No decurso de um colóquio sobre doença crónica, em que foram apresentados vários temas, tive a necessidade de intervir - além da minha própria comunicação - a propósito de opiniões discriminatórias no acesso aos cuidados de saúde.
Face aos crescentes custos económicos, resultantes do aumento da prevalência das doenças crónicas, e dos meios necessários ao seu controlo e terapêutica, um dos convidados falou da necessidade em “aumentar” e “responsabilizar” os cidadãos quanto aos seus deveres. Dever de manter e preservar a sua saúde. Claro que qualquer um tem essa obrigação. Mas o problema não se centra neste ponto, mas sim no facto de, pelo menos em alguns países, muitos cidadãos começarem a não ter direito à assistência caso sejam cultivadores de certos comportamentos. Uma das participantes chegou mesmo a afirmar que, caso um doente fosse, por exemplo, fumador, e necessitasse de cuidados de saúde diferenciados, deveria comparticipar nos custos finais, mais caros, pagando o excedente atribuído à doença em termos de GDH (grupos de diagnóstico homogéneo). Esta tabela contempla o “valor” de cada doença (financiamento do sistema público).
Vamos ver se entendemos a posição da senhora. Um sujeito qualquer precisa de ser hospitalizado, mas a sua condição de fumador (um exemplo, entre muitos outros) constitui um factor de agravamento, levando a permanecer mais tempo no hospital e a exigir mais cuidados, logo, mais custos. O senhor em questão não pagaria nada (excepto as tais novas taxas de hospitalização à “Correia de Campos”) se não tivesse aquele comportamento. Mas como fuma, a diferença entre o que está estabelecido e o efectivamente gasto teria de ser suportado por ele!
Até me arrepiei! Credo! Como é possível ter tamanho atrevimento? E, não estava a brincar, dizia mesmo que é uma corrente que está a chegar. Isso sei eu. Esta atitude foi “profetizada” há já alguns anos pelo falecido Petr Skrabanek, considerado como um verdadeiro enfant terrible, ao denunciar o advento da medicina coerciva e do fascismo da saúde. Dizia este médico checo, que escapou à Primavera de Praga por se encontrar na altura em Dublin e que não regressou ao seu país, porque sabia o que lhe poderia acontecer, que a discriminação na saúde seria um perigo a tomar em consideração, com consequências muito nefastas em termos de ordem social.
Os regimes democráticos têm mecanismos para evitar qualquer espécie de totalitarismo, mas não conseguem fazer com que desapareçam. As tendências existem e, claro está, aproveitam tudo o que esteja ao seu alcance para se imporem. Não podemos esquecer que, até hoje, todos os regimes totalitários começaram com a mesma intenção: “A bem do povo...”
Neste momento, a área da saúde é propícia a ideias totalitárias. Dizer às pessoas que o acesso a certas práticas poderá depender dos seus comportamentos, privilegiando os “melhores comportados”, é muito perigoso.
Vejamos os seguinte cenários:
- O senhor Silva fuma? Desculpe, mas tem de ir para o fim da lista. Os que não fumam têm prioridade.
- O senhor Pereira bebe? Desculpe, mas tem de ir para o fim da lista. Os que não bebem têm prioridade.
- Oh senhora Maria! Gorda como está, nem pensar, tem que ir lá para o fundo. Olhe, aproveite para emagrecer, até, porque a fila já está muito longa...
- Senhor Marques, senhor Marques! Quantas vezes o informaram que não podia andar nas farras? Quantas?! De acordo com as informações que tenho são mais do que suficientes para o por na fim da lista.
- Bem-vinda senhora Felisberta! Amanhã vai ser operada. A senhora não bebe, não fuma, não está gorda e tem-se portado muito bem. Sim senhora! – Como? não tem nada!? Não faz mal, vai ser operada na mesma. Não me diga que quer desperdiçar esta oportunidade!
Claro que há excepções, do género, o menino Carlos que, sendo toxicodependente, tem acesso a seringas, a substitutivo da droga, a um qualquer suplemento económico, a salas de “chuto” e, até, “prioridade” no acesso, em caso de doença, porque pertence a uma minoria, e os direitos das minorias são para respeitar!
É preciso ter tino, e muito, para evitar quaisquer discriminações na área da saúde, porque constituem portas abertas para outras formas de desequilíbrio social.
Da minha parte, ao perfilhar e comungar das preocupações de Skrabanek, tudo farei para defender os direitos de qualquer um, seja fumador, bebedor, “fornicador compulsivo”, obeso, guloso, sedentário refractário que, embora corra riscos acrescidos, em função do seu comportamento, deverá ter os mesmíssimos direitos dos “bem” comportados.
Cuidado! Eles não brincam...
Não esquecer que, um dia destes, poderemos ser rotulados de qualquer coisa com “interesse” para os decisores políticos nos colocarem na cauda de uma qualquer lista...
Face aos crescentes custos económicos, resultantes do aumento da prevalência das doenças crónicas, e dos meios necessários ao seu controlo e terapêutica, um dos convidados falou da necessidade em “aumentar” e “responsabilizar” os cidadãos quanto aos seus deveres. Dever de manter e preservar a sua saúde. Claro que qualquer um tem essa obrigação. Mas o problema não se centra neste ponto, mas sim no facto de, pelo menos em alguns países, muitos cidadãos começarem a não ter direito à assistência caso sejam cultivadores de certos comportamentos. Uma das participantes chegou mesmo a afirmar que, caso um doente fosse, por exemplo, fumador, e necessitasse de cuidados de saúde diferenciados, deveria comparticipar nos custos finais, mais caros, pagando o excedente atribuído à doença em termos de GDH (grupos de diagnóstico homogéneo). Esta tabela contempla o “valor” de cada doença (financiamento do sistema público).
Vamos ver se entendemos a posição da senhora. Um sujeito qualquer precisa de ser hospitalizado, mas a sua condição de fumador (um exemplo, entre muitos outros) constitui um factor de agravamento, levando a permanecer mais tempo no hospital e a exigir mais cuidados, logo, mais custos. O senhor em questão não pagaria nada (excepto as tais novas taxas de hospitalização à “Correia de Campos”) se não tivesse aquele comportamento. Mas como fuma, a diferença entre o que está estabelecido e o efectivamente gasto teria de ser suportado por ele!
Até me arrepiei! Credo! Como é possível ter tamanho atrevimento? E, não estava a brincar, dizia mesmo que é uma corrente que está a chegar. Isso sei eu. Esta atitude foi “profetizada” há já alguns anos pelo falecido Petr Skrabanek, considerado como um verdadeiro enfant terrible, ao denunciar o advento da medicina coerciva e do fascismo da saúde. Dizia este médico checo, que escapou à Primavera de Praga por se encontrar na altura em Dublin e que não regressou ao seu país, porque sabia o que lhe poderia acontecer, que a discriminação na saúde seria um perigo a tomar em consideração, com consequências muito nefastas em termos de ordem social.
Os regimes democráticos têm mecanismos para evitar qualquer espécie de totalitarismo, mas não conseguem fazer com que desapareçam. As tendências existem e, claro está, aproveitam tudo o que esteja ao seu alcance para se imporem. Não podemos esquecer que, até hoje, todos os regimes totalitários começaram com a mesma intenção: “A bem do povo...”
Neste momento, a área da saúde é propícia a ideias totalitárias. Dizer às pessoas que o acesso a certas práticas poderá depender dos seus comportamentos, privilegiando os “melhores comportados”, é muito perigoso.
Vejamos os seguinte cenários:
- O senhor Silva fuma? Desculpe, mas tem de ir para o fim da lista. Os que não fumam têm prioridade.
- O senhor Pereira bebe? Desculpe, mas tem de ir para o fim da lista. Os que não bebem têm prioridade.
- Oh senhora Maria! Gorda como está, nem pensar, tem que ir lá para o fundo. Olhe, aproveite para emagrecer, até, porque a fila já está muito longa...
- Senhor Marques, senhor Marques! Quantas vezes o informaram que não podia andar nas farras? Quantas?! De acordo com as informações que tenho são mais do que suficientes para o por na fim da lista.
- Bem-vinda senhora Felisberta! Amanhã vai ser operada. A senhora não bebe, não fuma, não está gorda e tem-se portado muito bem. Sim senhora! – Como? não tem nada!? Não faz mal, vai ser operada na mesma. Não me diga que quer desperdiçar esta oportunidade!
Claro que há excepções, do género, o menino Carlos que, sendo toxicodependente, tem acesso a seringas, a substitutivo da droga, a um qualquer suplemento económico, a salas de “chuto” e, até, “prioridade” no acesso, em caso de doença, porque pertence a uma minoria, e os direitos das minorias são para respeitar!
É preciso ter tino, e muito, para evitar quaisquer discriminações na área da saúde, porque constituem portas abertas para outras formas de desequilíbrio social.
Da minha parte, ao perfilhar e comungar das preocupações de Skrabanek, tudo farei para defender os direitos de qualquer um, seja fumador, bebedor, “fornicador compulsivo”, obeso, guloso, sedentário refractário que, embora corra riscos acrescidos, em função do seu comportamento, deverá ter os mesmíssimos direitos dos “bem” comportados.
Cuidado! Eles não brincam...
Não esquecer que, um dia destes, poderemos ser rotulados de qualquer coisa com “interesse” para os decisores políticos nos colocarem na cauda de uma qualquer lista...
Caro Professor:
ResponderEliminarTemos todos que lhe agradecer o dar a sua voz autorizada na condenação de discriminações no acesso à saúde, como os que descreveu. Há tempos, tinha ouvido falar no assunto, mas pensei que fosse delírio de quem tal afirmava. Todavia, cada vez mais me convenço que a ideia começa a ganhar adeptos e sobretudo torna-se aiciante pata os serviços de saúde. Portanto, força, Professor!...
É bem verdade. Esta ideia da "selectividade" do acesso aos serviços de saúde pode levar ao absurdo. Mas o pior é quando as ideias começam a fazer o seu caminho e a incentivar-se uma crítica social a determinados comportamentos que vão muito além do apuramento "civilizacional" que se pretende. Belo post, Prof. Massano, vindo de quem tem toda a autoridade sobre a matéria.
ResponderEliminarEles não brincam, pior, até se levam muito a sério. A nossa esperança é que também tenham os seus viciozinhos escondidos e que não durem para levar a sua perfídia por diante.
ResponderEliminarOu será que não sabem que quem muito se cuida morre atropelado!
Pois é, Prof. Massano, já anda por aí muito "boa gente" num frenético darwinismo de comportamentos...complicado este tema!
ResponderEliminarCaro Professor,
ResponderEliminarObrigado pelo seu, como sempre, brilhante post.
Que bela ironia como meio de redução ao absurdo, que é a melhor forma de combater estas ideias estúpidas, mas muito perigosas. E esta já anda há uns tempos por aí, eu pelo menos vi-a "ventilada" pela primeira vez, há já uns quatro anos por um ministro inglês.
E são tão estúpidas, que nem o fim da racionalidade económica que dizem procurar conseguem. Vejamos o caso dos fumadores (eu sou, pelo menos por enquanto - este por enquanto já o digo para aí há 20 anos!) como eles já contribuem para o bem geral (como agora se diz):
1 - suportam uma actividade económica (punjante!).
2 - Com os impostos que pagam (e caso curioso há pouca fuga - eu pelo menos não consigo encontrar um macito sem imposto!) contribuem fortemente para o SNS.
3 - Como os fumadores morrerão mais cedo, serão um fardo menor para o nosso sistema de pensões.
Ai se o Ministro da Segurança Social se lembra desta vai é já pôr travão às medidas para a diminuição do consumo do tabaco. Tolice a minha de pensar que estou a dizer alguma coisa de novo. Então a forma progressiva de aumento do imposto não é feita seguindo todas as boas regras de maximização da receita?
Por isso, fiquemos tranquilos, pelo menos os fumadores não serão os primeiros discriminados na saúde...