terça-feira, 26 de dezembro de 2006

O Governo da reacção

Segundo a imprensa desta manhã, o senhor Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor quer que a Autoridade da Concorrência avalie os preços dos combustíveis, mais elevados em Portugal que nos restantes países, numa altura em que a alta do euro beneficia os países importadores de crude e seus derivados. E que o preço do crude nos mercados internacionais estabilizou em pouco mais de 60 dólares, 10 dólares abaixo (salvo erro) do preço que motivou o último aumento dos combustíveis sentido pelos consumidores portugueses, acrescento eu.
Por aqui já tínhamos assinalado a situação que aparenta contornos de intolerável cartelização. Parece que o dia de Natal fez despertar o Senhor Secretário de Estado para o problema. Bendito espírito de Natal...
Valendo sempre mais a reacção tardia do que a omissão, anota-se aqui a atitude do governante.
Duas notas, porém.
A primeira tem que ver com esta forma de governar por impulso. Rara é a iniciativa do Governo que se antecipa à denúncia reiterada dos cidadãos, suas organizações ou instituições. É cada vez mais um governo de reacção, que agita só depois de se ver agitado.
A segunda nota é para assinalar que o senhor Ministro da Economia parece não existir para estas questões. E, todavia, esta como outras (por exemplo as do arrastamento inacreditável dos processos das OPA lançadas sobre a PT e o BPI), são questões que em muito excedem o âmbito da defesa do consumidor que preocupam o senhor Secretário de Estado Serrasqueiro. São problemas da economia, cuja saúde só se garante se o Governo estiver atento às práticas lesivas da livre concorrência e agir em conformidade por iniciativa própria.
E não se diga, como têm tentado dizer vários dos governantes, que as questões da concorrência são do domínio exclusivo da Autoridade da Concorrência, porque a própria conduta interventiva do Executivo noutras situações nas quais não hesitou em desautorizar entidades reguladoras, frontalmente desmente quem apresenta tal desculpa. É certo que nesses casos igualmente o Governo, como agora, actuou por reacção. Mas fez sentir a sua autoridade e quis transmitir que não anda a dormir na forma.
Veremos se os interesses da Galp, e da sua posição no mercado, não falam mais alto do que este ruidoso silêncio do senhor Ministro Pinho, neste caso do preço dos combustíveis...

5 comentários:

  1. "Intolerável cartelização", caro JMFA, não será. Descarada, desavergonhada, com toda a lata, etc..., sim. Agora intolerável não será, até porque toda a gente sabe quem a faz e porque a faz. Ao fim do dia, intolerável é só a fuga ao fisco porque isto toleramos muito bem, a avaliar pela acção dos representantes do povo. Digo eu...

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  2. Se houvesse cartelizaçãoneste sector - tal como na banca, já agora - o governo seria um dos primeiros actores e responsáveis!
    Como pode o governo colocar sequer essa hipótese, sendo um dos principais accionistas da maior empresa a operar em cada um desses sectores? (Ou tendo sido um dos principais até há bem pouco tempo)? A cartelização pode fazer-se à revelia da maior empresa?! Ou ter sido concretizada a partir do recente IPO da Galp? (E quando a generalidade dos corpos sociais da empresa ainda são os que foram nomeados pelo governo?)

    Esta denúncia - que me parece absurda - cheira muito mais a "spin", em vésperas de mais um aumento dos combustíveis - provocado não por um tenebroso cartel mas por um tenebroso governo, insaciável a extorquir cada vez mais impostos.

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  3. Cada vez tenho mais vontade de emigrar... ou de ser espanhol...

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  4. Anónimo11:19

    Caro Dr. José Mário Ferreira de Almeida,

    Só uma posição concertada do mercado parece explicar a situação escandalosa que nos retrata, que não é nova, mas que agora se tornou mais evidente do que há uns tempos atrás.

    As questões da concorrência não são exclusivas nem das entidades governamentais, nem das entidades reguladoras do mercado. É caso para nos interrogarmos se as entidades responsáveis não estão, afinal, “concertadas”, uma vez que há uma total ausência de intervenção que, admitamos, pode ter explicações distintas.

    Porque será que o Governo não actua? Será que os interesses fiscais são superiores aos interesses dos consumidores e a uma sã concorrência? E será que a Autoridade da Concorrência dispõe dos meios necessários – humanos e financeiros – para cumprir adequadamente a sua missão?

    Quando um regulador não dispõe de autonomia financeira – o orçamento da Autoridade está sujeito a aprovação do Governo – e se vê, por essa via, condicionado na adequação das suas competências a uma intervenção eficiente, seja ex-ante, impedido os abusos de práticas lesivas da concorrência, seja ex-post, condenando comportamentos predatórios, que responsabilização lhe pode ser exigida?

    Se o Governo não se preocupa com a economia e se a Autoridade da Concorrência não actua (desde há muitos meses que as suas atenções estão concentradas nos sectores das comunicações e da banca), os resultados não se fazem esperar: o preço dos combustíveis é só um exemplo!

    Mas, já agora, por onde andam as vozes das associações de defesa dos consumidores? Também se eclipsaram? Quem nos acode?

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  5. Anónimo14:53

    Bem pertinentes as suas questões, meu caro Antunespedroso.
    Temo que parte delas ficarão sem resposta.
    Há um aspecto do seu comentário que subscrevo inteiramente. A responsabilidade primeira não cabe ao Estado. Cabe aos operadores do mercado se se confirmar que existe o tal cambão para fixação dos preços. Mas ao governo e aos reguladores compete vigiar o comportamento dos agentes no mercado. Porque se não forem os mecanismos de hetero-regulação está visto que não será com base na responsabilidade daqueles que se construirá um mercado baseado em sadias regras de concorrência e de transparência.

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