sexta-feira, 22 de junho de 2007

“Seios”

Uma das mais antigas recordações prende-se com um volumoso par de mamas de uma mulher recém-parida, minha vizinha. Na altura, medicamentos para tratar doenças tão simples como era o caso das otites não havia. As dores eram insuportáveis, e gritava que nem um desalmado. A meio da noite, levaram-me à casa do outro lado da rua. De repente, vejo a despontar perante os meus olhos uma volumosa e quente mama com um mamilo grosso e muito escuro a tentar enfiar-se no meu "minúsculo" meato auditivo. Impossível, atendendo às dimensões de ambos. O que é certo é que acto contínuo senti um jacto de liquido morno no ouvido, que acabou por escorrer, também, pela face. A lembrança do alívio das dores foi tal que, a partir daquele momento, quando olhava para as mamas das mulheres, sentia que as mesmas tiravam as dores.
Muitos anos mais tarde, uma familiar de idade muito avançada, com queixas muito dolorosas numa anca, que não aliviavam com nada, levou a um diagnóstico de metástase óssea. A procura do tumor primitivo foi um tormento, até que um dia, depois de muitos exames, perguntei-lhe se não tinha nada no peito. Respondeu-me que tinha uma "coisita", mas não devia ter importância. Já a tinha há muitos anos! Sem pedir licença - mandei às malvas qualquer pudor - desnudei-lhe a mama direita. Fiquei aterrorizado com o que apalpei. Não lhe perguntei qual a razão de não ter dito nada. Já sabia. Pundonor por um lado e recusa em aceitar o que quer que fosse por outro. O que se seguiu não tem descrição.
Recordei-me deste último episódio, quando, há duas semanas, estava a ver uma velhinha simpática, prestes a fazer 88 anos e cuja lucidez faz inveja a muito gente. De repente, a filha, com quase 70 anos, disse-me que a mãe tinha qualquer coisita na mama. Perguntei-lhe se tinha há muito tempo. Respondeu-me a simpática senhora, antecipando-se-lhe, que não, apenas há cerca de um mês. Senti um estremeção e com muito cuidado tirei-lhe a blusa. Olhei, e bastou tocar com as pontas dos dedos para ver o que se tratava. Um mês? Qual quê?! Quantos e quantos! Não fiz quaisquer comentários e comecei a providenciar a resolução do problema o mais rapidamente possível. Mais uma vez estava perante a mama da dor, do sofrimento e da morte.
Claro que nem sempre a mama é encarada das formas já descritas. Outras, cantadas pelos poetas, desenhadas pelos pintores, e fabricadas pelos escultores, adquire sentidos e tonalidades, que vão desde o erotismo à expressão mais sublime de carinho e ternura que é a maternidade. Que o digam os "recentes", mas polémicos, poemas eróticos do espanhol Juan Ramon Jiménez a propósito da sua estadia, e experiência sexual com três freiras, num sanatório nos princípios do século XX. "E teus peitos...como estão os teus peitos?" Mesmo assim nada que se compare ao Cântico dos Cânticos, onde se podem ler os mais doces e apaixonados arrebatamentos sobre os seios.
Muitas representações são tão belas ao ponto de despertar desejo e atracção como se tratassem de Galateias animadas de vida, enlouquecendo Pigmaleões. A mama do desejo, do prazer, do amor.
Mas a mama pode ter outras utilizações, como sinal de protesto, por exemplo, contra os utilizadores de peles, ou para chamar a atenção para a necessidade de promover a amamentação natural, contrariando os interesses da indústria alimentar ou quaisquer outras formas menos correctas, como aconteceu, recentemente, em Manila. Mama de protesto.
Há, também, situações bizarras, como a utilização de modelos "topless", em vídeos, empunhando placas com limite de velocidade para alertar os automobilistas nas estradas dinamarquesas. Incitativa promovida pelo governo e que originou contestação. A "mama da prevenção rodoviária"!
Com o objectivo, de angariar fundos para a pesquisa contra o cancro, milhares de mulheres londrinas, vestindo soutiens decorados, percorreram as ruas londrinas. Neste caso, a mama reveste-se de angariadora de fundos.
A "mama publicitária", utilizada até à exaustão, começa a suscitar reparos de monta, porque constitui um atentado à imagem da mulher. Enfim, muitos significados e muitas utilizações!
Até a própria humanidade, com todas as suas particularidades, pode ser vista através dos seios, que diga a obra com o mesmo nome, "Seios", do genial Ramon Gómez de la Serna. No capítulo, "O Xilofonista dos Seios", Ramon escreve: "Cada seio tem um matiz musical. A única coisa a fazer é encontrá-lo".
E encontramos! Desde belíssimos cambiantes a outros muito tristes...

8 comentários:

  1. Anónimo14:27

    Esqueceu-se o meu Ex.mo Amigo da GRANDE MAMA. A mama do Estado, não glosada pelos poetas, não pintada pelos artistas plásticos, mas de longe a mais procurada...
    :)

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  2. Fantástico, aqui se mostra o que é classe!

    Nunca pensei, que falar de seios pudesse ser algo tão elevado. A linha de raciocinio é excelente, confesso a minha pequenez, pois confesso que até à data não reconhecia ao peito feminino, tal profundidade filosófica e cultural.

    Muito bom ...

    Realmente é curioso, pois tal como o peito masculino, o seio feminino é um amontoado de células, mas tem uma magia muito maior. É sem dúvida fonte de vida logo merece todo o respeito e admiração.

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  3. Caro Salvador Massano, nem tudo podem ser elogios. Eu entendo os blogs, não apenas como uma expressão escrita, para aproveitar o potencial desta forma de comunicação, penso que os textos devem ser acompanhados de referências visuais =)

    Espero que não leve atrevimento, como aquilo que é, uma pequena brincadeira =)

    Mas é curioso como a generalidade dos homens têm uma obcessão por esse tema. Uma pequena foto, com uma senhora, desperta sempre nos homens uma série de sensações primárias. Como acontoceu com esta foto aqui

    Por isso eu acho que no fundo somos todos umas crianças grandes, tentando cojugar os nossos instintos com os reconhecimento dos nossos pares.

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  4. Fantástico Sr. Professor, verdadeiramente fantástico!
    Surprendente também a forma como conciliou os diversos temas, dentro do mesmo assunto sem descontextualizar. Só mesmo alguem de um carácter humano e profissional muito elevado, consegue construir este monumento, esta elegia à mama feminina.

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  5. Caro Professor:
    Mas que excelente!...
    Embora não abrangendo todo o contúdo do seu texto,mas em homenagem ao mesmo, deixo aqui um poema, extraído do livro Momentos, de um poeta não muito conhecido, Vítor Sintra:

    Seios pequenos, discretos,
    Seios rebeldes, erectos,
    Feitos desejos secretos.

    Seios redondos e quentes,
    Seios desnudos, frementes,
    Colos d'amor, exigentes.

    Seios luxúria, vibrantes,
    Seios gulosos, de amantes,
    Dons de paixões escaldantes.

    Seios crescidos, maduros,
    Seios pujantes, seguros,
    Sons de silêncios impuros.

    Seios enormes, caídos,
    Seios vazios erguidos,
    Resto de tempos vividos!...

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  6. "experiência sexual com três freiras, num sanatório nos princípios do século XX"??????

    Deve ter sido por isso que introduziram as taxas moderadoras...

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  7. Caro Ferreira de Almeida

    Uma tirada de mestre, a sua! Bom sinal de recuperação...
    Já agora, a propósito dessa GRANDE MAMA, lembrei-me de outra, pequenina. Na escola, quando um colega estava fora de jogo, e marcava um golo, dizíamos que não valia, porque "estava à mama"! Agora, muitos "estão à mama" e marcam os golos que lhes apetecem. "Mama política"!

    Caro Great Houdini

    Lá tenho que arranjar algumas fotos!
    A sua última frase sintetiza de forma ímpar aquilo que somos: "umas crianças grandes, tentando conjugar os nossos instintos com os reconhecimento dos nossos pares"...
    Nem mais!

    Relativamente às palavras elogiosas, só posso dizer o seguinte: se despertei emoções também os comentários me despertaram sentimentos comoventes...

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