domingo, 26 de fevereiro de 2006
Os nomes que se têm
“Conheces o nome que te deram,
Não conheces o nome que tens”
Livro das Evidências in Todos os Nomes
José Saramago
Já repararam na quantidade de nomes que vamos tendo ao longo da vida? Não, não me refiro àqueles que ninguém gosta de ouvir e que são usados por quem “vê o argueiro no olho do outro mas não vê a trave no seu”…Refiro-me aos que nos vão sendo dados com carinho, por brincadeira, com respeito, com desafio, com amor, com irreverência, sei lá! Há quase tantas variações como os grupos que integrámos, os meios em que vivemos, os papéis que desempenhámos, os amigos que fizemos…
O que é engraçado é que esses nomes correspondem ao modo como a nossa imagem ficou marcada nas pessoas que os adoptaram e que continuam a usá-los quando nos falam, embora não os utilizem quando falam de nós a outras pessoas que não partilham dessa memória comum. O Juca passa a ser o Arq. João quando o irmão fala com o colega do atelier, ou a Mariquita é a Maria dos Anjos para a família do genro…
Essa diversidade de nomes dá situações muito curiosas.
Uma vez houve um jantar para uma prima que já não encontrávamos há imensos anos e de quem nos lembrávamos como uma rapariga rebelde, que usava uma linguagem um tanto solta e que tinha decidido escandalizar a família ao querer ser pintora. Foi declarada imprópria para consumo quando pintou um quadro de uma das minhas irmãs, considerada uma criança lindíssima, e o quadro ficou tão feio que o pendurávamos à frente do espelho quando a queríamos ver furiosa. Essa tal prima era a Cilica Quando chegou ao jantar e ouviu “olá Cilica” ficou parada e disse “É incrível! Já não conheço ninguém que me chame por esse nome! Há muito tempo que não me sentia em família!” Nós, para não quebrar o ambiente, não lhe lembrámos o quadro.
Outra vez fui ao hospital visitar a Bé. A Bé era uma velhinha adorável, que criou uma legião de sobrinhos e sobrinhos netos, sempre com um pendurado nas saias e um sorriso doce que nunca esmoreceu até morrer. Acho que ninguém a conhecia sem ser por Bé. Acontece que fui ao guichet do hospital perguntar onde a podia encontrar e, do outro lado, ouço a pergunta espantosa:”-Qual é nome da senhora?” Respondi o óbvio: “-Bé, acho que é só Bé…” A mulher riu-se muito e adiantou com ar de quem faz uma maldade: -“É Maria Manuel, já disse isso não sei quantas vezes, com uma família tão grande e ninguém sabe o nome dela!” Quando contei à Bé ela fartou-se de rir.
Já a minha avó, temida pelo seu génio, era a Tia Strudes para os sobrinhos adultos, A Mana para os irmãos, a Dona Gertrudes para todos os que não fossem parentes em linha recta até ao 2º grau. Para o meu avô, era a Rabuja, a Razinza ou, nos momentos de menos tolerância, a Sarrazina (alturas em que ela já franzia o sobrolho com a impertinência). Ás netas, e só porque éramos meninas e ela já estava bem velhota, admitia Decas ou Déquitas, se não houvesse “pessoas de fora” a ouvir.
Há os casos opostos de falta de identidade, como o que li outro dia, em que no Japão, para os casamentos serem mais atractivos, os psicólogos recomendam aos maridos que, quando se dirigem às mulheres, as olhem de frente e as chamem pelo nome!
Nós somos todos os nomes, todas essas identidades. Pobre do que já não tem direito a que o chamem pelo nome.
Co´os diabos Suzana! Quantas vezes velhos amigos se me dirigiram com o seu nome real e eu não os identificava.
ResponderEliminarAgora que li a sua nota reparo que não sei ou não me lembro do "verdadeiro" nome de muitas pessoas. Mas dá-me um enorme prazer dize-lo da forma que eu aprendi na infância.
Realmente, quer queiramos quer não, os nomes que nos são dados moldam a nossa personalidade, quer o do baptismo, quer as variantes, entretanto adquiridas.
Uma nota cheia de encanto.
Um abraço.
Também para si, Massano Cardoso! Há que tempos que não nos encontrávamos no ciberespaço!
ResponderEliminarConcordo.
ResponderEliminarA nota da Suzana é cheia de encanto.
Os nomes que se têm são muito mais aquilo que se é, do que o nome que nos deram no registo.