domingo, 1 de julho de 2007

Mexericos


A pouco e pouco as pessoas tornam-se exibicionistas porque compreendem que já nada é privado –e, quando nada é privado, nenhum comportamento pode ser escandaloso. E, lentamente, os indivíduos que atentam contra a nossa privacidade vão-se convencendo de que as vítimas consentem a sua intromissão, e já não haverá nada que os faça parar.
A Passo de Caranguejo, Umberto Eco

Hoje, em animada conversa entre amigos, discutimos um pouco a questão da tão invocada transparência e do modo acrítico e, muitas vezes, acéfalo, como se justifica a exibição pública do que deveria dizer respeito apenas a cada um. Em nome da igualdade, da possibilidade de julgar, do omnipresente e omnipotente direito à informação, as vidas de cada um, sobretudo das figuras que ousem pisar terrenos públicos, podem (e devem!?) ser expostas à voracidade da opinião pública.
A propósito da Princesa Diana, que hoje completaria 46 tumultuosos anos, e da sua relação amor/ódio, conveniência/rejeição, com os media a cada passo da sua existência, lembrei-me de reler uma passagem do notável livro de Umberto Eco, “A Passo de Caranguejo”, onde refere que há hoje uma renúncia voluntária à reserva da privacidade que atinge as raias do exibicionismo.
Diz o autor que o tradicional “mexerico”, propalado nas costas do visado, tinha o valor social de válvula de escape e só funcionava enquanto se mantinha sussurrado. Descoberto o segredo, das duas uma: ou o visado era ridicularizado e proscrito, ou a sua honra era lavada na praça pública. De qualquer modo, acabavam as conversas.
Na sequência da evolução e concorrência dos meios de comunicação social, passou a ser notícia a vida das celebridades, num crescendo que transformou mexericos ora em curiosidades, ora em escândalos, mas a que estava associado um certo status social, que justificaria plenamente o interesse noticioso.
Actualmente, “já são as vítimas a contar mexericos sobre si mesmas, esperando desse modo alcançar a notoriedade da sua condição de actor ou político. No mexerico televisivo, não se diz mal de quem não está, é a vítima que fala de si e das suas histórias íntimas (…) e a confissão proporciona-lhes uma vantagem invejável, a exposição pública. O mexerico perdeu assim a sua natureza de válvula social, para se converter em exibição inútil”(livro citado, pág. 96).
A verdade é que, quebradas as barreiras do que era costume chamar-se pudor, foram-se também os contornos do que dava pelo nome de respeito pela esfera privada e passou a haver como que um direito/obrigação de se expor e de ser exposto. Aceite este jogo tão perigoso, não há vítimas nem algozes, mas apenas actores e espectadores, matéria prima noticiosa e profissionais da informação.
Que se confunda tudo isto com transparência, e se converta em obrigação o que não era mais que uma orgia exibicionista e voyeurista, pode ser bem a evolução que nos espreita…

6 comentários:

  1. Interessante o vosso blogue.

    Entretanto aproveito para convidar os interessados para espreitarem os novos blogues dedicados ao CREOULA e irmãos. Estivemos recentemete em Ilhavo a ver o SANTA MARIA MANUELA na doca flutuante da Navalria e publicámos diversas imagens que contrastam com as do seu irmão gémeo CREOULA.
    Novos blogues dedicados ao lugre CREOULA: http://lmc-creoula.blogspot.com/ e http://lmc-creoula-imprensa.blogspot.com/

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  2. Muito interessante esta obra de Eco.

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  3. Muito interessante esta análise.
    Realmente há os que adoram mostrar as suas “peculiaridades” e os que se “excitam” com as mesmas.
    Rimbaud dizia que “a vida é uma farsa com papéis para todos”. Mas há papéis e papéis...

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  4. Anónimo12:01

    Fundamental esta reflexão para compreender os tempos que correm em que a publicidade parece não encontrar limite mesmo naquilo que é mais íntimo.
    A imagem é mesmo essa. Passámos todos a ocupar o estatuto de actores ou de espectadores e a notícia já não é o facto notável ou interessante, é tudo aquilo que promove, tantas vezes, o voyerismo e o exibicionismo do que há de mais primário.
    Grave é que a sociedade não dê sinais de encontrar as fórmulas para proteger aqueles que legitimamente pretendam reservar na intimidade o que não é nem tem de ser público.

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  5. Cara Suzana para variar, muito bom post.

    A comunicação é um grande poder e está completamente descontrolado.

    Cada vez mais o Marketing estuda os comportamentos e a tendência é tornar-se mais invasivo. Os canais tradicionais estão cada vez mais esgotados, novos filões têm de ser encontrados, para obter o recurso escasso deste séc - a atenção do cliente. Vale tudo, para vender, seja produtos, serviços, idéias, candidatos.

    Realmente a idéia de a contra informação está demodé, e, emerge a auto-contra-informação, em que a máquina do candidato levanta suspeitas faltas, para parecer que a oposição não tem valores.

    Ma felizmente há espaços como o 4Républica um SPA pr a informação e pessoas corajosas como a sra neste vídeo aqui um pequeno gesto, mas de esperança.

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  6. Pois é, caros amigos, o mínimo que podemos fazer é ir dizendo que reparamos no que está a acontecer e que é uma anormalidade! Caro Great H., não tinha visto o video, é realmente elucidativo, mas o facto de uma reacção que parece tão lógica ser uma notícia desta dimensão mostra bem como as coisas já estão...Achar que só por brincadeira de mau gosto é que alguém alinha como 1ª notíca essa tal doida da menina Hilton é uma acto de pura sanidade mental,infelizmente já raro e a exigir coragem, como refere.

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