domingo, 19 de novembro de 2006

“Provincianismo”...

Ao fim de algum tempo acabamos por conhecer (e dar a conhecer) alguns pensamentos meio estereotipados de quem tem o hábito de escrevinhar. O caso dos cronistas é paradigmático. São criativos, bons pensadores, analistas inventivos e despertam reacções, contribuindo para a nossa formação. No entanto, acabam por se repetirem, denunciando alguns princípios em que baseiam muito das suas análises.
Dois dos nossos cronistas traduzem bem este fenómeno. Um deles, Eduardo Prado Coelho arremata, normalmente, com assinalável e arrogante desprezo qualquer crítico às suas opiniões com "Mas quem é? Quem o conhece?". Só "admite" opiniões de pessoas ilustres e cotadas na sua exigente bolsa cultural. Um ser, intelectualmente superior, representante máximo da "nobreza das letras e do pensamento filosófico nacional e internacional”.
O outro é Vasco Pulido Valente, responsável por esta reflexão, com a sua crónica de hoje, em que afirma que Sócrates e Cavaco saíram de obscuros cantos da província e que nunca se adaptaram à cultura urbana. A partir deste pressuposto, que lhe é muito comum, provincianismo, tenta explicar as razões das suas condutas como governantes.
Esta coisa do provincianismo tem muito que se lhe diga. Provavelmente, para VPV, o ideal seria ter governantes urbanos, de boa “linhagem”, criados e educados na única cidade, Lisboa, com capacidade para evitar que se transmita ou desperte nos cidadãos quaisquer comportamentos que inviabilizem o progresso e desenvolvimento do país! Delicioso. Volta e não volta vem à baila com este conceito que, diga-se de passagem, ouço desde garoto. De facto, cada vez que ia a Lisboa com os meus pais, à chegada a Santa Apolónia, tomávamos invariavelmente um táxi. O motorista fazia a pergunta sacramental: - " Então vêm da província?" E a seguir queria pormenores sobre o local. Recordo-me da minha estupefacção perante a palavra província. Perguntava ao meu pai, porque razão o motorista falava daquele modo – detectava qualquer coisa que eu não sentia nos “chauffeurs de praça da província" – e que era uma forma de superioridade. O modo de falar e a palavra província estavam associados. Apercebi-me deste comportamento e, sempre que ia a Lisboa, punha-me à coca para ver se o motorista se comportava da mesma maneira. E, para o meu espanto lá vinha a mesma frase e pergunta.
Mais tarde estudei a origem da palavra província. Fiquei a saber que os romanos, após a conquista, designavam as possessões estrangeiras, fora da península itálica, como províncias. Província, terra para os vencedores. Acabei por chegar à conclusão: mas Lisboa nunca conquistou o resto do país! Foi também conquistada e, por esse motivo, faz parte da província. Esperei que um dia, um qualquer motorista, à chegada a Santa Apolónia, me viesse com essa conversa da “província” que eu lhe dizia! O tempo passou e os motoristas mudaram, hoje já não perguntam: - "Então vem da província?". No entanto, o tique dos motoristas de táxi da década de cinquenta e boa parte de sessenta ainda perdura na cabeça de alguns cronistas-taxistas dos nossos dias. - “Então senhor Primeiro-ministro (ou Senhor Presidente da República) vem da Província?...

5 comentários:

  1. Professor Massano Cardoso,

    Gostei imenso da sua reflexão.
    Apenas uma achega para ajudar a um certo enquadramento histórico do uso da expressão "província".
    Quem não se lembra, faz parte da história contemporânea, das "províncias ultramarinas" assim nos dirigíamos às colónias portuguesas.
    Estou convencida que havia como que um sentimento de posse por parte dos lisboetas e do poder central em relação ao interior do País, talvez por alguma influência das províncias ultramarinas, terras "para os vencedores" (ou de vencedores).
    Hoje ainda dou comigo a falar na "província" quando me refiro, com carinho e em jeito de graça, à quinta que tenho lá para os lados de Arganil. Mas brincando, brincando, acabo, com um certo orgulho, por marcar uma certa diferença.
    O "provincianismo" dos nossos governantes até é, em certa medida, bem vindo. A "província" tenderia a ser melhor valorizada, naquilo que é a gente, a tradição, a história, os hábitos e bons costumes e muito mais. De outra maneira estaremos condenados a convergir para uma faixa litoral, onde o urbano esmaga o "provinciano".
    É isto que queremos?
    A dicotomia provinciano-urbano parece-me, francamente, um pouco saloia!

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  2. Anónimo19:22

    Meu caro Professor, é exactamente esta mentalidade que alimenta o centralismo mais ou menos disfarçado. A inteligência está, para os bem-pensantes, toda concentrada em Lisboa. Por isso é que essa inteligência suporta mal que pessoas como Cavaco Silva, educados fora dos Restelos e alheios ao ambiente das boas famílias da Linha, tenham chegado onde chegaram. E para supremo desgosto das criaturas, os actos desses que foram feitos e cresceram na estupidificante província, tornem aos olhos da esmagadora maioria dos portugueses, absolutamente irrelevante a soberba e a pesporrência que exibem.
    De Santana Lopes VPV dizia ontem que só uma mente infantil poderia ter escrito algumas das coisas que escreveu. Mas pelos vistos a infantilidade é um virus que se propaga rapidamente entre certa "elite"...
    Quanto ao inefável EPC, bom, cheguei ao limite da minha capacidade de suportar a mais balofa das arrogâncias!
    Meus caros, perante tamanhas inteligências, que apesar do tamanho não parecem fazer felizes os seus proprietários, a aquilatar pela amargura que se destila dos seus escritos, confesso que o meu provincianismo, convolado em desdém, me faz sentir bem!

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  3. EPC e VPV são meros "opinistas", a nenhum se conhece outra utilidade. A sua importância só vem da importância que lhes derem.

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  5. Se não fosse sempre desagradavel saber que a doença que nos ataca, qd menos esperamos, eu diria que EPC é mesmo um homem culto, isto é cultivado! Dali saem bróculos, nabos, e outros produtos de horta por tudo que é lado!
    Porém segundo me disseram e espero que não seja verdade o homem está doente. Será boato! Espero que sim! A qualquer desejo sempre saúde!
    Ao VPV acho graça! É um criativo. A "sua picareta falante" fica nos anais! O problema é o resto.
    Indo ao mote do post do prof Massano, agradeço-lhe ter-me transmitido, neste fim de dia, já noite dentro, um nota de ânimo: " Orgulho de, tambem eu, ter vindo da Provincia"!
    Um abraço grato.

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