quarta-feira, 26 de abril de 2006

Mulheres e comboios…



Os mais velhos ainda se recordam do tempo em que havia três classes no caminho-de-ferro: a primeira classe, para os ricos, com assentos almofadados e apoios de tecido branco para as ilustres cabeças, a segunda classe para os remediados, os quais, tinham direito a assentos e encostos revestidos a napa, e a terceira classe, de suma pau, para os da casta mais inferior!
Era interessante ver, nas estações, a deslocação das pessoas com as respectivas indumentárias e respectivos adereços à procura das diferentes carruagens, denunciando uma hierarquia social que, hoje, a muitos anos de distância, considero como obscena. Na altura, filho de ferroviário, tinha direito, com os meus pais, a viajar em segunda. Mas, apesar de conhecer o conforto e o “desconforto” de todas elas, pedia sempre ao meu pai para viajar em terceira classe. Pudera! Nesta classe saltava em cima dos assentos, de banco para banco, à vontade, sem os raspanetes, e não só, que ouvia nas carruagens mais ricas, porque podia sujar os assentos de tecido ou de napa. Além do mais, dava-me um gozo ter de abrir a porta, por fora, através da janela, a qual subia e descia graças a uma grande tira de couro vinda lá do fundo. O convívio com os restantes passageiros, partilhando dos apetitosos farnéis, a que não negava fogo, não sofria perturbação quer pelos respectivos e complexos odores, nem pelos animais que alguns transportavam à socapa e que me despertavam a atenção. Mais tarde foi abolida, e bem, a terceira classe, ficando os passageiros reduzidos a duas classes. Só recentemente, é que as diferenças entre as duas passaram a basear-se mais no “espaço” destinado ao utilizador do que propriamente no material dos assentos.
Poderíamos pensar que a discriminação social tinha já acabado, mas não, começa a ser substituída pela discriminação sexual. No Japão e, mais recentemente, no Brasil passou a haver carruagens só para mulheres, de forma a lutar ou prevenir o assédio sexual. No estado do Rio de Janeiro entrou em vigor, no passado dia 24 de Abril, uma lei que obriga os comboios e o metropolitano a disporem de carruagens exclusivas para o sexo feminino. Verdadeira patetice que, espero, não venha a ocorrer entre nós. Como deverão estar sinalizadas as carruagens? No tempo em que havia três classes, predominava a numeração romana. Agora, nestes casos, deverão apresentar símbolos sexuais idênticos aos que são utilizados nas casas de banho dos cafés e restaurantes, muitos dos quais se prestam a alguma confusão na primeira olhadela! Enfim, perfeitas loucuras, que não ficam por aqui. Não tarda muito, e ainda acabam por arranjar carruagens para os “limpinhos” e os “menos limpinhos”, ou carruagens para os assexuados e “outros”.
Alguns países querem separar as mulheres dos homens nos comboios. O nosso parlamento quer mais mulheres misturadas com os homens. Acho muito bem. Só não acho bem a fórmula encontrada para atrair o sexo feminino.
A lei da paridade é, no meu entender, uma ofensa às mulheres. Quer queiramos, quer não, mais tarde ou mais cedo, irá ocorrer a feminização da política, de forma idêntica ao que já ocorreu noutras actividades e sectores. Quando isso acontecer, quem sabe se esta lei não possa ser aproveitada para proteger os homens. Deve ser mesmo fácil: é só trocar o género!....

6 comentários:

  1. Caro Professor,

    Ainda ontem o vi, na tv, a falar do excesso de gordura abdominal nas mulheres (coisa horrorosa diga-se em abono da verdade, parece-me inconcebível como é que alguém se consegue deixar alcançar tamanha volumetria), e agora fala dos combóios no Brasil. É um modelo arcaico, sem dúvida, mas a alternativa é dar um «entoxe», in sitú, nos causadores de assédio.

    Ora, esta última alternativa não é menos arcaica que a primeira opção, mas é bastante menos ofensiva para a condição feminina.

    Eu sou um grande defensor do princípio do «Gender equality» e por isso, tanto sou contra a lei da paridade como contra os combóios cor-de-rosa (até porque isso me parece um bocado abichanado), mas também desconheço as estatísticas que os levaram a adoptar tal medida.

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  2. As medidas de segregação acabam por causar mais problemas, por vários motivos, alguns dos quais são óbvios.
    Era preferível que uma mulher vítima de assédio aplicasse um respectivo “golpe” nos ditos, mesmo que isso “custasse” algumas arrelias, do que estas soluções…

    Por acaso, na sequência das minhas conferências e num período de descanso, numa esplanada à beira-mar (apenas duas horas!), deu-me na tola abordar este assunto. Despertado por várias belezas que passeavam na ocasião, em contraste com as mulheres obesas, um daqueles comboios turísticos que passeiam pelas ruas e a notícia do jornal…

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  3. Pois eu entreguei a cada uma das minhas filhas, um daqueles alfinetes de chapéu, antigos, que usavam as nossas avós.
    Sei que foram usados, com sucesso, em ocasiões de "emergência", durante algumas viagens de metro.
    A saída era logo na paragem seguinte...

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  4. Medida hipócrita de um governo hipócrita.
    Quando um governo faz aprovar no parlamento uma medida destas quando tem, duas ministras em 16 ministros e 4 secretárias de estado em 33 secretários de estado, que outra coisa se poderá chamar ao dito governo e ao respectivo partido que o suporta?

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  5. Bem, espero que essa junção das leis carioca de segregação e portuguesa das quotas não signifique uma convergência de comportamentos dos alvos masculinos. Não ficava muito bem, no canal da AR, ver um deputado a aproveitar-se do balançar do plenário...

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  6. Amigo Tóni,

    Não desfazendo a imagética que criou para a AR, sei que o desespero pode conduzir a situações e a comportamentos surreais, mas olhe que era preciso estar já no limite para aproveitar o balançar da AR.

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