Neste conjunto de posts que tenho vindo a publicar sobre o colóquio "Fiscalidade e Competitividade", que no passado dia 12 de Junho teve lugar na Assembleia da República, deixei propositadamente para o artigo final dois episódios relevantes que ilustram bem a mentalidade com que o Governo Socialista (e o próprio PS) encaram a questão fiscal.
Duas verdadeiras pérolas.
Começo por Luís Campos e Cunha. Na sua intervenção no colóquio, o ex-Ministro das Finanças, ao apresentar uma lista dos maiores obstáculos ao investimento estrangeiro, saiu-se com um comentário deste género: “Como se pode ver, a partir de um inquérito de opinião a empresários portugueses, elaborado pela consultora Deloitte, a carga fiscal sobre as empresas não é nem o primeiro, nem o segundo, maior obstáculo ao investimento estrangeiro; é o terceiro. Logo, não é dos mais importantes”. E repetiu o mesmo argumento num artigo de opinião no “Público” de 22 de Junho último!... Pois, é isso mesmo: a carga fiscal sobre as empresas é o terceiro obstáculo mais importante, de entre nove (sim, 9!!!) considerados!... E, portanto, para Campos e Cunha, se entre 9 está em 3º lugar, é porque não é importante… Imagine-se, estar no top 3!... Pergunto-me se serão mais relevantes o 4º, 5º ou mesmo o 8º e o 9º… E já nem refiro o facto de, para cerca de 30% dos inquiridos, a carga fiscal ser a dificuldade principal…; ou de os incentivos fiscais serem considerados, no mesmo estudo, o factor principal de captação de investimento estrangeiro…; ou que, de entre os principais custos de contexto identificados, os “custos fiscais – impostos directos” se encontrarem em 3º lugar em 11 (lá está, “pouco relevante”, de acordo com Campos e Cunha)…; ou que, ainda, nas áreas em que seria mais importante reduzir os custos de contexto, entre 8 factores, os impostos directos aparecerem em 4º e os indirectos em 5º... que mais é preciso acrescentar?!...
Mas também o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), Amaral Tomás, se distinguiu na sessão de encerramento – e de forma inesperada, nada de acordo com o seu registo, que até aqui tinha considerado sempre honesto, técnico e competente. Afinal… pois não é que o SEAF, em determinada altura, concluiu que Portugal era fiscalmente competitivo porque “conseguia negociar contratos individuais de investimento estrangeiro”! Contado ninguém acredita, não é? Mas será esse tipo de investimentos a maioria? Não me parece! Será mesmo, digamos, uma minúscula minoria …
E todos os projectos de investimento (nacional e estrangeiro) de montante inferior a EUR 5 milhões, que não podem ser objecto de tratamento individualizado? Neste segmento – que inclui a esmagadora maioria dos investimentos, e todas as PME, que representam mais de 99.5% do nosso tecido empresarial – seremos competitivos? Creio que a resposta é clara: não! E portanto, foi com sincera pena que ouvi esta argumentação da parte de quem nunca esperei que a usasse. Mas que revela, em conjunto com a intervenção de Campos e Cunha, e de outras, proferidas por colegas meus do PS, a importância que o Governo dá a esta matéria: nenhuma.
Já desde há muito tempo (seis ou sete anos, pelo menos) que penso, coerentemente, que esta área é fundamental em termos de competitividade – e, portanto, acho que a posição do Governo é, nesta matéria, profundamente errada. E prejudicial para o país, que todos os anos empobrece – também (mas não só, claro) – porque não somos fiscalmente competitivos. Mas se ainda tivesse algumas dúvidas, o que ouvi e vi no colóquio realizado no passado dia 12, tê-las-ia dissipado completamente.
Por isso é que o meu caro se deve ter "torcido" todo quando fez parte da equipa da M.F.Leite a "grande visionária" das políticas fiscais hoje aplicadas tão zelosamente pelos actuais Ministros das Finanças...
ResponderEliminar...Como refere e muito bem (inclusivé do que me lembro de o ouvir/ler em várias entrevistas em programas de economia e outros) há muito tempo que pensa, COERENTEMENTE, que esta área é fundamental em termos de competitividade.
Só me resta dizer (e não sou nada religioso) Deus nos livre e guarde de ter esta mulher à frente do Clube Disney, digo, PSD...
Comentário aqui http://tonibler.blogspot.com/2007/07/fiscalidade-e-competitividade-prolas.html por ser muito grande
ResponderEliminarA mim, não me admiram as palavras do SEAF. O senhor está empossado numa função política, tem de comportar-se como tal. Depreeende-se daqui que a passagem para a política implica o personagem a ser menos honesta? Claro que não, ainda que muitos levem o papel tão a sério que se tornem, realmente, menos sérios.
ResponderEliminarMas uma coisa é mentir, outra é omitir.
Miguel Frasquilho, por exemplo, tem defendido a sua dama (de redução dos impostos) com persistência. Admitamos até que também com coerência, se persistência e coerência se confundem por aí em algum plano.
Mas, nitidamente, sem consistência: porque Miguel Frasquilho sabe, mas esgueira-se a enfrentá-lo, que a redução de impostos não é uma política, será quanto muito uma componente. Faltando-lhe as outras vertentes a base não se sustenta.
Claro que podemos reduzir os impostos se reduzirmos o perímetro de intervenção do Estado, por exemplo.
Que diz Miguel Frasquilho a isto: que se paguem aos funcionários excedentários, pedindo dinheiro para o efeito.
Claro que se as coisas fossem assim tão simples só por ignorância crassa ou falta extrema de honestidade, o Governador do Banco de Portugal diria que não é possível reduzir os impostos pelo menos até 2010.
É possível que uma coisa ou outra aconteçam na pessoa de Vítor Constâncio.
Quanto a Campos e Cunha, ele também disse que o IRC=0 é possível sem afectar o montante das receitas fiscais, dentro de determinadas circunstâncias.
Será, também ele, pouco informado ou menos honesto?
Caro Rui Fonseca,
ResponderEliminarLamento que tenha estado tão pouco atento ao que escrevo sobre esta matéria... A verdade é que nunca defendi a área fiscal como panaceia para todos os nosso males, como o meu caro deixa entender que acontece. Simplesmente, o que não posso admitir é que se ataquem outras vertentes da competitividade e se esqueça sistematicamente a área fiscal. Quando tudo, mas mesmo tudo o que vamos conhecendo a nível internacional nesta matéria me diz que tenho razão. Até já a França (de Sarkozy, claro...), meu caro!... E agora as propostas de Rajoy em Espanha, para as eleições do próximo ano!... Já nós... uma tristeza completa.
Não é que isso me importe muito, mas ao menos faça-me justiça meu caro: se alguma coisa tenho sido, para além de persistente, é coerente...
Caro Miguel Frasquilho,
ResponderEliminarNão sei se a sua pachorra é tanta que o tenha levado a espreitar se mais algum comentário caiu para aqui.
Eu só hoje, confesso, tive tempo para ler o seu comentário às minhas impertinências.
Por mero acaso descortinei a notícia, que transcrevo a seguir, no Jornal Negócios. Como pode constatar nem só Vitor Constâncio está contra.
Transcrevo:
"Economistas do BCE contra redução fiscal até às eleições
Baixar os impostos antes do final da legislatura é uma decisão que pode sair cara. Quem o diz, desta vez, é o BCE, com base na história recente de outros países.
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Rui Peres Jorge
rpjorge@mediafin.pt
Baixar os impostos antes do final da legislatura é uma decisão que pode sair cara. Quem o diz, desta vez, é o BCE, com base na história recente de outros países
Um estudo publicado esta semana pelo Banco Central Europeu (BCE) onde são analisados os desempenhos orçamentais alemão, francês e português - países que enfrentaram procedimentos por défices excessivos - sustenta os alertas que vêm sendo dados por vários economistas e conclui que "os governos implementam más políticas em tempos económicos favoráveis".