sexta-feira, 4 de maio de 2007

O Mundo dos Outros


Fui hoje assistir à apresentação dos resultados do trabalho desenvolvido por um grupo de instituições que se dedica ao combate ao trabalho infantil e abandono escolar, um tema do maior interesse e de que se conhecem sobretudo os sinais de alarme (ainda muitos, infelizmente) sem visibilidade dos progressos que se vão alcançando.
Essas equipas, para terem sucesso, obrigam à convergência de muitos esforços, de instituições públicas, de solidariedade social, autarquias, tribunais e famílias.
Contaram que vão praticamente de casa em casa, para convencer os pais a deixarem os filhos voltar à escola e/ou para convencerem os jovens a prolongar os estudos e obterem uma certificação académica ou profissional. Falaram da falta de auto estima de muitas dessas crianças, de inúmeros pais, eles próprios sem habilitações e fechados no seu pequeno mundo limitado, que decretam que o filho “não dá para os estudos, para quê andar na escola a apanhar maus hábitos?” e assim anulam qualquer impulso dos garotos. Estes, isolados de outros jovens e condenados à sua alegada inaptidão, crescem sem sonhos, sem qualificações, muitas vezes sem regra nem afectos, e adquirem comportamentos que os excluem socialmente.
Falou-se de taxas de sucesso do programa, há casos de 100%, em que todos os do grupo inicial prosseguem os estudos, outros de 75%, outros muito menos. Há muitas razões para isso, muitas vezes inultrapassáveis, mas ouvir falar de taxas de sucesso depois da apresentação de vários casos concretos, lembrou-me um episódio que li num livro sobre Alexandre da Macedónia.
Alexandre, ainda um jovem príncipe, ia com o seu pai a cavalo, percorrendo os campos de um país arrasado pela sua conquista. A certa altura, passam rente a uma garota miserável, coberta de farrapos sujos e esmagada ao peso de um carrego de lenha. Alexandre parou e deu ordem para que a garota fosse levada para o palácio, que a tratassem e alimentassem e aí passasse a viver. O Rei admoestou-o: “Tens a noção dos milhares de desgraçados que vivem como essa garota, sem que nada possa salvá-los do seu destino? Achas que vais mudar o mundo só porque a salvaste a ela?”
Alexandre viu a garota a andar, já livre do peso absurdo, os ossos salientes e os pés descalços. “Posso não mudar o teu mundo. Mas, para ela, fez toda a diferença”.
Para cada um daqueles garotos que integram as estatísticas que não parecem mudar quase nada, o mundo mudou. Para muito melhor.

4 comentários:

  1. Afinal, a grandeza de Alexandre não era só militar...
    Parabéns aos "Alexandres" anónimos que sabem mudar o mundo, pelo menos o mundo de cada um dos jovens que assim ficam mais ricos.

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  2. Suzana
    O espírito de solidariedade e ajuda não passa por nada fazer porque fazendo não chega a todos!
    Criar igualdade de oportunidades para todos é uma tarefa macro que cabe aos governos assegurar. Os "Reis" de Alexandre da Macedónia são maus exemplos! Infelizmente o mundo está cheio deles.
    Os "Alexandres" que são cada um de nós podem ajudar no seu micro raio de acção a melhorar ou mudar a vida de alguns. Felizmente que há muitos Alexandres.

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  3. Estamos então, perante um duplo problema, inércia e inépcia, convenhamos e ficou explícito no excelente post da caríssima Suzana.
    Se a inércia pode ser irmã gemea da inépcia, é sem dúvida uma irmã que a alimenta. Digamos que se alimentam recíprocamente. Se ambas se enquadrarem num ambiente onde os horizontes se fixam na subsistÊncia do dia-a-dia, estaremos então perante uma realidade, em que nós próprios duvidaremos da necessidade de uma formação intelectual e académica que vise obter um diploma de uma qualquer ciência.
    É nesse aspecto, a meu ver que o modelo de ensino em países deficitários de meios e condições de ensino, como Portugal, enferma.
    Canalizar, para não dizer empurrar, os jovens, com o fim de se realizarem intelectualmente e obterem diplomas académicos, para áreas, ás quais não se sentem mínimamente motivados. O quadro de Alexandre, pode e deve ser interpretado de um modo racional e adaptado aos tempos actuais, aliviando os ombros dos jovens do pesado molho de troncos e sem lhes oferecer uma estadia gratuita, colocar-lhes nos ombros a ferramenta para a qual se sintam vocacionados e ensinar-lhes a utiliza-la de forma produtiva, para eles, para a sociedade e o país.

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  4. Apesar de tudo, caros amigos, ainda vai havendo por aí muitos Alexandres, a questão é que têm pouca visibilidade, é o tempo dos grandes números, e não dos grandes problemas.
    Caro Bartolomeu, tem toda a razão,mas a dificuldade é não só motivar os jovens como também convencê-los de que trabalham em seu próprio benefício, em vez de olharem a universidade como uma etapa a cumprir e mais nada. O que é difícil no trabalho das pessoas de que falei é que têm que incutir nesses jovens, já afastados do sistema, o interesse por voltar e ficar, porque o impulso deles é ir embora.É mais que motivar, é levá-los a perceber a diferença que isso pode, de facto, trazer às suas vidas.Digamos que é uma forma positiva de subversão...

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