quinta-feira, 28 de junho de 2007

Legislação antitabágica

As diferentes formas de intervenção em medicina, passam, segundo Jean Bernard, por “cortar”, “substituir”, “modificar” e “prevenir”. Esta última, comporta, sem sombra de dúvida, a essência da medicina, através de vários métodos e técnicas destinadas a preservar e a promover a saúde.
Dentro da prevenção, as medidas legislativas são fundamentais, já que uma simples medida poderá ter mais impacto do que muitos dos esforços dispendidos pelos profissionais de saúde.
O caso do tabagismo é paradigmático. Não falando da forma “activa”, já que cada um é livre de fazer as suas opções, foquemos a atenção na forma “passiva” e nos direitos que têm os não-fumadores de evitar que sejam agredidos por parte de quem fuma.
Só através de uma regulamentação específica é possível defender e proteger a saúde dos que não fumam, cidadãos em geral, e trabalhadores em particular. É tão evidente este raciocínio que custa ler as opiniões de muitos cronistas portugueses que não se coíbem de agredir os que perfilham esta posição. O caricato da situação é tal que chegam a considerar como “fundamentalistas” os que perfilham de legislação antitabágica, não se contendo, coisa estranha, de transpor para o campo “moral” a defesa das sua posições egoístas e até rotulando de fascistas ou nazis os que, naturalmente, defendem os direitos dos que não fumam. A malha cronista portuguesa está repleta destes pseudo-defensores das direitos, liberdades e garantias.
Fala-se de legislação antitabágica e começam a espernear e a zurzir forte e feio.
Importa proclamar, alto e bom som que, de acordo com a CRP (Constituição da República Portuguesa), os cidadãos têm direito a fumar, fazendo uso do artigo 26º, em que é reconhecido, entre outros aspectos, o “direito à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”. Enfim, não é preciso colocar expressamente o “direito a fumar” neste artigo!
Mas numa sociedade de pessoas livres e responsáveis, fazendo parte de um estado não totalitário, a CRP prevê a restrição dos direitos, liberdades e garantias nos casos expressos na própria Constituição de forma a “salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Sendo assim, e respeitando os limites da restrição, a Constituição prevê a defesa dos” direitos dos consumidores”, o “dever de proteger a saúde dos cidadãos em geral”, o “dever de proteger a saúde dos trabalhadores”, o “dever de proteger a infância e a juventude”, ou seja, o direito dos não-fumadores protegerem a sua saúde.
Sendo assim, há toda a legitimidade em proibir que se fume em determinados locais e circunstâncias, pondo fim ao “sindroma de Maio de 68” que muitos portugueses ainda sofrem, quando argumentam que “É proibido proibir!”. Pois é mesmo necessário proibir!
A história da proibição do tabaco é rica e provém mesmo do primeiro fumador em solo europeu, Rodrigo de Jerez, membro da tripulação de Colombo, que tomou liberdades de andar a expelir fumo pela boca e nariz nas ruas de Sevilha. Tal atitude, levou a Inquisição a considerá-lo como mensageiro do Diabo, encerrando-o durante sete anos nas suas “celestiais masmorras”. Não sei se Rodrigo voltou a fumar após a sua libertação. Mas não são precisos estes métodos, e outros muito mais dramáticos e inumanos, levados a cabo pela realeza e sulteza de então, para impedir o consumo do tabaco.
É preciso uma regulamentação eficaz que contribua para minorar os efeitos negativos do consumo do tabaco, protegendo as crianças e adolescentes, facilitando o seu abandono, e promovendo bons hábitos. O “boom” legislativo verificado nos últimos anos, em muitos países, desde Cuba (quem diria!) até à Nova Zelândia, passando pelos países europeus, à excepção da “traumatizada” Alemanha, atingindo o nosso país com o habitual atraso, e avanços e recuos - mais recuos do que avanços - prevendo que o documento final vá, naturalmente, encontrar a forma lusa de ficar praticamente na mesma (restaurantes, bares, hotelaria em geral “decidem” se deixam fumar ou não nos seus espaços!) revela as preocupações com a saúde dos cidadãos dos diferentes países.
O alcance legislativo é diferente de país para país, de acordo com o seu desenvolvimento, cultura e religião.
De qualquer modo, os avanços legislativos que estamos a assistir é positivo, embora não consiga, infelizmente, contrariar o aumento dos números de óbitos que irão ocorrer durante o século XXI, cerca de mil milhões de vítimas, o que deve ser um sinal bastante animador para a indústria do tabaco. Entretanto, este aumento far-se-á mais à custa dos povos onde a formação, informação e legislação nesta tão importante área são bastante pobres. No cômputo ocidental estamos convictos de que as medidas legislativas são uma contribuição notável para melhorar a saúde e bem-estar das pessoas.
Mesmo que entre nós “ganhem” os defensores do consumo de tabaco, nos espaços já citados, como tudo leva a crer, por inércia e falta de coragem política (não esquecer que muitos, também são fumadores!) fica-nos a satisfação de os ver constrangidos e limitados nos seus “direitos” quando frequentarem um restaurante ou bar de um país mais avançado do que o nosso. Só gostaria de os ver “estrebuchar” e “insultar” os responsáveis políticos daqueles países aquando das suas visitas! Qual quê! Devem calar-se que nem uns ratos…

1 comentário:

  1. Se o habito de fumar, surgisse em simultâneo com a criação dos espaços públicos e o conceito moral do respeito pelo bem estar do vizinho, assim... assiste-se à imensa bacoquice de quem, para além de submeter a sua vontade à de um tubinho de papel, impregnado de chumbo e alcatrão, cheio de folha seca moída, impregnada de pesticídas e de viciante nicotina, ainda impõe aos demais a inalação do fumo que produz.

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