José Alves era uma pessoa desconcertante.
Quem o visse, com os cabelos de um branco luminoso, o nariz comprido e uma pálpebra meio descaída a esconder-lhe o lampejo trocista do olhar, julgava-o um velhote sisudo e pouco dado a intimidades. Mas, ao cabo de pouco convívio, logo lhe assomava um humor delicioso, brincalhão mas exigente, e uma cultura de saber feito pela curiosidade imensa do seu espírito inquieto.
Nasceu na Covilhã, corriam os finais do século XIX, e era o mais velho de 12 irmãos vivos. Contava, com graça, que os pais tinham tido 18 filhos, dos quais apenas 3 rapazes, e que o pai morreu novo, pelos 50 anos, não sabia se de susto, se de exaustão.
Herdou o nome do irmão que o antecedeu e que morrera à nascença, e assim justificava uma espécie de dupla personalidade que o tornava tão interessante e imprevisível. “- Sou José pelos dois”, dizia, na galhofa. O irmão mais novo, o Tonecas, distava dele mais de 20 anos, e pelo meio havia uma legião de irmãs cujos nomes ele desfiava como quem conta as contas de um rosário.
José Alves estava destinado ao Seminário, único meio de prosseguir estudos. Mas veio a República, e o incidente desviou-o de ser padre, mesmo a tempo da opção que ele não tinha ainda como pacífica. Seja como for, viu-se entregue ao destino comum e não teve outro remédio senão dedicar-se ao comércio de lanifícios, arranjar noiva e constituir família. Tinha o latim como segunda língua e ouvia ópera na telefonia, horas a fio, desafiando os netos a adivinhar o desenrolar da história através da intensidade das melodias.
Teve 4 filhos e 14 netos, junto de quem era uma referência. O seu gosto pela vida fazia-o dizer que nenhuma pessoa é bonita se não souber dar uma boa gargalhada. E levava isso tão a peito que se afincava a ensinar os netos a rir, mal lhes adivinhava um pouco de tino. “- Ri-te lá, minha menina, ri-te. Ah,ah,ah!” Daí que já poucos o conhecessem pelo nome herdado do irmão, pois José Alves era apenas o “Avô AhAh”, modo como os netos se lhe dirigiam numa homenagem que o enchia de orgulho.
Muitas vezes se perguntava como teria sido a sua vida se a República não lhe tem fechado as portas do seminário. E concluía invariavelmente, para atazanar Maria do Espírito Santo, sua companheira de mais de 50 anos:
-Ai, Maria, Maria, a tua sorte foi a República!
E seguia pelo corredor fora, satisfeito, a enrolar o cigarro na mortalha Ziguezague e a rir baixinho com a rima que lhe chegava como um eco:
- Sorte? Olha para ele!, tem tanta graça como uma cabaça!
Quem o visse, com os cabelos de um branco luminoso, o nariz comprido e uma pálpebra meio descaída a esconder-lhe o lampejo trocista do olhar, julgava-o um velhote sisudo e pouco dado a intimidades. Mas, ao cabo de pouco convívio, logo lhe assomava um humor delicioso, brincalhão mas exigente, e uma cultura de saber feito pela curiosidade imensa do seu espírito inquieto.
Nasceu na Covilhã, corriam os finais do século XIX, e era o mais velho de 12 irmãos vivos. Contava, com graça, que os pais tinham tido 18 filhos, dos quais apenas 3 rapazes, e que o pai morreu novo, pelos 50 anos, não sabia se de susto, se de exaustão.
Herdou o nome do irmão que o antecedeu e que morrera à nascença, e assim justificava uma espécie de dupla personalidade que o tornava tão interessante e imprevisível. “- Sou José pelos dois”, dizia, na galhofa. O irmão mais novo, o Tonecas, distava dele mais de 20 anos, e pelo meio havia uma legião de irmãs cujos nomes ele desfiava como quem conta as contas de um rosário.
José Alves estava destinado ao Seminário, único meio de prosseguir estudos. Mas veio a República, e o incidente desviou-o de ser padre, mesmo a tempo da opção que ele não tinha ainda como pacífica. Seja como for, viu-se entregue ao destino comum e não teve outro remédio senão dedicar-se ao comércio de lanifícios, arranjar noiva e constituir família. Tinha o latim como segunda língua e ouvia ópera na telefonia, horas a fio, desafiando os netos a adivinhar o desenrolar da história através da intensidade das melodias.
Teve 4 filhos e 14 netos, junto de quem era uma referência. O seu gosto pela vida fazia-o dizer que nenhuma pessoa é bonita se não souber dar uma boa gargalhada. E levava isso tão a peito que se afincava a ensinar os netos a rir, mal lhes adivinhava um pouco de tino. “- Ri-te lá, minha menina, ri-te. Ah,ah,ah!” Daí que já poucos o conhecessem pelo nome herdado do irmão, pois José Alves era apenas o “Avô AhAh”, modo como os netos se lhe dirigiam numa homenagem que o enchia de orgulho.
Muitas vezes se perguntava como teria sido a sua vida se a República não lhe tem fechado as portas do seminário. E concluía invariavelmente, para atazanar Maria do Espírito Santo, sua companheira de mais de 50 anos:
-Ai, Maria, Maria, a tua sorte foi a República!
E seguia pelo corredor fora, satisfeito, a enrolar o cigarro na mortalha Ziguezague e a rir baixinho com a rima que lhe chegava como um eco:
- Sorte? Olha para ele!, tem tanta graça como uma cabaça!
a drª susana tem que reunir estes posts (lindissimos ,não me canso de referir) num livro...
ResponderEliminarAqui está mais um argumento republicano de peso. Se não tivesse ocorrido a República, muito provavelmente, não teríamos a Suzana, as suas maravilhosas histórias e o seu belo sorriso...
ResponderEliminarBem observado meu caro Professor Massano Cardoso. Caso para dar vivas à República, de facto!
ResponderEliminarOs efeitos colaterais são de facto terríveis...;)
ResponderEliminarMas uma outra coisa é certa: Se José Alves tivesse seguido o que "lhe estava destinado" teriamos,também, seminários e uma Igreja muito mais alegre e sorridente ao Mundo!
ResponderEliminarE a Suzana não era "inviável" no meio de tanta alegria! "Não era Avô AhAh"?
Onde é que isso já vai! Lá teríamos que reescrever a história, mas numa versão não publicável!
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