De há muito que os Municípios portugueses entraram no domínio da inovação financeira, de braço dado com os Bancos, para gerarem receitas que lhes permitam fazer face aos crescentes encargos resultantes, entre outras nobilitantes tarefas, de assegurarem emprego a um número crescente de portugueses.
O Governo até lhes devia estar grato - na perspectiva populista e propagandística, hoje dominante - pois sem essa ajuda dos municípios onde é que o desemprego iria.
Recordo-me por exemplo do “reverse-factoring” ou factoring ao contrário.
Apercebi-me pela primeira vez dessa inovação quando, há cerca de 4 anos, em conversa com um presidente de uma câmara de alguma importância, ele me ter dito que estavam a utilizar, com sucesso, o recurso ao factoring como forma de financiamento.
Mostrei-lhe alguma surpresa pois não percebia que tipo de serviços o Município em causa poderia prestar a terceiros para lhe permitir vender as facturas emitidas.
Duvida que o presidente rapidamente esclareceu, dizendo-me: “Não, nós não prestamos serviços, pelo contrário são os nossos fornecedores que nos prestam serviços e recorrem ao factoring. Nós só assumimos com a banca o compromisso de pagar a factura, mais os encargos financeiros dessa operação”.
Fez-se luz. Estava em presença de uma nova forma de factoring em que o cedente do crédito (fornecedor da autarquia) sai do circuito após a venda da factura, tudo se passando daí em diante apenas entre a factoring/ banco e o município pagador.
Vim depois a saber que essa prática se tinha generalizado, sendo utilizada por muitos outros municípios.
Está agora instalada uma polémica entre o Secretario de Estado da Administração Interna e alguns municípios a propósito do recurso, por estes, a uma forma de financiamento que consiste em vender à banca uma determinada receita (por exemplo uma renda de casa ou a receita da venda da água), por um prazo longo, que pode chegar a 20 anos ou até mais.
O Sec. Estado terá alegado que o recurso recente por parte de alguns municípios a esta fonte de financiamento constituiria uma fraude à lei, referindo-se a um projecto de lei que o Governo tenciona apresentar na A.R., dentro de algum tempo, no qual se prevê a proibição do recurso a essa forma específica de financiamento.
Essa polémica parece-me um tanto ridícula.
Também haveria fraude à lei, nesta bizarra interpretação, quando os consumidores, sabendo que a taxa do IVA vai aumentar no mês seguinte, antecipam as suas compras.
Vou limitar-me a comentar que a proibição em causa à primeira vista corre o risco de ser ineficaz.
Julgo que são possíveis diversas alternativas para uma operação com efeitos idênticos ao desta venda de créditos.
É tudo uma questão de imaginação e de capacidade criativa.
Nesse campo, tanto Municípios como Bancos deram já sobejas provas.
Concordo por inteiro coma análise que aqui faz, meu caro Tavares Moreira.
ResponderEliminarDe facto a reacção do senhor secretário de Estado que apela a um nov conceito - o da legalidade antecipada. Isto é, a lei das finanças locais antes de o ser já o era.
No limite o senhor secretário de Estado pode dizer que se trata de uma fraude às intenções do Governo. Às boas intenções, digo eu, embora não deixe de reconhecer que o mesmo governo que censura estas práticas tem transferido para as autarquias, sem o envelope financeiro correspondente, um conjunto de competências nas mais diferentes áreas.
Suspeito, por outro lado, que esta criatividade financeira não será tanto dos autarcas mas dos bancos que oferecem - seguramente no seu interesse - estes produtos, como oferecerão no futuro outros em sucedâneo, exactamente quando estes encontrarem limite na lei.
Sim, boa análise. Ainda não percebi uma coisa, se o governo quer tirar a liberdade das autarquias de contrarirem dívidas em nome do estado central, porque é que não tiram o nome do estado central do barulho?
ResponderEliminarAí as coisas eram limpas, o estado central deixa de garantir dívidas das autarquias e, daí para a frente, é entre uma entidade privada, o banco, e uma entidade pública legitimamente eleita, a autarquia.
O sec de estado, além de pensar que as pessoas de quem ele está a falar têm uma legitimidade democrática que ele não tem, devia pensar que com a garantia do estado os bancos até dançam, se fôr preciso.
Curioso, como apesar disto, ainda se acredita em regionalização... Os municipios parecem aquelas crianças rabinas que partem sempre as coisas das lojas e depois os pais é que pagam sempre a despesa.
ResponderEliminarTenho uma proposta: Porque não põe os serviços municipais a servirem de meras lojas do cidadão, e se apaga de vez aqueles disparates sobre os municipios na Constituição, sagradas vitórias de Abril?
Camarada Arnaldo,
ResponderEliminarOs eleitores que elegem a Fátinha?... Ou os que elegem o major?
Quais?
Caros Comentadores,
ResponderEliminarAlgumas notas de esclarecimento parecem-me oportunas:
- Não se disse que s Câmaras "faziam" factoring, mas sim e apenas que recorriam ao factoring como fonte de financiamento;
- Não se disse que esse recurso indirecto ao factoring era ilegal;
- A venda de receitas futuras também não é ilegal, embora, na minha perspectiva, seja uma má decisão;
- A venda de receitas futuras não é uma forma de endividamento, pois dessa venda não resultam obrigações financeiras para o município, a menos que este garanta a cobrança das ditas receitas o que não me parece ser o caso;
- O Estado não garante as dívidas dos municípios, a menos que o faça de forma expressa e especial por exemplo através da concessão do seu aval, o que só a título excepcional poderá acontecer;
- A razão da grande apetência dos Bancos pela concessão de crédito aos municípios explica-se pela existência de uma norma do B.P. que atribui um coeficiente de risco/ponderação a esses créditos muito inferior (20% apenas, salvo erro) do que é atribuído às dívidas a particulares e empresas. Trata-se de um incentivo oficial, muito poderoso, à concessão deste tipo de crédito.
Perdoe-me o radicalismo da opinião, camarada Madureira, mas os seus principios sao válidos e partilho deles, excepto para o Portugla autárquico. Olhando para este país, o mal é facilmente diagnosticável em todos as áreas: Ambiente, urbanismo, finanças publicas, etc etc etc. Todos estes problemas que afectam actualmente de forma muito séria o país, têm um denominador comum. Adivinhe qual é?...
ResponderEliminarCaros Comentadores,
ResponderEliminarNão sejam tão negativos em relação aos municípios, que aprenderam o que o Estado lhes ensinou.
Não é verdade que a criação de empresas municipais, por exemplo, resultou de uma lei da A.R., tanto quanto me recordo aprovada há cerca de 8 anos por grande maioria?
Por outro lado, com a aprovação do projecto da Regionalização - que espero não demore - todos estes vícios e pecados apontados aos municípios deverão ter um enquadramento novo, que nos deverá deixar bem mais tranquilos em relação às boas práticas de gestão publica.
As Regiões poderão muito bem ser o elemento novo, regenerador, da nossa Administração Publica.