Reconheço que é indecente a mulher ter ficado com o nome de Velha das Vacas, mas aquela primeira impressão foi tão marcante que, mesmo passados vários anos, não conseguimos deixar de a referir dessa forma.
A nossa casa na aldeia estava já pronta, com o murete à volta e a cancela de madeira, mais para marcar território do que para impedir a entrada, não gosto de muros altos nem de portas trancadas. Foi nessa altura que decidimos que ficava bem uma barra de calçada portuguesa à volta da casa, começando por um carreirinho desde a cancela e depois uma barra larga à volta, o espaço sobrante ficava para a relva e para o jardim que me desse na inspiração ir fazendo crescer. Naquela altura as ervas e o mato chegavam ao joelho, só depois da obra feita é que se ia tratar de limpar e pôr terra nova.
Contratámos a obra, aquilo era caro, mas já agora, é sempre o já agora que desgraça os défices, mas enfim, o homem garantiu que ficava bem feito, lisinho, resistente, uns 15 dias e estava pronto a estrear com a casa.
Quando fomos ver a obra pronta caiu-nos a alma aos pés! De facto lá estava o carreiro, lá estavam as pedras da calçada à volta da casa, mas lisinhas?? não! Pelo contrário, pareciam postas por um louco, passo sim passo não afundavam-se na terra, outra saídas do lugar como se alguém tivesse andado aos pontapés às pedras, não havia meio metro de calçada escorreita! O calceteiro estava perplexo, jurava que tinha deixado tudo direitinho, ele sabia que o chão havia de ceder mas não era assim, ainda nem tinha chovido uma gota, que diabo!?! Notei também umas clareiras no matagal do terreno, aqui e ali estava raso, como se alguém tivesse começado a limpar ao calhas, e tivesse desistido a meio...
Foi então que vimos a velhota, cabelo curto e cara redonda, muito vermelha, a acenar para mim do lado de fora da cancela “- Ó Dona, ó Dona!” e fui ao seu encontro.
- A Dona é que vem pra esta casa? É que eu moro aqui ao cimo da rua, costumo trazer a vaca a pastar e a Malhada teve um vitelo, gosta muito dessa erva, a mim dá-me jeito, ela fica aí e eu vou à minha vida, é só encostar a cancela de madeira e ela não vem cá para fora...e de um modo limpa-lhe o terreno, já não tem que cortar o mato. É para lhe pedir que não deite veneno nas ervas...
Num relâmpago esclareci o mistério. As pedras afundavam ao ritmo dos passos da vaca, assim se explicava a profundidade a que cada uma se tinha enterrado e a relativa regularidade com que os estragos se desenhavam E a erva roída...
Mas a candura da velha desarmou-me por completo, ela nem tinha percebido nada, parece que ela não se atrevia e entrar, só deixava que a vaca empurrasse a cancela!
Combinei então um acordo original: ela não deixava o animal entrar e eu comprometia-me a apanhar a erva e a deixá-la num grande monte ao pé do muro para a Malhada comer quando passasse. E assim foi, durante uns tempos, mal via o mato mais espigado eu apanhava-o zelosamente e deixava o monte junto ao muro, na vez seguinte já nem havia rasto, mas tinha um saquinho de figos à porta, ou meia dúzia de ovos.A nossa casa na aldeia estava já pronta, com o murete à volta e a cancela de madeira, mais para marcar território do que para impedir a entrada, não gosto de muros altos nem de portas trancadas. Foi nessa altura que decidimos que ficava bem uma barra de calçada portuguesa à volta da casa, começando por um carreirinho desde a cancela e depois uma barra larga à volta, o espaço sobrante ficava para a relva e para o jardim que me desse na inspiração ir fazendo crescer. Naquela altura as ervas e o mato chegavam ao joelho, só depois da obra feita é que se ia tratar de limpar e pôr terra nova.
Contratámos a obra, aquilo era caro, mas já agora, é sempre o já agora que desgraça os défices, mas enfim, o homem garantiu que ficava bem feito, lisinho, resistente, uns 15 dias e estava pronto a estrear com a casa.
Quando fomos ver a obra pronta caiu-nos a alma aos pés! De facto lá estava o carreiro, lá estavam as pedras da calçada à volta da casa, mas lisinhas?? não! Pelo contrário, pareciam postas por um louco, passo sim passo não afundavam-se na terra, outra saídas do lugar como se alguém tivesse andado aos pontapés às pedras, não havia meio metro de calçada escorreita! O calceteiro estava perplexo, jurava que tinha deixado tudo direitinho, ele sabia que o chão havia de ceder mas não era assim, ainda nem tinha chovido uma gota, que diabo!?! Notei também umas clareiras no matagal do terreno, aqui e ali estava raso, como se alguém tivesse começado a limpar ao calhas, e tivesse desistido a meio...
Foi então que vimos a velhota, cabelo curto e cara redonda, muito vermelha, a acenar para mim do lado de fora da cancela “- Ó Dona, ó Dona!” e fui ao seu encontro.
- A Dona é que vem pra esta casa? É que eu moro aqui ao cimo da rua, costumo trazer a vaca a pastar e a Malhada teve um vitelo, gosta muito dessa erva, a mim dá-me jeito, ela fica aí e eu vou à minha vida, é só encostar a cancela de madeira e ela não vem cá para fora...e de um modo limpa-lhe o terreno, já não tem que cortar o mato. É para lhe pedir que não deite veneno nas ervas...
Num relâmpago esclareci o mistério. As pedras afundavam ao ritmo dos passos da vaca, assim se explicava a profundidade a que cada uma se tinha enterrado e a relativa regularidade com que os estragos se desenhavam E a erva roída...
Mas a candura da velha desarmou-me por completo, ela nem tinha percebido nada, parece que ela não se atrevia e entrar, só deixava que a vaca empurrasse a cancela!
Com isso aprendi a reconhecer várias espécies de ervas daninhas e as melhores técnicas para as arrancar pela raíz, na esperança de não voltarem a crescer. além disso ganhei uma amiga e o homem ficou tão admirado com este entendimento que decidiu repor a calçada sem cobrar a dobrar!
Mas nem com as ervas as técnicas são infalíveis, as de má raça voltam a nascer por muito cerce que se cortem e, mal nos distraímos, aí estão fortes e arrogantes.
As coisas que se aprendem no campo...
Que experiência deliciosa caríssima Suzana!!
ResponderEliminarEu diria que até a "Malhadinha" lhe está reconhecida, pois deixou de ter de arrancar com as "beiçolas" as ervas do chão. :))))
Em linguagem de vaca, foi como se passasse pelo snack lá da aldeia só para fazer um petisquinho.
Pois esse conhecimento pela experiência, que tão bem descreve, é efectivamente uma das grandes mais valias para um citadino que experimenta os "sabores" do campo. E tal qual o poema do Carlos Tê, aprende-se a conhecer os frutos e as sementeiras, a tratar por tu os ofícios, a entender o suão e os animais, falar o dialecto da terra, conhecer-lhe o corpo pelos sinais.
Não querendo abusar deste espaço, queria deixar a informação de que, a partir de dia 8 do próximo mês, até dia 16, vão decorrer as festas em honra de Nossa Senhora da Salvação em Arruda dos Vinhos. Não conheço ainda o programa das mesmas, logo que o conheça, divulga-lo-ei. Desejo ainda convidar os autores e os comentadores do 4R que tenham disponibilidade e desejem, a participar num churrasco ao ar livre, na minha residência e posteriormente visitar os festejos, de preferência num dia em que haja tourada, se todos forem apreciadores do espectáculo. Pensem nisso e contactem-me para o endereço c_torcato@hotmail.com.
Suzana
ResponderEliminarVale a pena viver no campo. A vida é bela no campo! É o mínimo que se pode dizer desta divertida mas tão simples história.
A Velha das Vacas juntou o útil ao agradáveL: a minha Malhada come as ervas daninhas num jardim murado com uma cancela - daqui é que ela não se perde - e a Dona fica toda satisfeita porque o jardim está sempre limpinho das marotas das ervas daninhas, danadas para crescer, feias e muito trabalhosas de arrancar.
Mas a Velha das Vacas esqueceu-se do peso da sua Malhada! Nem do seu tamanho se deu conta...
O que vale é que a Dona é uma pessoa compreensiva e generosa e não esteve com meias medidas: a Malhada passou a ter ração garantida de ervas daninhas do seu jardim, arrancadas pela Dona com todo o amor para felicidade de uma Velha das Vacas e de uma vaca Malhada!
Oh caro Bartolomeu, pois que grande convite!...
ResponderEliminarSe, na altura, já tiver deixado as canadianas e se a ideia se mantiver, terá uma visita!...
Caro Dr. Pinho Cardão, será recebido com o maior gosto e desde já lhe endereço os meus votos de rápidas melhoras.
ResponderEliminarFestas em Arruda dos Vinhos? Isso é um convite irrecusável, já a prometer uns bons dedos de conversa republicana! Muito obrigada pelo convite!
ResponderEliminarMargarida, quando cá vier apresento-lhe a Velha das Vacas, é uma criatura curiosissima, fala pelos cotovelos e conta histórias incríveis, todas baralhadas, numa meada interminável. Já tem 83 anos e ainda vai a Mafra a pé, são mais de 3 Km, agarrada a uma canadiana muito torta, não sei como se aguenta. A Malhada já foi vendida, anafada como estava deve ter sido um bom negócio :)
Caro Pinho Cardão, julguei que já tivesse recuperado, isso não será desculpa para desleixar as vinhas??? Olhe que as vindimas já estão a chegar, o meu amigo trata mas é de apostar na fisioterapia! Um abraço e rápidas melhoras!
Cara Suzana, é com todo o gosto que a receberei e Arruda irá regosijar-se com a visita de tão ilustres visitantes.
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