segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Sem emoção

Como muito bem já aqui assinalou Ferreira d'Almeida, o discurso de Jorge Sampaio não conseguiu sair do registo circular que sempre o caracterizou, a querer estar bem com todos mas a fingir que manda uns recados a lembrar que esteve atento e que, mal nosso se nos passou despercebido, sempre existiu. Pelo caminho ficou a emoção de ter dissolvido o Parlamento, apesar da "solidariedade institucional" que sempre terá dispensado a todos os Governos, passando um pano pelas oportunas intervenções, certamente também solidárias, que na altura fez à existência de vida para além do orçamento e à preocupante crispação que não se coibiu de salientar a propósito das primeiras medidas restritivas então tomadas. Longe vão essas memórias. Agora, que o ambiente está para isso, exorta às reformas e louva a "estabilidade política" resultante da "maioria dada a um só partido", como se a instabilidade tivesse reultado alguma vez de erros eleitorais anteriores.
O discurso flutuou depois erraticamente por acontecimentos dispersos, a crise internacional, o aniversários das independências, a atitude "frequentemente passiva" (?) de Portugal em relação à Europa, um alarme sobre a crise da Justiça que lhe terá merecido atenta relexão ao longo dos mandatos...
Uma intervenção frouxa, sem ânimo, vagamente justificativa, uma espécie de "desobriga" terminada com fórmulas mais que exaustas de orgulho pátrio e confiança na vitória dos portugueses e portuguesas, até nisso pouco convincente. E, como não deve estar a achar grande graça ao tom da campanha eleitoral e à objectiva desvalorização do cargo de que agora se despede, recorda, aí já com algum vigor, a importância da eleição que se aproxima e o papel activo que a Constituição reserva ao Presidente da República.
O apelo à participação eleitoral e o modo como veio lembrar que o cargo, afinal, existe e tem um espaço muito próprio, foram talvez os pontos altos deste mornissimo discurso/balanço.

9 comentários:

  1. Ora, primeiro, um bom ano.

    Depois, começamos já a discordar.:)
    O dissolver do Parlamento que JS protagonizou não foi uma mero um episódio passageiro emotivo . Foi o mais alto momento de uma Presidência da 3ª República. Se para mais nada tivessem valido os 10 anos de JS, valeram por esses 5 meses. JS fez toda a gente, inclusivé ele, assumir as suas responsabilidades independentemente das circustâncias em que foram assumidas. Aos eleitores lembrou que um mandato é para cumprir, à oposição que ser oposição não é andar em guerras internas, aos partidos que um partido é mais que um símbolo e ao PR, no caso ele, que na cabeça de um PR estão os destinos de uma nação.
    Acho os discursos de JS uma perfeita nódoa. Nos actos, foi exactamente aquilo que um PR deve ser, na defesa da nação e dos seus cidadãos.

    Falhou onde não devia ter falhado, na defesa do sistema judicial. O PR devia ter, quando se soube que até ele próprio estava sob escuta, levado tudo à frente.

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  2. Muito Bom Ano para si também, Tonibler, espero que o Novo Ano lhe mantenha o entusiasmo por uma boa polémica, é óptimo sinal!
    Realmente começamos com, algum desacordo =), mas nada de muito grave. O facto de ter havido a dissolução da AR, já muito adiantado o 2º mandato, não me parece nada de que o PR se deva orgulhar. Nesse ponto, tenho uma opinião muito crítica mas não pelo facto em si: acho que os sinais de ingovernabilidade eram óbvios, ainda que formalmente se mantivesse a maioria parlamentar. O que pergunto é em que é que um PR atento e interventivo podia ter evitado aquele disparate todo, incluindo o facto de ter sido possível Durão Barroso tratar de se ir embora sem aviso prévio, deixando tudo combinado para a sucessão, a certeza de que não haveria eleições, o tempo para o PS se reorganizar, etc. Quando agiu, o PR nada mais podia fazer e foi sempre a reboque dos acontecimentos. Não sei que glória pode haver em ter tido que chegar ao extremo a que se chegou. Também com Guterres não foi substancialmente diferente: era evidente o descalabro financeiro, já tinha havido 2 orçamentos "limianos", o ambiente político era mais que carregado. Foi preciso aquela noite eleitoral, foi preciso o gesto suicida, para o PR acordar. Depois, foi só deixar que as coisas acontecessem, o próprio PS queria eleições. E vem agora dizer que houve pouco empenho na integração europeia, que a justiça está em crise, que os Partidos têm que ser responsáveis, etc., com um paternalismo bolorento, umas afirmações incertas, enfim, uma fraqueza que sempre lhe conhecemos. Não digo que foi mau Presidente, para dizer a verdade nem sei se foi bom ou mau. Esse é o problema, não conseguimos atribuir-lhe nada de muito concreto, não fez nada de muito bem nem de muito mal, quando muito, cumpriu, sempre muito cauteloso com os seus envovimentos e com a sua imagem pública.A sua actuação é um pouco como os seus discursos - depois de acabados não conseguimos reter nada do que foi dito.

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  3. Bam, relativamente ao Durão, acho que foi o Sampaio que o incentivou em primeiro lugar. E, para ser sincero, não acredito que houvesse um português que não o tivesse incentivado a ir. E o problema do governo do PSD só se colocou porque era Santana Lopes. Se fosse MFL não se ouviria uma mosca quanto à sucessão. Como era o SL, até o PSD era contra! Para a próxima, isto já não vai acontecer, de certeza. Agora para o PR deve ser indiferente que o partido do governo escolha o capitão Roby se isso lhe apetecer e os eleitores o entenderem.
    Outra coisa, Sampaio não deu só tempo ao PS para se organizar. O facto é que tirando o PP, não havia nenhum organizado e o governo só foi abaixo depois do congresso do PCP. Neste aspecto, não há nada a apontar ao homem. O PS, o PSD e o PCP organizaram-se neste período e até o BE se formalizou de vez.

    Quanto aos discursos, pois...quando abre a boca é um problema....:)

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  4. Está bem, pronto, ficamos assentes quanto aos discursos...=)

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  5. Caro Pinho Cardão,

    Mas as ideias sobre as acções estavam correctíssimas e foram de um grande patriotismo. O problema é quando tem que ter ideias sobre acções que não tem nada que ver com elas. Isso é que é um problema...

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  6. O problema é que os discursos eram maus porque as ideias eram vagas e (propositadamente ou não)confusas e a capacidade de agir perto de nula. O problema é que Sampaio se emociona com a realidade - e nisso desperta alguma simpatia - mas nunca foi capaz de agir sobre ela. Era um observador atento...(e isto é porque sou cordata!)

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  7. O problema é que os discursos eram maus porque as ideias eram vagas e (propositadamente ou não)confusas e a capacidade de agir perto de nula. O problema é que Sampaio se emociona com a realidade - e nisso desperta alguma simpatia - mas nunca foi capaz de agir sobre ela. Era um observador atento...(e isto é porque sou cordata!)

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  8. Teve que escolher entre o número 2 de um partido e a convocação de eleições. Escolheu a primeira, contra o seu companheiro político de sempre. Agiu por aquilo que julgava correcto. Não,naquilo que tinha mesmo que agir, agiu.

    No resto, ele sempre defendeu que as nossas escolhas eram soberanas. Se alguém fez asneira fomos nós. Isto ainda percebi daquilo que ele dizia...:)

    Depois, há umas como a do capital de risco...

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  9. Caro Tonibler, reconheço que é difícil imaginar o que teria sido se as nossas escolhas tivessem sido outras, mas que a década não foi brilhante, isso não foi. Mais uma razão para sermos mais avisados na escolha que vamos fazer em breve =))...

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