hoje se pode avaliar a questão. Os grupos dominantes, que no livro aparecem associados aos nomes sonantes, às “boas famílias”, aos meninos de Cascais, eram muito restritos. Para além deles, havia o povo, os empregados, os humildes, o que lhes queiram chamar. No meio, mas numa faixa estreita que ainda não tinha propriamente existência social como “grupo”, havia as famílias de pequena e média burguesia, o pai (geralmente era o pai) licenciado, com ambições de qualidade de vida, à procura de um estatuto, mas ainda muito dependentes do modelo dicotómico que até então dominava: ou eram “gente simples”, ou gente “bem”, ou se davam com uns, ou tentavam ser aceites pelos outros. Ou os filhos iam para “o colégio”, como os ricos, ou iam para o liceu, “com os outros”.
Se esse aspecto era ultrapassado com a emigração para África, onde as pessoas se identificavam pelo que as tinha levado a partir e pelo tipo de vida que podiam fazer com as nítidas melhorias financeiras que aí obtinham, por cá os círculos mantinham-se fechados. E as famílias “intermédias” viam-se isoladas, com pouco convívio fora do círculo familiar, protegendo as suas meninas de um casamento abaixo da “sua condição”, estimulando os seus meninos a estudar para poderem escolher e sustentar uma noiva que os merecesse e lhes desse uns filhos muito bem comportados.
O resultado dessa educação fortemente controladora dava uma ânsia de liberdade para a qual o casamento era uma espécie de tábua de salvação, já que sair de casa era mal visto e impossível de sustentar só por si e ficar em casa submetido a disciplina férrea era um tormento. O curioso é ver como é que depois essas mães jovens reagiram para educar os seus filhos, se por oposição total ao que lhes tinham feito a elas, se por reprodução mal convencida do modelo ou seja, sem autoridade mas com autoritarismo, se com um esforço permanente de se educarem de novo, corrigindo as atitudes mas seleccionando os princípios a manter. É que é mais difícil ensinar a viver com liberdade, a usar essa liberdade, do que barrando o acesso à tentação!
Em geral, acho que a geração equivalente do pós 25 de Abril é menos angustiada, não têm medo da vida, são ousados, corajosos, sem falsas humildades, capazes de exprimir os seus afectos e as suas rejeições sem complexos e com frontalidade. Não sei mesmo se a auto estima não será exagerada...

6 comentários:

  1. 1.Hoje os pais estão, em todos os sentidos, mais perto dos filhos.
    2.Serão poucos os exemplos de pais autoritários.A liberdade é praticamente total.Com os dois pais a trabalhar, cansados, não existem forças para combater todo um novo estilo de vida e costumes que diaramente entram pela televisão...
    3. Resta a confiança e a esperança no exemplo que se dá.
    4.Curiosamente aquela fase de rebeldia e de choque de gerações atenuou-se muito.Será que afinal era apenas um resultado de um tipo de educação/situação?
    5.A classe "civilizada" aumentou imenso....A sociedade tende a democratizar-se.Ainda bem

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  2. Susana:
    Não li o livro de Mª Filomena Mónica mas quanto ao retrato que faz da sociedade pré- 25 de Abril é 100% exacto e desapaixonado, o que já é raro, quando é referida essa época.
    Parabens.

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  3. tenho de concordo com o "Barato" Pinho Cardão.nas palavras de MFM está subjacente uma arrogancia,uma altivez,uma soberda de um estrato da sociedade que se julga melhor que os outros mas é mediocre ,mesquinho ,preguiçoso e em grande parte responsável por este pais.são as "elites" que temos..

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  4. Meu caro amigo Pinho Cardão e caro PR é sem dúvida impossível não formar um juízo de valor sobre a pessoa que escreveu aquele livro, até porque se expõe sem reservas convidando exactamente a isso. Mas eu tive o cuidado de não exprimir qualquer opinião sobre a autora em si nem sobre a ideia que nos fica da sua personalidade. É evidentemente possível fundamentar uma opinião com base no que escreveu, no modo como valoriza os factos, no que elegeu como importante e até no que considerou que lhe marcou a vida. Também é muito curioso ver como, passados tantos anos, olha a jovem que foi, isto se nos interessar a personalidade em si e a quisermos comentar. Mas não é isso que me motivou a falar no livro porque me parece que ele tem uma utilidade muito maior que é, para além da vivência de uma pessoa, analisar um ambiente social, as circunstâncias de uma época e encontrar aí o contraste e até a explicação para muitos dos problemas a que assistimos hoje.Àquele ambiente e àqueles preconceitos cada um reagiu à sua maneira e depois fez as suas escolhas. Se ficámos formados ou deformados, é o problema de cada um, mas que o ambiente existiu e que é muito interessante vê-lo assim tão linearmente exposto, isso acho que é. E isso não tem que ver com o gostar-se ou não da pessoa que faz o livro...

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  5. ...Mas já que os meus amigos me puxam para a "má língua", não deixo de dizer que me surpreendeu muito que uma socióloga que se arroga tantos pergaminhos não tenha conseguido fazer uma avaliação mais filtrada ou mais "caridosa" de muitas das acusações implícitas que deixa ao longo do livro. Há muitas coisas que nos revoltam na juventude porque não as compreendemos mas que mais tarde, com sabedoria adquirida ou por força do que a vida nos vai ensinando, devemos saber ver com mais indulgência,ainda que continuemos a rejeitá-las, e é essa maturidade que aqui não encontrei... Mas, repito, isso é a análise da personalidade do autor, não de um livro.

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  6. O livro dessa "senhora", que aliás nunca lerei, não passa do acto cobarde de uma cortesã que se lembrou de escarrapachar, página atrás de página, os nomes dos homens todos com quem foi para a cama, no seu despudorado ascender horizontal.
    A pergunta que se pode colocar é "por que só agora esta publicitação tardia do currículo vaginal"?
    Suponho que a resposta seja a de que, depois de tanto trabalho, não ter conseguido ascender até onde queria.
    Veja-se o exemplo da Maria Elisa Domingues, outra coitada, que jogou mais alto, e, portanto, não precisou de publicar o seu "bilhete de identidade".
    Portugal continua de parabéns: é o país das cróias, dos corruptos e dos pedófilos.

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