quarta-feira, 25 de outubro de 2006

... Sobre o OE'2007

Ontem, terça-feira, Outubro 24, 2006, teve início o debate em redor do Orçamento do Estado para 2007 (OE’2007) em sede de Comissão de Orçamento e Finanças, na Assembleia da República. Até Novembro 03, os Ministros serão ouvidos um a um, em sessões que decorrerão de manhã e à tarde. A abrir, como é da praxe, lá esteve o Ministro das Finanças a apresentar o “seu” Orçamento. E coube-me a mim, enquanto vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD para a área da economia, questionar o Ministro e, enfim, expor a opinião do Partido sobre este Orçamento.

Já anteriormente a este debate tinha sido eu a “dar a cara” pelo PSD na reacção ao OE’2007, pelo que a minha opinião era sobejamente conhecida. Tinha até, merecido, alguns reparos, quer aqui, na blogosfera, quer de alguns opinion makers que, do meu ponto de vista, andam mais ou menos embevecidos com o Executivo e aceitam quase cegamente tudo o que vem da área Governamental.

Alguns não são economistas e, portanto, têm mais dificuldade em perceber a argumentação de determinadas posições (como sucedeu a alguns comentadores que me criticaram na blogosfera, por exemplo); outros têm formação económica – mas não me parece que tal seja suficiente para me criticarem pelo facto de, tendo eu igualmente formação económica, não ter propriamente concordado com o seu ponto de vista sobre este Orçamento do Estado.

Mas nenhum deles chegou ao ponto – que creio pode ser apelidado como “grave” – do Ministro das Finanças que, para minha total surpresa (já que dele tinha outra imagem), resolveu, durante mais de 20 minutos, desferir sobre mim um ataque que extravasou claramente a esfera política, tendo-se centrado, essencialmente, na esfera pessoal. Colocando em causa a minha honorabilidade, a minha imagem quer enquanto economista, quer enquanto académico; acusando-me de não ter lido o OE’2007; utilizando linguagem pouco apropriada para qualquer membro do Governo, quanto mais para um Ministro de Estado e das Finanças (referir-se como “vocês aí” e “vocês aí no PSD” não me parece uma forma correcta, para não dizer outra coisa, de se dirigir a Deputados…); revelando uma irritação absolutamente fora do comum; e levando uma colecção com os artigos que habitualmente escrevo, de quinze em quinze dias no "Jornal de Negócios" e fazendo citações de passagens escritas por mim no passado, com o intuito óbvio de apanhar contradições que me colocassem, a mim e à minha imagem, em xeque (isto só significa, aliás, que o ataque já vinha premeditado – e pouco teria a ver com a intervenção que proferi).

Chegado a este ponto, cumpre-me referir que não notei, em qualquer uma das citações feitas pelo Ministro sobre os meus escritos, qualquer contradição com o que tenho vindo a afirmar sobre o OE’2007. Nem reparei – e estive muito atento, como compreenderão – que o Ministro tivesse colocado em causa qualquer número ou facto por mim apresentado.

Mas enfim, como tínhamos, infelizmente, entrado na esfera do ataque pessoal, o resultado foi que tive que intervir uma segunda vez e, procurando não descer ao nível do Ministro, defendi quer a minha honra, quer a da Bancada do PSD.

Para quem não viu o debate de ontem, no Canal Parlamento, o jornal “Público” faz hoje uma ampla – e do meu ponto de vista fidedigna – cobertura do debate ontem travado, pelo que me dispenso de comentar mais este lamentável episódio, que extravasou claramente a área política.

Aliás, já em Maio último tinha sido o alvo de um ataque semelhante por parte do Primeiro-Ministro, quando o questionei sobre a utilização do produto da venda de património como receita para reduzir o défice – do meu ponto de vista, uma receita extraordinária. Mas enfim, na altura fiquei a saber que, agora, nesta legislatura, as vendas de património do Estado são vistas como “medidas de boa gestão”… pelos mesmos que dantes, na oposição, as classificavam como "vendas ao desbarato" e "truques orçamentais" para compor o défice!...

O problema é que, se calhar, o estilo de argumentação de José Sócrates em debate – que não me parece minimamente apropriado para um Primeiro-Ministro – está a ser apreendido por outros membros do Governo. E, portanto, só merece respeito quem com eles concorda; os outros, não só não possuem qualquer credibilidade, como são pessoalmente ofendidos. Nada recomendável, creio eu…

Enfim, porque este texto já vai longo, deixarei para futuras ocasiões apreciação com uma argumentação mais detalhada sobre as características principais do OE’2007. Mas não poderia terminar sem referir, de forma explícita e para que não restem dúvidas a ninguém que

1. Não retiro uma vírgula ao argumentário que tenho apresentado sobre o OE’2007, nem sobre os comentários feitos ontem no Parlamento, diante do Ministro das Finanças, sobre este documento.

2. As opiniões que tenho expressado sobre o OE’2007 em nada contradizem os textos que sobre finanças públicas e a área orçamental tenho publicado até aqui.

3. O OE’2007 tem um traço fundamental: a incapacidade do Governo de controlar e reformar a despesa pública. É verdade que a despesa pública, a despesa corrente e a despesa corrente primária (isto é, descontando os juros da dívida pública) no PIB descem de 46.3% para 45.4%, de 42.7% para 42% e de 39.8% para 39%, respectivamente – e que isso é positivo. Simplesmente, este critério, que continua válido (e nunca afirmei o contrário!), deve ser SEMPRE complementado com a evolução das rubricas em questão de um ano para o outro. Ora, a verdade é que qualquer uma destas rubricas da despesa vai, de 2006 para 2007,

- Aumentar em valores absolutos;

- Aumentar em termos nominais e reais (isto é, descontando a inflação)

- Aumentar mais do que se estima ter aumentado em 2006 – o que é pior.

Portanto, ao aumentar a despesa pública em 2007 mais do que aumentou em 2006, creio que não será difícil concordar que, para além de ser transmitido aos agentes um sinal de laxismo (que é claramente errado), se existiu um esforço de contenção da despesa, então esse esforço resultou num falhanço - que só não é maior porque o Governo corta onde é mais fácil cortar (no investimento público, que depois de cair cerca de 10% em 2006, torna a cair em 2007, agora 3%), e não onde devia cortar: nas despesas correntes, onde o "monstro" precisa realmente de ser controlado... e não o é!

E é por isso que considero o OE’2007 como uma desilusão – até por toda a propaganda feita pelo Governo à volta do documento antes de ele ser conhecido: que a descida da despesa ia ser inédita, íamos estar em presença de algo nunca visto, etc. Afinal…

Ah, e por falar em reputação, académicos, gestores e economistas como João César das Neves, António Carrapatoso, Eduardo Catroga ou Manuela Ferreira Leite, entre outros, corroboram, totalmente ou em parte, a minha opinião. Claro que, de acordo com os critérios do Ministro das Finanças, também eles estarão, certamente, a colocar a sua reputação em risco, devido às suas afirmações/análises… mais palavras para quê?!...

8 comentários:

  1. Bem, o homem orçamentou a subida da despesa. E quem é que o pode condenar? Se não consegue baixa-la...

    O que não justifica os termos em que respondeu. Aliás, ainda não percebi porque é que um ministro, que além de executivo, é executivo lá metido pelos cidadãos não é um amanuense qualquer, não pode assumir que é impossível no actual estado de coisas baixar a despesa ou indicar porque é que não pode baixar. Poderia e deveria fazê-lo, dizer "não posso orçamentar menos porque a) ..."

    E até seria inteligente porque a oposição ficava sem saber o que fazer à vida :)

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  2. boa malha drº frasquilho. realmente este governo é de uma falta de educação . e depois queixam-se "os eleitores estão afastados da politica!porque será!". sem duvida que o drº frasquilho é um dos melhores do psd..

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  3. M Frasquilho,

    Se me permite, felicito-o pelo excelente trabalho que tem desempenhado. Já tinha visto - e ficado chocado - com a atitude do PM no passado. Esta atitude do MF, na mesma linha, surpreende por vir de alguém que sempre tinha manifestado uma postura bem diferente.

    Penso que este género de situação é extraordinariamente grave, porque o M Frasquilho não está lá a título pessoal. Está a representar o principal partido da oposição e os eleitores que o elegeram deputado. É uma afronta, portanto, à Assembleia, ao eleitorado e ao funcionamento das instituições democráticas.

    E acho espantosa a condescendência dos media perante este tipo de atitudes grosseiras, e que têm sido recorrentes. Basta lembrar que, sem nunca ter sido incorrecto ou recorrido a expedientes desta baixeza, esta mesma comunicação social rotulou Cavaco Silva de "arrogante". Critérios...

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  4. Caríssimos,

    Obrigado pelos vossos comentários. Pois, é uma pena que atitudes e reacções deste género passem incólumes, porque "isto" extravasa claramente a esfera política... Mas, enfim, é o que temos. Agora, não deixa de ser verdade que, neste Governo, a irritação acontece com grande facilidade... Desde o PM até aos Secretários de Estado. E vem acontecendo cada vez com maios facilidade... e maior frequência!... Será algum prenúncio?!...

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  5. neste caso apetece-me citar duas pessoas ;1º mário soares - "é a ditadura da maioria"
    2º chuchill-'a Democracia é um mau regime; mas é o melhor que se conhece!'

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  6. Anónimo19:14

    Meu caro Miguel,
    Não acompanhei, nem tive nota - de tão ocupado que tenho estado nestes últimos dias - do episódio que relata. Mas lembro-me daquele, já aqui referenciado, em que o senhor Primeiro-Ministro se lhe dirigiu no Parlamento de forma desprimorosa e descortês num debate que manifestamente não estava a correr bem para o Governo.
    O senhor Eng. José Sócrates tem o feitio que tem. Julgo porém que muita daquela aspereza com que por vezes intervém é teatral, faz parte da encenação que prepara para fazer passar a imagem de um PM firme e convicto, ou seja, a antítese do Engº Guterres (preocupação que devo dizer que compreendo...).
    Grave no entanto é o facto de o senhor PM não poder ignorar que não é desferindo ataques ad homine que se faz o combate político que deve ser sempre o combate de ideias no respeito das regras de convivência política e do respeito pelas diferenças.
    O que já é para mim dificilmente compreensível é a atitude que relata do senhor Ministro das Finanças, pessoa que me dava a ideia de ter uma postura nada trauliteira. Pelos vistos enganei-me...
    Mas o meu caro Miguel sabe que comportamentos destes põem afinal a nu fraquezas, fragilidades e inseguranças. Se o ministro assim reagiu, é porque se sentiu muito incomodado com as críticas que o meu Amigo dirigiu ao Orçamento. Se assim foi, e não vejo que outra razão possa substituir esta, então ainda bem que o senhor Ministro das Finanças se sentiu incomodado. Porque a Oposição serve para isso, serve para incomodar quando tem razões para apontar o que não está bem. E nesta matéria do Orçamento, para lá das intenções correctas, já se percebeu que existiu pouca ponderação, pouca preparação e muita ilusão.

    Não deixa de ser, porém, estranho este nervosismo vindo de um governo que tem uma maioria absoluta e que não necessita de assim se comportar para fazer prevalecer os seus pontos de vista.
    Há sintomas de manifesta insegurança no interior deste governo. Receios de um desgaste mais rápido do que provavelmente se tinha considerado no "planeamento" da legislatura e que têm dado origem a outros momentos verdadeiramente lamentáveis como aquele verdadeiro (e desnecessário) golpe baixo do senhor Ministro António Costa, desferido contra o Dr. Fernando Ruas em pleno debate televisivo sobre a lei das finanças locais quando a despropósito recordou a ameaça da calhoada contra os funcionários do ministério do ambiente.

    Apesar de ter visto acima referido, oxalá que estes episódios não sejam, afinal, expressaão de tiques autoritários mal reprimidos. Tiques de quem julga que tudo pode dizer no conforto da maioria. Se assim fosse, então sim era razão para mais do que ficarmos indignados (como ficamos ao constatar a falta de nível na postura do Ministro), ficarmos muito preocupados. Porque a ser assim tal significaria que os senhores membros do governo teriam perdido a noção que a função do deputado, para além de fazer as leis é a de pedir contas ao governo. E em contrapartida o dever do governante é de, respeitando o estatuto dos parlamentares prestar essas contas. Como bem entenda, mas sempre no respeito pelo papel desempanhado pelos DIRECTOS representantes do Povo. Como é de elementar regra em qualquer democracia saudável e pluralista.

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  7. Oh Miguel. Quando um governante envereda pela má criação e insulto pessoal está a definir-se de uma forma ultra transparente: não presta.
    A "irritação dos governantes" é um sintoma que não prenuncia boas coisas, quer para os póprios e, sobretudo, para nós...

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  8. Caro Miguel Frasquilho,
    Só agora li este seu post.
    Aqui vai um abraço de solidariedade e a minha interpretação do episódio que relatou como um sinal com forte significado político (forward).
    Aguardemos os próxims episódios, que prometem.

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